terça-feira, 13 de dezembro de 2016

A vida é de quem aprende


Ele recebeu um belo cartão de Natal  , com palavras simples e contundentes : Caro amigo  , sabia que há 10 anos a gente não se vê  ? Mas  , mesmo à distância  , continuo sendo seu fã número um sonhando com a possibilidade de um dia desses  , quem sabe  , a gente  , enfim  , conseguir encontrar-se. Para você e sua família, um Natal de alegria imensa  e um Ano Novo dos mais gratificantes  “ .  Esse cartão mexeu com ele. Primeiro, porque se espantou ao ler "há dez anos a gente não se vê". Como pode?! Um amigo de quem ele gosta tanto! Segundo, porque se lembrou de que na verdade o amigo o procurou várias vezes, anos atrás, para marcarem um encontro, mas ele sempre esteve ocupado  , nunca conseguiu abrir um espaço em sua agenda para vê-lo. 
Veio a emoção  , pelo cartão recebido e pela proximidade do Natal. Resolveu então, ele próprio, buscar em sua lista aqueles amigos a quem gostaria de enviar cartões. Cada nome, uma história: Nelson  , o colega de trabalho que ele admira e com quem combinou um almoço que acabou nunca acontecendo; Júlio, o amigo que gosta de pescar, com quem prometeu ir um dia ao Pantanal  , mas nunca foi  ; Nelma, a amiga de infância que inúmeras vezes pensou em convidar para um jantar em sua casa; Alberto, o ex-chefe que se aposentou e que ele sempre quis visitar, mas nunca foi. 
A sucessão de lembranças trouxe uma amarga constatação: ele tem vivido menos do que deveria  ou queria. Então entendeu aquela observação do filósofo Heráclito: às vezes vivemos como se estivéssemos ausentes, como se estivéssemos em um grande sono. Veio-lhe à mente uma frase:  a vida é mestre de quem aprende  !  O cartão recebido e a lista de amigos à distância tem algo a ensinar para ele agora: que precisa rever suas prioridades , repensar o uso que tem dado ao tempo, fazer menos algumas coisas, fazer mais o que traz gratificação. Vem dedicando um tempo excessivamente limitado à vida, concentrado apenas no trabalho. Precisa buscar o equilíbrio, pois a ausência de harmonia entre as várias faces da vida mais cedo ou mais tarde trará questionamentos e contestações amargas.

EQUILÍBRIO 

O trabalho produtivo e realizador certamente é uma das dimensões mais importantes da vida de uma pessoa saudável.  Ter uma ligação efetiva com o trabalho  , encontrar motivação, sentir–se útil e reconhecido, ter prazer em fazer o que se faz – tudo isso é fundamental para uma vida plena. Mas há outras dimensões  : a convivência familiar  , as trocas com os amigos  , o lazer  , a espiritualidade  , o desenvolvimento pessoal. 
Uma das principais razões pelas quais as pessoas reduzem seu espaço vital é a perda da sensibilidade, da capacidade de sentir emoções. A vida do trabalho impõe regras de eficácia  e entre elas está a aquela que orienta para o controle das emoções. Porém o exagero  no controle emocional acaba nos tornando excessivamente “ racionais “ e  “objetivos “, afastando-se de coisas que são importantes para nós, como um maior convívio com os filhos, com os amigos, a busca de uma atividade de lazer.  Sim, devemos ser objetivos  e racionais, mas sem perder a emoção que nos aproxima dos outros e da vida, que traz a verdadeira gratificação, que motiva para maiores e melhores realizações.
O Natal tem uma forte simbologia para os cristãos. Tem a capacidade de despertar as emoções e a esperança  de que a vida pode trazer grandes presentes. Remete à infância  , a bons momentos  , traz lembranças dos que se foram  , relembra de dimensões muitas vezes muitas vezes esquecidas – pureza  , alegria genuína  , espiritualidade. É um bom momento para rever as prioridades  , pensar sobre o que se tem deixado de fazer mais  , o que se deve fazer menos. Uma boa oportunidade para a pessoa perguntar: que dimensão da minha vida tem sido negligenciada  ? Nessa ocasião  , vale a pena  “ crer para entender “ , usando a expressão de Santo Agostinho. Primeiro  , creia que a emoção é uma dimensão das mais importantes da verdadeira compreensão  - e deixe-se emocionar. Depois, olhe sua vida  com os olhos da emoção e veja que dimensões importantes estão sendo relegadas  .Por fim  , ainda com os olhos da emoção , tome uma resolução de mudança  . O Natal é uma oportunidade que a vida traz. E a vida é mestre de quem aprende ! 

Fonte  Jornal  
-Ricardo  Xavier  de  Almeida  Prado  , administrador de empresas  , é presidente de 
Manager  Assessoria  em  Recursos  Humanos 

Natal de luz para o Brasil



Natal É uma palavra que encanta porque faz sonhar e, nesta época, as pessoas se relacionam com certo brilho de alegria  , de esperança e de fraternidade. 
O Natal nos traz uma mensagem de amor. “ Deus amou o mundo e assim enviou por amor o seu Filho  “ ( Jo 3, 16 ), isto para elevar cada ser humano à dignidade da filiação divina. Deus enviou Seu Filho ao mundo não para condená-lo ou julgá-lo, mas para salvá-lo. Meus irmãos e irmãs, a salvação consiste no resgate do ser humano de seu pecado para a glória da comunhão definitiva com o Pai, em Seu Filho Jesus.
O que nos marca muito nesse tempo são as figuras do Natal  , sobretudo o presépio  , a árvore  , os presentes  , os cartões e as felicitações. Por exemplo, o que você vê na árvore de Natal ? Em alguns lugares, a vemos decorada como se estivesse coberta de gelo e neve. De fato, é impressionante a resistência das árvores nas regiões onde cai neve, pois, mesmo com frio e a cobertura de neve, elas resistem e brotam novamente na primavera.
O presépio é também um símbolo marcante porque é um ambiente pobre. Naquela gruta havia somente uma manjedoura que servia como berço e a ternura de um pai e uma mãe que só encontraram acolhida nesse lugar reservado aos animais.
Vamos entrar na cena do nascimento de Jesus. Você pode ver os pastores que estavam ocupados com seus rebanhos. Era gente simples e pobre que encontrou uma nova luz, um novo brilho com o nascimento de Jesus. Os anjos que se põe a cantar trazem uma mensagem de esperança e alegria.
O menino Jesus transformou aquele estábulo em um palácio de amor. Só de imaginar a situação daquele nascimento  , Deus nos enche de coragem e esperança. A força do amor nos é dada na fragilidade de uma criança que nasce pobre em Belém e nos leva à partilha.
Esta é a força do Natal   ! Em nossa pobreza nos sentimos fortalecidos pela luz de Jesus  . Este tempo nos traz a mensagem de que vamos nos fortalecer juntos, mais próximos e solidários uns com os outros  . Na minha terra  , a Itália, eu via as árvores que resistiam ao gelo e ficava maravilhado  . Com nossa vida, não é diferente e sei que com a misericórdia de Deus o gelo vai passar e o povo brasileiro vai resistir. 
O Brasil vai vencer o “ frio “ com a força de Cristo que nasceu numa terra distante e vive no coração de cada brasileiro. O Natal, primavera de coragem e de solidariedade, transforme este país. Feliz Natal  ! 

Fonte  -           Revista     O  MÍLITE          ESPIRITUALIDADE     pág  4
 FREI  SEBASTIÃO  BENITO QUAGLIO  -  Presidente  da  Milícia  da  Imaculada 



O  PRESÉPIO

Junto  com o pinheiro e com a tradição de dar presentes, o presépio é uma das maneiras mais antigas de caracterizar o Natal. Desde o século III, os cristãos celebravam a memória do nascimento de Cristo, de diferentes maneiras  , a forma do presépio como conhecemos atualmente surgiu depois. Um dos responsáveis foi São Francisco de Assis. No ano de 1223, ao chegar no vilarejo Greccio e se emocionar com a paisagem local  , que o fez lembrar a simplicidade e beleza do nascimento de Jesus, em vez da tradicional celebração do Natal na igreja, ele decidiu recriar a noite do nascimento de Cristo, com seus irmãos e os moradores da cidade de Assis. Todos se encaminharam até a floresta de Greccio e realizaram uma pequena encenação. Conta a lenda que foi uma noite cheia de emoção  , que sensibilizou todos que participaram. A partir dessa experiência  , surgiu a idéia de reproduzir os personagens em barro para manter essa imagem presente durante todo o período natalino. No século XVIII, esse costume já estava difundido pela Itália, Portugal e Espanha, porém não apenas com a reprodução da cena nas igrejas, mas também, dentro das casas das pessoas, com figuras de barro ou madeira. A partir de então , o hábito se espalhou por toda a Europa e mais tarde chegando também a algumas colônias  , como o Brasil.
Atualmente  , os materiais utilizados são os mais diversos, as luzes passaram a fazer parte da cena, alguns presépios chegam até ao requinte de verdadeiras obras de arte, outros chamam a atenção por serem feitos em tamanho natural. Há presépios por toda a parte e dessa forma a imagem desse belo e singelo momento do nascimento de Jesus já faz parte do imaginário de todos nós.

Fonte    -   Jornal    ZONA   SUL          
Natal      2007


Crianças são anjos



EDITORIAL 

Crianças são anjos que, através da imitação, se inspiram para crescer. Daí, nossa responsabilidade em passar valores que contribuam para esse crescimento. Elas são encontradas em toda parte: em cima de, embaixo de, dentro de, subindo em, balançando –se no, correndo em volta de, pulando para... Deus as protege! A criança  é uma criatura mágica que não dá para expulsar do nosso coração. Afinal, quando nos sentimos “acabados “ , só ela tem a magia de “ soldar cada pedacinho nosso “ que estava prestes a se perder.
Precisamos cuidar bem das nossas crianças, pois um dia seremos as crianças nas mãos delas. Portanto  , devemos observar tudo àquilo que a criança faz : o que elas assistem na TV, como brincam os coleguinhas, o que dizem, como se vestem  , o que comem , como andam na escola ... Não devemos passar para elas nossos aborrecimentos e angústias, nem descontar nelas os problemas que acumulamos no dia a dia. Vamos nos tornar mais presentes nas vidas dessas crianças e jovens. Sempre há o que se fazer  ! Nunca diga para uma criança  - porque sim ou por que não  - explique  , com lógica , o porquê daquilo não ser bom. Você só vai conseguir fazer isso se esforçando em dar o melhor de si. Isso também vai ser útil para você ! 
Voltar a infância  ... Época de fantasias  , convivência com os pais  , tendo nosso próprio mundo  , sem preocupações , decepções e pressões . Que coisa boa  ! Mas ser adulto não significa  , apenas , viver a realidade  , por vezes dura , mas viver o dia a dia sem matar o espírito de criança que pode existir a vida toda dentro de nós. Para que isso seja possível, basta cultivar a simplicidade, os sonhos, a alegria, o amor a tudo que nos cercar e a confiança em Deus. Isso dá mais sentido e beleza à vida. Afinal, ser criança é estar de bem com a vida, tendo a energia do Universo dentro de si. E você, professor, que comemorou o seu dia em 15 de Outubro, deve ser a pessoa mais preocupada em resgatar essa alegria de “ser criança “ . Afinal, você é sempre será o maior exemplo fora de casa para qualquer criança. Ao mestre, o reconhecimento, carinho e afeto de todos nós que já fomos crianças e alunos de pessoas que, com certeza , marcaram nossas vidas  !

Fonte – Jornal    -    OPÇÃO NATURAL      pág  3      outubro de 2015 
Equipe  do  Jornal    -   OPÇÃO  NATURAL 

O POVO ELEITO



Para  determinar a origem racial e cultural dos povos do passado, assim como as relações estabelecidas entre eles, vimos que os sábios estudam suas ossadas e os restos de suas habitações e dos objetos que fabricavam e utilizavam; ora, no caso dos primeiros israelitas, não dispomos de qualquer fonte da informação desse gênero. Com efeito, como se tratava de pastores nômades, os vestígios de interesse arqueológico que poderiam deixar forçosamente deveriam ser raros, muitos dispersos e difíceis de encontrar. E, mesmo que as escavações tornassem possível sua descoberta, como poderíamos diferenciá-los dos vestígios  semelhantes deixados pelas outras tribos de pastores que percorriam os mesmos territórios e cujo modo de vida provavelmente não era muito diverso  ? Podemos, pois, perguntar através de que meios podemos esperar conhecer sua aparência, suas relações genéticas com as populações que os cercavam e sua verdadeira origem . 
A própria Bíblia é curiosamente pobre em precisões de gênero daquelas que gostaríamos de obter. Assim, não nos fornece praticamente qualquer indicação sobre o aspecto físico das personagens que nela desempenham um papel importante. Numa fase posterior da história dos israelitas, restos identificáveis, mais ou menos abundantes – esqueletos, vestígios arquitetônicos e objetos fabricados  - vem confirmar os documentos escritos do mesmo preencher suas lacunas. Mas, quanto ao período em que começaram a sair do anonimato e levar uma existência distinta  enquanto grupo organizado, não dispomos atualmente de nada exceto de fontes indiretas tais como a Bíblia, dados linguísticos e conclusões que podemos tirar de nosso conhecimento de outros homens dessa época. Certamente, esses elementos não são tão probantes quanto os testemunhos mais diretos, mas seria absurdo não levá-los em consideração ou subestimar-lhes o valor. 
Quase todos os eruditos reconhecem hoje, de maneira geral, a historicidade das tradições bíblicas que concernem à origem de Abrahão e de seus descendentes.  Na Bíblia diz-se claramente que Abrahão partiu da cidade de Ur, na Caldéia. Também se informa no mesmo lugar que membros da sua família continuaram a viver por muito tempo, depois de sua partida  , em Haran e em Nahor; estas cidades foram localizadas em Mesopotâmia , região em que se tinham desenvolvido as antigas civilizações de Sumer e Acad. A língua que falavam os primeiros israelitas confirma essa origem  , pelo menos no que concerne a Abrahão e seus descendentes imediatos. No Deuterônomio , 26:5 ( segundo a versão moderna )  , está escrito: “ Meu pai era um arameu nômade"  . Também lemos em Gênese, 28:15:  “ E Isaac fez partir Jacó , e este partiu para Padan–Aram ( Mesopotâmia ) para a casa de Labão , filho de Betuel , o arameu , irmão de Rebeca, a mãe de Jacó e de Esaú “. O aramaico é um dialeto semítico ocidental, ramo a que pertencia também a língua dos cananeus. O estudo dos nomes mencionados nas primeiras genealogias também apóia essa identificação; quase todos pertencem aos mesmo grupo lingüístico que, segundo os especialistas  , tem sua origem na região mesopotâmica
As recentes pesquisas dobre os documentos literários provenientes dessa região confirmam igualmente que a  Mesopotâmia é a terra natal dos fundadores do povo hebreu. Em particular  , observam-se entre as concepções cosmogônicas do Gênese e as das epopeias mesopotâmicas, como o Poema de Gilmamesh, semelhanças muito marcantes para que seja possível explicá-la de outra forma que não pela existência de uma tradição comum. 
Uma vez que não há qualquer razão de acreditar que os fundadores do povo hebreu formavam  , em seu país natal  , um grupo separado  , do ponto de vista lingüístico, religioso ou cultural, não é verossímil que tenham sido muito diferentes  , no plano genético ou racial, do conjunto da população. Uma tal diferenciação só se poderia produzir em condições especiais que, pelo menos até sabemos, não existem de modo algum na região. Com efeito , o estudo dos povos mais conhecidos demonstrou claramente que, na ausência de qualquer barreira cultural , religiosa ou lingüística, os diversos grupos habitantes de uma região , mesmo que sejam distintos por suas características genéticas, tendem a se cruzar, o que provoca permutas que levam finalmente a um amálgama. 
Seja como for, as informações que recolhemos a respeito dos caracteres raciais da população mesopotâmica contemporânea da migração da família de Tera, assim como a respeito das variações desses caracteres, não indicam de modo algum a existência de um grupo racial distinto que poderia ter dado origem aos israelitas. Se os fundadores de Israel eram realmente representativos de seus contemporâneos que viviam na Mesopotâmia  nas vizinhanças de Ur , de Haran  e de Nahor, nossas conclusões quanto à a sua origem racial dependeriam pois de nosso conhecimento do todo dessa população no momento da migração de Abrahão
Embora reconhecendo a dificuldade de datar precisamente essa migração. Albright declara que em sua opinião, levando em conta os dados disponíveis podemos fazê-la remontar aos séculos XX e XIX a.C. Parece que hoje essa data é aceita pela maioria dos especialistas com algumas pequenas variações. Já vimos que grande parte do Crescente Fértil, inclusive sobretudo a Mesopotâmia e a região de Canaã , foi ocupada por uma população onde predominava o tipo mediterrâneo  , pelo menos até o fim do primeiro período da era do bronze  ( cerca de 2100 a.C).
Como indiquei, acima, pode-se distinguir posteriormente algumas modificações dos caracteres físicos da população, devidas certamente à chegada de grupos invasores que formaram vários impérios. Uma vez que, segundo nosso conhecimento, os primeiros hebreus não faziam parte dos exércitos conquistadores desses impérios  , pode-se pensar que também não eram representativos da nova população que finalmente se fixou na Mesopotâmia. Parece muito mais provável que encontrem sua origem nos elementos mais antigos que, nessa época , eram expulsos da região e forçados a emigrar. Dados da mesma natureza parecem mostrar  , além disso  , que esses grupos de imigrantes  , vindos do Leste, penetravam, há algum tempo , na região de Canaã, como nas outras zonas costeiras. Como os idiomas não semíticos foram introduzidos nessa região pelos novos elementos da população  , o fato dos primeiros israelitas falarem uma língua semítica confirma a idéia de que descendiam das antigas camadas de população ; se é esse o caso, seria necessário considerar  que tinham uma origem principalmente mediterrânea. Entretanto , convém também admitir a possibilidade de que, entre os companheiros de Abrahão ou entre os indivíduos que se uniram ulteriormente ao grupo dos hebreus, tenham figurado representantes das mais recentes contribuições ao complexo racial então em processo de desenvolvimento na região. De acordo com essa segunda hipótese os hebreus seriam, portanto, de origem essencialmente mediterrânea , mas compreenderiam também alguns dos elementos braquicéfalos que começavam a surgir em certas localidades. 
Os casamentos mistos que se verificam entre membros de grupos distintos que vivem lado a lado são o meio pelo qual se efetuam as permutas genéticas. Para estudar fatores biológicos que contribuíram para a constituição de grupo israelita, é pois impossível não levar em conta a população em cujo meio ele estava estabelecido. Se bem que , em diversos momentos da longa história dos judeus, as uniões com os estrangeiros tenham sido solenemente condenadas por seus dirigentes na verdade a existência dessa prática pode ser provada por documentos e é mesmo amplamente demonstrada pelas interdições de que foi objeto. Por outro lado, convém notar que os textos que contém ameaças e advertências contra os casamentos mistos são bem posteriores ao estágio de formação de que tratamos, e datam de uma época em que as distinções religiosas, tendo assumido um caráter formalista e tradicional, corriam o risco de se diluir em conseqüência de contatos com representantes de outros sistemas religiosos. De fato, o verdadeiro temor que inspira essas interdições é muitas vezes bastante explícito.  Se os filhos de Israel esposam mulheres estrangeiras  , serão compelidos a praticar ritos e a adorar deuses que os fiéis consideram abomináveis  . Cumpre reconhecer que essa concepção não deixa de ser justa ; e , para um crente, há nela um perigo concreto. Desse ponto de vista, a regra da endogamia no interior da nação – que já corresponde a uma tendência natural em condições normais – pode ser considerada como uma espécie de dogma e como um meio de conservar intata a religião israelita. 
Mas no início, quando o povo de Israel ainda não formava uma entidade tão distinta e certamente não tinha a consciência algo ciosa de sua individualidade que devia adquirir mais tarde, o casamento misto podia não ser considerado tão nefasto, e podemos supor que reinasse com maior liberdade a esse respeito. Evidentemente, é impossível estabelecer com alguma certeza se as uniões com os membros das tribos vizinhas eram então mais ou menos freqüentes do que posteriormente. Mas, em todo caso, se esses casamentos não eram muitos raros, suas conseqüências de ordem genética devem ter sido tanto mais sensíveis nessa época quanto a população ainda era pouco numerosa. 
A  própria Bíblia menciona muitas vezes casamentos mistos, quer durante essa primeira fase da história de Israel, quer em períodos ulteriores. Assim  , é que o próprio Abrahão teve um filho, Ismael de Agar  , a serva egípcia de sua mulher Sara. Sendo o concubinato considerado uma prática normal na época, é bem provável que algumas das concubinas do patriarca tenham sido de origem estrangeira. A questão é novamente evocada nas passagens que se referem a Isaac e Rebeca  . Esaú  , um de seus filhos  , desposara uma mulher hitita e Rebeca temia que seu filho caçula Jacó, escolhesse também uma estrangeira. “ Enfadada estou da minha vida  , diz ela , por causa das filhas de Het ; se Jacó tomar mulher das filhas de Het, para que me será a vida ? “ ( Gênese  , 27 : 46 ) . E  Isaac diz a Jacó: “ Não tomes mulher dentre as filhas de Canaã  “ ( Idem 28:1). Essas injunções talvez exprimam , na realidade  , pela boca dos patriarcas  , ao temores as gerações subseqüentes  ; pois , como demonstrava uma tradição sagrada que era impossível modificar, os próprios ancestrais reverenciados pelo povo judeu haviam muitas vezes contraído casamentos mistos. 
Parece que o próprio Moisés, por duas vezes , desposou uma estrangeira. Nos Números (12.1) diz-se que ele tomou uma mulher cuxita e , segundo o Exodo ( 2.21 ) , tomou por mulher Zípora, a filha de uma midianita. Entre os israelitas que erravam no deserto sob a direção de Moisés, encontrava-se “o filho de uma mulher israelita , o qual era filho dum egípcio“, ( Levítico , 24.10 ). Certamente é impossível avaliar, mesmo de maneira conjetural, o número de filhos de Israel que tinham desposado egípcio durante a estada no Egito
Assim, os filhos de Israel entraram em contato com quase todos os povos e todas as tribos de alguma importância que, segundo a Bíblia, habitavam a região de Canaã e seus arredores. Infelizmente  , os nomes da maioria desses povos não nos fornecem indicações úteis porque , salvo no caso dos egípcios, não conhecemos qualquer vestígio deixado por eles. O importante, todavia  , é saber que os israelitas não estavam isolados geneticamente do resto da população local. Parece mesmo fora de dúvida que os primeiros israelitas contraíram livremente uniões com seus vizinhos, que estavam aliás, geralmente  , muito próximos deles pela língua, cultura e origem racial. Certamente sofreram  , no plano biológico, a influência das populações vizinhas e não deviam diferir muito do tipo predominante.
Este tipo , pelo menos  até onde podemos determinar segundo as publicações referentes aos restos encontrados em Gezer  - único conjunto importante de materiais arqueológicos dessa época de que dispomos – era muito semelhante ao tipo mediterrâneo que nos apareceu como característico da região mesopotâmia  . Seríamos assim levados a concluir que as tribos cananéias com as os israelitas se confundiram não eram muito diferentes deles do ponto de vista racial.
A propósito do período estudado no presente capítulo , isto é , o meio e o fim da idade da bronze – quer dizer mais ou menos dos séculos XX a XV a.C. – a Bíblia menciona muitas vezes os hititas. Sabemos  , por outros testemunhos  , que os hititas realmente invadiram a terra de Canaã mais ou menos nessa época  , mas é difícil precisar se as populações assim chamadas pelos arqueólogos são exatamente aquelas de que fala a Bíblia. Os hititas nos interessam particularmente aqui  , pelo fato  de que sua língua não era semítica  , e sim indo-européia ( ora sabemos que os nomes indo-europeus aparecem na região de Canaã nessa época ), e sobretudo porque amiúde são considerados como um dos novos elementos raciais que então encontramos na região. Nas zonas setentrionais sujeitas à influência dos hititas , a presença de indivíduos braquicéfalos coincide, conforme os documentos arqueológicos disponíveis  , com a supremacia desse povo. Além disso, segundo alguns autores. a braquicefalia que teriam introduzido é de uma espécie particular, típica das populações armenóides. Mas  , no estado atual de nossos conhecimentos  , não podemos pronunciar –nos com certeza à matéria, ainda que uma certa tendência à braquecefalia pareça efetivamente ligada à chegada desse povo. 
A descrição que a Bíblia fornece do mundo em que viviam os primeiros israelitas e das estreitas relações que travam, durante seus deslocamentos, com os diferentes grupos de tribos em cujo meio se encontravam não permite duvidar que esse período e essa forma de existência exerceram sobre eles uma influência determinante. As migrações que, em quinhentos ou seiscentos anos, os conduziram de Haran, Nahor  e Ur até o Egito, passando por Canaã, fizeram-nos atravessar praticamente todo o Crescente Fértil  , e eles assimilaram elementos raciais ou étnicos oriundos de todas as regiões dessa vasta parte do mundo civilizado . Portanto  , de alguma forma  , sintetizaram os diversos tipos de população que na época habitavam esses territórios.

Fonte  - Livro  RAÇA  E  CIÊNCIA  I         debates    C.Sociais       
Editora Perspectiva  S.A       São  Paulo
Juan Comas , Kenneth I . Little  , Harry I. Shapiro , Michel Leiris,  Claude Lévi – Strauss 
UNESCO  1960    Título original    -   Le racisme devant la science 

O Brasil é do Bem



Uma reportagem publicada em revista de grande circulação nacional, chama a atenção pelas primeiras linhas. 
Diz assim: O Brasil é do bem. Em dois anos o número de pessoas que dedica  parte do tempo livre a trabalhos voluntários mais que dobrou.
Continua dizendo: Este batalhão de gente disposta a trocar horas de lazer pelo auxílio ao próximo não para de crescer! Estima-se que hoje,  2, em cada 10 brasileiros, são voluntários.
Raramente lemos notícias boas assim em nossos jornais e revistas.
Infelizmente essas notícias não vendem tão bem quanto as desgraças e as fofocas. Assim, acabamos ficando sem saber de dados importantes como esse. 
Numa primeira leitura parece uma manchete de um jornal do futuro, de um futuro distante, quando nosso país e nosso mundo estivessem melhores.
Porém, descobrimos, com alegria, que isso está acontecendo hoje. As mudanças já estão aí, operando–se nos corações humanos, e fazendo da Terra um lugar melhor para viver. 
Certamente que temos diversos problemas ainda, mas por vezes só falamos deles, só lemos a respeito de desgraças e mais desgraças, e isso vai nos deixando desanimados.
Há necessidade de saber também de tudo que vai bem, tudo que está melhor, tudo se transforma positivamente.
Enquanto apenas nos interessarmos em saber detalhes mórbidos desse ou daquele crime, desse ou daquele escândalo, é o que iremos ler e reler nas notícias.
A intenção não é a de nos mantermos ignorantes do que acontece, na realidade, como alguns poderiam argumentar, mas apenas a de equilibrar um pouco as coisas. 
Toda essa enxurrada de notícias horripilantes e tristes tem gerado um efeito colateral nas almas humanas:  o de deixá-las amargas, cabisbaixas, depressivas.
Noticiamos mortes violentas, assassinatos, mas, por vezes, esquecemos de noticiar as vidas salvas, as vidas que nascem exuberantes  , as vidas que se renovam.
Noticiamos roubos, desvios de dinheiro, golpes. Porém, esquecemos de noticiar os gestos de filantropia que se multiplicam pelo mundo, as doações anônimas que promovem o bem estar humano. 
Divulgamos as separações conjugais, o casa-descasa das personalidades famosas, mas deixamos de lado as histórias de amor sincero, as uniões duradouras, o verdadeiro amor de família.
E tudo isso vai nos dando uma ideia falsa de que o bem não existe, e de que o mundo está cada vez pior.
O bem precisa aparecer  ! O bem precisa fazer alarde e quebrar esse vício humano de cultivar a desgraça.
Que possamos dar um basta ao sensacionalismo tolo,  à fábrica de notícias ruins da televisão.
Sejamos os que fazem o bem, e também os que desejam saber do bem, e não apenas do mal que ainda existe como ferida exposta de ser curada.

Fonte   -       Revista   SAARA   informa  - Momento  de  Reflexão 
HTTP  :  // www.reflexão .com.br /     Pensamento  do  Mês 

O ESTUDO DA HISTÓRIA DA ÁFRICA E DO NEGRO NO BRASIL: BREVE ROTEIRO




Corrigindo  o  olhar  vesgo  sobre  a  África 

A reconstrução do regime democrático, após o período militar de 1964-85, contribuiu para a mudança do olhar brasileiro sobre a África. É de ressalvar, contudo, que durante os últimos governos desse regime  - do general Geisel e do general Figueiredo – ocorreu um substantivo aumento de trocas comerciais e gestos políticos de grande repercussão.
É o caso do imediato reconhecimento da independência de Angola sob o governo MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) quando o Brasil foi o primeiro país a expressá-lo de júri ( de fato, foram os países africanos e Cuba já com tropas no terreno), bem como da independência da Guiné Bissau, sem que o PAIGC ( Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde ) ocupasse a capital. Isso foi inédito na história do Itamaraty
Não se pode deixar de salientar que esses gestos diplomáticos foram parte integrante de uma específica política de Estado e que estavam também fortemente impulsionados por razões econômicas e circunstâncias políticas: a crise do petróleo de 1973 e a Revolução dos Cravos, em 1974, que nos livrou de peias que nos prendiam ao regime ditatorial português.
Essas circunstâncias foram detonadoras da política de Pragmatismo Ecumênico e Responsável adotado pó Geisel. A aproximação com a África foi então revestida de um discurso culturalista de exaltação identitária e de promessa de resgate da dívida histórica do Brasil pelo passado escravista. Essa política também deve ser avaliada pelo vulto que alcançou nas relações Sul-Sul da época e também pelas pontes que construiu entre o Brasil e a África. Contudo, após 1985, o transito nessas pontes diminuiu consideravelmente  , derivado da grande crise econômica que atingiu  , ao mesmo tempo  , os países das duas margens do Atlântico. 
Feito este breve retrospecto, dele se pode concluir que esse período provocou o despertar de uma nova relação com o continente africano, levando o Brasil a experimentar um novo olhar sobre a Africa que, no entanto, só começaria a perder seu estrabismo secular a partir dos meados da década de 1990. A possibilidade de um novo olhar sobre o continente tornou-se concretamente possível com a “ obrigatoriedade “ de se estudar a África e o nosso povo negro a partir do Decreto Lei 10.639 de 9 de janeiro de 2003, ato esse reclamado pela sociedade civil sob a persistente liderança dos nosso movimentos negros.
No decorrer do seu processo de aplicação, isto é, do estudo da África e da história do negro no Brasil, possibilitar-se-á estender por todo o país o resgate da história dos negros como aliás de toda a nossa gente.
Por enquanto, embora com o avanço dos cursos de Graduação e Especialização já existentes  , de novas pesquisas e da disponibilidade  , já razoável nas circunstâncias  , de edições brasileiras da nova bibliografia sobre o continente africano, ainda predominam no estudo da História da África conteúdos em que  , freqüentemente, coexistem o viés colonial e uma visão idealista, pretensamente resgatadora do passado – romantismo sobre a comunidade rural igualitária e quase paradisíaca que viria a ser destruída pelos europeus. Também está presente afro-pessimismo empenhado em vitimizar a África como se todos os seus males viessem do exterior – escravismo, colonialismo, imperialismo e o neoliberalismo da globalização. Os responsáveis principais desses males seriam as fronteiras artificiais, que gerariam lutas tribais, que produziram governos ditatoriais, corrompidos pelos europeus.  A vitimização continua a partir das epidemias ( Aids, em destaque  ) e catástrofes naturais etc.
As mazelas apontadas ainda existem, embora as suas razões sejam predominantemente endógenas à África e possam ser encontradas também em outros continentes, em outras épocas. Enquanto isso, poucos brasileiros se apercebem que a África viveu uma época-chave da sua história – a descolonização  - em tempo intenso de Guerra – Fria, seguido de um neoliberalismo adverso.
O continente está se ajustando à velocidades das mudanças ocorridas a nível doméstico e internacional  e  , no seio de inúmeras contradições  , ele vai refazendo a sua história. Mais do que a redução dos conflitos do pós – Guerra–Fria  - menos controláveis que os anteriores - está diminuindo e seu descontrole está sendo amainado com a intervenção da União Africana, herdeira da OUA, e não mais de potências estrangeiras. 
A democracia vai se tornando um valor universal e uma tendência crescente  , não só pelas eleições que já traduzem rotatividade no poder, como cada vez mais são resultado do fortalecimento de uma ainda incipiente sociedade civil. As taxas de baixa condição de vida começam a ser revertidas e até o crescimento do PIB  se faz sentir, após o início deste milênio  , a ponto de ultrapassar os 5 % de média em 2006.

Instituições  e  organizações Negras
  
A característica mais notável dos africanos e seus descendentes submetidos no Brasil à escravidão foi a resistência cultural e social que sempre exerceram. Derivada destas, resultou a persistente capacidade de organização. Esta não se limitou à resistência mas, sobretudo no período pós – Abolição  , visava a formas de inserção  , as mais favoráveis possíveis, na sociedade do seu tempo. Mestre Clóvis Moura enfatizava isso, embora reconhecendo que estas organizações pós-Abolição fossem por vezes intermitentes e frágeis. Contudo, sucediam-se umas às outras, cada vez mais preparadas às exigências do seu tempo. 
Dentre várias dessas instituições, destacamos duas, de caráter religioso: as Irmandades e as “ casas de santo  “

As  Irmandades  

As Irmandades, ou confrarias religiosas, foram as primeiras instituições negras publicamente reconhecidas. Através de uma dinâmica sincrética de adesão ao catolicismo e da manutenção dos principais valores africanos, seu intento era o de organizar, com a maior autonomia possível  , um espaço de sociabilidade fraterna, uma cota de manutenção de identidades étnicas particulares e, sobretudo, de assegurar assistência mútua  , marcante nos casos de doença e de morte. Neste último caso, um funeral gregário e solene era importante nesse rito de passagem para a ancestralidade.
As Irmandades tiveram também um papel destacado na recolha de fundos para a obtenção de alforrias e participaram ativamente na luta abolicionista, sobretudo na Bahia e no Rio de Janeiro.

As  religiões  de  culto  aos orixás, voduns, inquices  e  aos ancestrais
  
As instituições religiosas de origem africana, mais conhecidas como candomblé e umbanda, passaram a ter maior visibilidade já no início do século XIX, com o crescimento da urbanização e com a chegada dos africanos oriundos da região do Golfo de Benin, com destaque para os iorubas, do sudoeste da Nigéria e leste do Benin
Por mais de um século foram perseguidas pelo poder público.  Em plena década de 1930, mais de 40 anos depois da Abolição, só podiam realizar seus cultos com autorização policial.
Não se pode deixar de levar em consideração que as variadas culturas étnico-regionais, para aqui transplantadas pelos africanos, possuíam uma diversidade não só cultural, mas de nível técnico que derivavam de dois fatores básicos: a época em aqui chegavam e a região de onde provinham. As mudanças no tempo e no espaço africano da sua proveniência tinham decisiva importância nos seus padrões culturais e, sobretudo, técnicos.
A extraordinária adaptação e recriação de valores e técnicas aqui produzidas pelos africanos e seus descendentes  - mesmo durante três séculos na condição de escravos  - traduziram –se em diversidade, em riqueza cultural e técnica, da qual todos os brasileiros usufruem e, no conjunto, constituem a marca registrada da presença brasileira no mundo de hoje. 
Gilberto Freyre considerava o africano como co-colonizador do Brasil, junto com o português, com a colaboração do indígena. Isso pela liderança que exerceu na “tropicalização “ da camada escravocrata da época. Podemos traduzir esta tropicalização não só no campo da alimentação, da farmacopéia, do vestuário e no campo simbólico, como na tecnologia do ferro, na pesquisa do ouro e dos diamantes e na criação extensiva do gado. Essa participação ( e não só “ influência“ , como ainda se diz por aí, quando pejorativamente referida à “ culinária, folclore e crenças ( ou crendices) “ foi feita a partir de três situações sociais sucessivas  - o africano  , o escravo e o negro.

Quilombos

Os quilombos foram a instituição negra de maior carga simbólica e repercussão histórica. De matriz predominantemente angolana, adaptada às condições da escravidão brasileira contra a qual lutaram até a Abolição. A áurea de resistência  , e incarnada sobretudo na figura de Zumbi - um dos mencionados heróis nacionais  - diminuiu a visibilidade de outras características dos quilombos.
Além da conquista da liberdade e, no seu espaço, a construção de uma cidadania, eles constituíram micro-sociedades camponesas que, por circuitos paralelos, abasteciam os engenhos de inúmeros produtos. Desde os mais imediatos, como a lenha, até os excedentes agrícolas que produziram e eram escassos nos latifúndios absorvidos pela rentável monocultura.
Referência central na nossa História, eles estão também, até hoje, gratificadamente para todos nós  , presentes nas artes brasileiras: em filmes ( Ganga Zumba, Quilombo ) , no teatro, Arena Canta Zumbi, além da pintura e literatura. Deram nome a um jornal, Quilombo, órgão do Teatro Experimental do Negro, e, como não poderia deixar de ser, a vários enredos de escolas de samba, desde 1960, quando a Acadêmicos do Salgueiro adentrou a avenida com Quilombo dos Palmares.
O 20 de Novembro, data da morte de Zumbi  , é o Dia da Consciência Negra. Não é só uma data afro-brasileira  , mas um marco de referência da identidade nacional. 

Fonte    -   Revista      A  COR  DO  BRASIL    ano 2  - nº 2   2007
 AÇÃO  AFIRMATIVA  - ATITUDE POSITIVA  págs  10, 11 e 12
José  Maria  Nunes  Pereira 



Um barão negro, seu palácio e seus 200 escravos




HISTÓRIA
Família resgata memória de um dos homens mais ricos do Brasil Imperial e que ganhou título da princesa Isabel  

Algumas páginas poderia se desfazer em mãos descuidadas. São documentos guardados a sete chaves  há mais de um século. Embora esmaecidas, as folhas mancham de tinta os dedos de quem as manuseia. “Aqui está a história da nossa família“ , diz Mônica de Souza Destro, de 44 anos, na sala de sua casa, em Juiz de Fora. Ela tem muitas pastas empilhadas na sua frente, onde guarda fragmentos de uma história tão esquecida quanto fascinante.
Revirar esses papéis é voltar ao tempo do tataravô de Mônica, o mineiro Francisco Paulo de Almeida, um dos mais importantes barões do café do segundo reinado. Titulado  como Barão de Guaraciaba pela própria princesa Isabel, acumulou um enorme patrimônio no Vale do Paraíba Fluminense. Suas fazendas estendiam-se pelos estados do Rio e também de Minas Gerais, somando um vasto território estimado em 250 quilômetros quadrados – e uma fortuna de quase 700 mil contos de réis, coisa de bilionário. Mas um detalhe tornava o barão diferente dos outros nobres. Ele era negro em um país escravocrata. Reinou em um mundo dominado por brancos.
- Foi um gênio das finanças. Seu patrimônio era colossal, nem a queda do café o fez quebrar. As sedes de suas fazendas eram belíssimas, ele vivia no extremo luxo. Tinha investimentos diversificados, aplicava em ações, fundou bancos. Por isso se tornou um dos homens mais ricos de seu tempo – afirma o historiador José Carlos Vasconcelos, especialista no passado do Vale do Paraíba.
Mônica é guardiã dos documentos históricos que reconstroem a história do barão. Com a ajuda de Vasconcelos, ela está montando a árvore genealógica da família. É um trabalho hercúleo. Em um software de genealogia instalado em seu computador, já cadastrou 580 nomes de parentes. A lista começa com os 15 filhos que o barão teve com a mulher, dona Brasília, e chega até Marina, de 10 anos, caçula de Mônica. Quem começou a organizar o arquivo  da família foi o seu avô, o engenheiro Antonio Augusto de Almeida e Souza. Até os 98 anos, idade em que morreu, cuidou com esmero de todas as fotos, inventários, testamentos e certidões de nascimentos e certidões de nascimento e óbito dos parentes. Cada filho e neto do barão possui uma mini biografia escrita à mão por seu Antonio.
Embora fosse negro, o aristocrata estava longe de ser um abolicionista. Quando a princesa Isabel assinou a lei Áurea, tinha cerca de 200 escravos na fazenda Veneza, em Conservatória, onde possuía mais de 400 mil pés de café. Mesmo com a abolição  , a maioria continuou trabalhando para o barão, e alguns foram incluídos no testamento  - caso de Isabelinha, que trabalhava na sede da fazenda e ganhou, na divisão da herança, o mesmo valor em dinheiro que os filhos homens: quase 200 contos de réis.
Para desenvolver a árvore genealógica da família, Mônica, que trabalha como secretária em um consultório médico, foi atrás dos primos mais distantes. Conheceu diversos parentes de quem nunca ouvia falar, vários deles encontrados no Facebook – nem todos se interessaram em ajudá-la. Dos 13 filhos do barão, 12 casaram e aumentaram a família – a exceção é Serbelina, a primogênita, que viveu até os 2 anos. Com a morte do patriarca, em 1901, em uma mansão no Catete – para onde se mudou após vender o Palácio Amarelo, em Petrópolis, à Câmara dos Vereadores  - , sua família se espalhou por cidades do Rio e de Minas. A  maioria dos descendentes não se parece mais nem de longe com o barão. Alguns como Mônica, têm olhos claros  - as filhas de Guaraciaba se casaram com portugueses, e os filhos, com mulheres brancas. 
Familiares e historiadores acreditam que o barão tenha começado a vida como ourives, especialista na confecção de abotoaduras de ouro. Também ganhava dinheiro tocando violino em enterros. Mas foi ao tornar-se tropeiro que ele teria lucrado bastante para comprar sua primeira fazenda, em meados do século XIX.
O que ainda não se sabe sobre o barão a tataraneta Mônica está tentando descobrir. Seu sonho é escrever um livro contando a saga do negro que conquistou o império.
- O ramo da minha família é um dos que possuem menos recursos. Mas a história está conosco. Para mim, é o que importa.

Fonte -   Jornal    O  GLOBO         pág  16      RIO - CAIO  BARRETO  BRISO 

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Os invisíveis



OMBUSDMAN

Seis anos atrás, quando da comemoração dos 300 anos da morte de Zumbi, a Folha publicou um caderno “Racismo Cordial“.
Baseado na ampla pesquisa feita pelo Datafolha, artigos e entrevistas, o trabalho demonstrava, de modo estatístico e transparente, a forma particular de que se reveste a discriminação racial no país.
Algo que estudiosos já haviam apontado ganhava ali, reafirmação científica, atualização e extraordinária divulgação. Houve  polêmica, ampla repercussão.
Outras publicações também trouxeram reportagens sobre o assunto, conferindo à efeméride um destaque inédito.
Aquilo que poderia ter significado à inauguração de uma modificação estrutural no tratamento dedicado a imprensa como um todo à questão do racismo acabou, no entanto  , por engavetar-se.
A verdade  é que, de lá para cá, refletindo a indiferença velada para com o tema que perpassa a sociedade brasileira ( em que pese o fato de 44% dos habitantes do país serem oficialmente negros ), a imprensa pouco alterou o seu comportamento na cobertura de formas específicas, mais ou menos sublimares, de expressão do racismo.
Este continua como tema tabu, sob o disfarce, de há muito desmascarado, da suposta democracia racial brasileira. E não configurava exagero afirmar que o seja justamente pelo grau de explosividade que carrega.
Com raríssimas exceções, o racismo e suas mazelas não frequentam as pautas darias, estão alijados de qualquer iniciativa regular e permanente.

Deslizes  
Permanece atual um célebre trecho do livro  “O Homem Invisível“ ( 1952 ) , do americano Ralph Ellison  ( 1914-1994 )  , cujo protagonista  , negro , lamenta:

“Eu sou invisível  , entenda  , simplesmente  porque as pessoas recusam–se a me ver. Como as cabeças sem corpos que às vezes se vêem em exibições circenses , é como se estivesse rodeado de espelhos feitos de vidro grosso e distorcido  . Quando eles se aproximam de mim, vêem somente o que está à minha volta, ou suas próprias invenções e imaginações – tudo e qualquer coisa, menos a mim" . 

Tudo isso, sem considerar os deslizes involuntários e no entanto ativos de caráter racista cometidos pela própria imprensa, inclusive a Folha.
Para recordar um exemplo prosaico – mas nem por isso menos relevante  - , felizmente registrado e criticado com transparência nesta coluna pela ombudsman que me antecedeu, Renata Lo Prete: num teste bem - humorado aplicado aos leitores  em 25 de julho de 1999 para verificar o quanto estes poderiam ser considerados paulistanos de verdade  , uma “inocente “ ilustração sobre violência na cidade trazia o assaltante como um rapaz negro e a vítima como uma moça branca, de cabelos claros. 

Cobertura pífia 
Absurdo corriqueiro, essa invisibilidade se expressa, agora, na pífia cobertura que vem sendo dada pela imprensa à preparação da Conferência Mundial contra o Racismo, a Xenofobia e Formas Conexas de Intolerância, que começa dia 31 de agosto e vai até o dia 7 de setembro em Durban , na África do Sul.
Não só a esse encontro oficial da Organização das Nações Unidas (ONU )  , diga-se  , mas cabem ao fórum de organizações não-governamentais e entidades que se realizará na mesma cidade  , sobre o mesmo tema, antecedendo a conferência, a partir desta terça-feira.
Quanto aos leitores sabem que, há cerca de um ano, inúmeras reuniões se realizam para preparar o evento, aqui e inúmeros países? Quais são as propostas e os pontos mais polêmicos, em nível internacional  ? Por que os EUA vinham ameaçando até há pouco dias boicotar o evento  ? 
Somente nas últimas duas semanas a Folha, começou a tentar, de modo mais sistemático, para os problemas que serão discutidos em Durban, enquanto boa parte dos outros jornais do país continua distante. 
Tal indiferença não se manifestou por ocasião de conferências anteriores da ONU, sobre direitos humanos em Viena  , em 1993, e sobre direitos das mulheres  , em Pequim em 1995, para mencionar dois exemplos de acontecimentos que receberam ampla cobertura da imprensa  , antes e depois.

Ponto de partida 
Evidentemente  , o que se discute  , aqui  , não é apenas o noticiário sobre o encontro da África do Sul, mas aquilo que está por trás  , à frente  e em torno dele  , ou seja  : até quando a imprensa  , relegando–a  a  terceiro plano, compactuará com a invisibilidade, com a existência da discriminação  ? 
A gravidade da interrogação é ainda maior se se considera que os preconceitos a serem debatidos  incluem aqueles existentes contra os índios e as chamadas minorias.
Talvez Durban comece a ganhar mais destaque e atenção da imprensa nos próximos dias  - é o mínimo que se espera.
Mas seria lamentável, após sua realização,  deixá–lo transformar-se num marco  - como as comemorações dos 300 anos da morte de Zumbi - e não torná-lo ponto de partida para reflexão e mudanças na abordagem da intolerância racial no Brasil pela imprensa.

Fonte   -  Jornal    FOLHA  DE  SÃO  PAULO   pág   A 6
Domingo  , 26/08/2001         BRASIL 
OMBUSDMAN    -  BERNARDO  AJZENBERG 

ESCRAVIDÃO: LIVROS DIDÁTICOS estão ultrapassados





A contribuição de pesquisadores estrangeiros sobre a escravidão não deve ser desprezada. Entre eles, figuram nomes de peso como Paul Lovejoy, John Thorton, Joseph Miller, Stuart Schwartz e Mary Karash, especialista americana responsável por mostrar uma face ainda mais terrível da escravidão brasileira: que ela foi basicamente uma exportação de crianças e adolescentes.
Se as mulheres eram a minoria nos navios negreiros, elas eram a maioria absoluta dos alforriados. “Isso se dava porque elas conseguiam atuar com mais eficiência na política e no mercado“, explica Manolo. “Como domésticas, eram mais próximas do senhor, eventualmente tendo filhos com ele. Ao mesmo tempo, monopolizavam o pequeno comércio da cidade  e  , assim conseguiam juntar seu próprio dinheiro “.
Quem acredita que ser escravo é o posto de receber qualquer pagamento por seu trabalho vai estranhar que  , desde o século 17, seja possível encontrar registros de grande quantidade de ex -escravos que possuíam seus próprios escravos.
Muitos se alforriam, compram seus próprios escravos e voltam para a África“ , afirma o historiador  , que atualmente debruça sobre 15 mil cartas de alforria, tentando compreender a complexa questão dos libertos e sua ascensão social dentro de uma sociedade escravocrata. “Tenho trabalho para uns cinco anos“, festeja.
Ascensão  - Embora tenha sido dos últimos a abolir a escravatura, o Brasil foi o país que mais alforriou escravos em toda a América e contou com a maior participação da população de cor entre as diversas camadas sociais. É uma das contradições do modelo escravagista brasileiro mais difíceis de entender, reconhece, Manolo. “ Você traz do cativeiro certos valores políticos e joga no mundo dos livres. Cria  , além de uma mestiçagem epidérmica, uma mestiçagem política“ , comenta. O resultado é uma sociedade altamente hierarquizada e prepotente.
Por causa dessa contradição , ele acha que marxismo não é capaz de  explicar a escravidão,  aliás, o problema do marxismo não é só com a escravidão, é com a história. Num país como o Brasil, que é tão complexo justamente por causa de coisas como o tráfico e a miscigenação , a gama de questões que se coloca a todo momento ultrapassa a capacidade explicativa de quem se fixa em determinismos históricos“, declara.
Nos grandes centros de referência historiográfica brasileira, como a UFF, a UFRJ, a USP e a UNICAMP, a influência da história cultural tem sido avassaladora. “Nos últimos 20 anos, ela substituiu o conceito de modo de produção. Agora tudo é a representação. Eu vejo as teses de hoje. O pesquisador pode estar fazendo a história do pé do Jamelão em Caicó. Ele sempre vai citar o Chartier e o Bordieu. Chega ser engraçado“ , critica.
Mais leve e accessível, a história cultural também é responsável pelo interesse cada vez maior do grande público por livros de história do Brasil. Alguns deles se tornaram best-sellers, transformando-se  num filão que vem despertando interesse cada vez maior do mercado editorial nacional.
Enquanto a história econômica desce ladeira abaixo, cresce cada vez mais a atração pela história política, principalmente por pesquisadores da UFRJ e da UNICAMP. “Para a escola econômica  , é uma guerra perdida. Nunca mais vamos voltar aos anos 70. Graças a Deus. Leio aquelas coisas que a gente fazia e morro de rir “ , diz.
Freyre  - Com a sedução da história cultural, aumenta cada dia o cacife de um dos seus pioneiros : Gilberto Freyre. Para Manolo, Freyre não foi historiador no sentido exato do termo  , embora tenha se voltado, muito antes da escola francesa dos Annales, para o estudo do cotidiano. “ Ele foi um precursor ao transformar tudo em objeto de reflexão, de modinha a receita de bolo“, reconhece. “Ele era , antes de tudo, um escritor. Por isso, escreveu com tanta liberdade  . E essa liberdade fez com tivesse vários insights fundamentais para se entender este país“. Se as conclusões de Casa-Grande & senzala podem ser aplicadas no resto do Brasil, Manolo tem dúvidas  . Mas aí já são outros 500.
O único mito que o historiador mantém de pé, nessa revisão da escravidão, é o de que ela foi a grande culpada por todos os males deste país. “Só lamento que, mesmo os que vivem repetindo isso, nem sempre levam a questão a sério“, critica. Para ele, o problema é que o Brasil é um atentado à química social.  “Você exclui um sujeito e miscigena com ele. Isso não tem lógica“.
Sua hipótese é que o país viveu  , e ainda vive  , um processo muito específico de ascensão social , que faz com que a cor seja matizada conforme a camada social. Ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, em que uma pessoa com 1/16 de sangue negro é considerada negra, no Brasil a cor da pele é relativa. “É um fenômeno interessante, quando o escravo vai ascendendo, ele vai perdendo a cor. O racismo brasileiro é um racismo de posição. Essa é a grande especificidade  da escravidão brasileira. Aqui tudo depende da posição social  . sempre foi assim. Isso explica muito deste país “ , comenta.
O historiador só lamenta que essa nova história da escravidão não se reflita nos livros didáticos. Segundo ele  , há um gap entre a pesquisa de pós-graduação e o que chega aos bancos escolares. “Nos anos 60, o livro didático era baseado na historiografia do século 19. Hoje  , no que era feito nos anos 60, o livro didático , reclama  . O resultado seria uma visão esquematizada da história. “Isso prejudica as crianças negras  . Nenhuma vai querer se identificar com a imagem de um escravo maltrapilho que apanha o tempo todo“, imagina. Os próprios historiadores são responsáveis por esse problema, segundo ele. “A culpa é nossa, porque o historiador acha que o livro didático é arte menor  , que o importante é publicar tese de doutorado  . Com isso  , estamos deixando nas mãos de pessoas amadoras e despreparadas a formação de nosso filhos“.

Fonte   -    JORNAL  DO  BRASIL       IDÉIAS        pág  2
 21/07/2001        contin/da 1ª página    CRISTIANE  COSTA 

João Cândido - O “ALMIRANTE NEGRO“



Histórias da história
Estas   a  gente não  aprende  na escola  

João  Cândido 
O “ALMIRANTE  NEGRO" 

Quase um século após a  Revolta  da  Chibata, seu líder é anistiado por decreto  da Presidência da República

“Há muito tempo nas águas da
Guanabara/ o dragão do mar
Reapareceu / na figura de um 
Bravo marinheiro  / a quem  a
História não esqueceu". (**)

Assim canta o samba Mestre-Sala dos mares, de João Bosco e Aldir Blanc. De fato, a história não esqueceu João Cândido Felisberto, nascido em 24 de junho de 1880 em Rio Pardo, hoje Encruzilhada do Sul  , Rio Grande do Sul. Era filho de ex-escravos e tinha sete irmãos. Menino, entrou como grumete para o Arsenal da Guerra da província, sendo transferido aos 14 anos, para Marinha de Guerra do Rio de Janeiro. Suas qualidades rapidamente o fizeram protegido do almirante Alexandrino de Alencar, além de alimentar um natural espírito de liderança. João Cândido fez viagens ao exterior, sempre gozando de prestígio dos oficiais e colegas. Na Inglaterra, teve contato com marinheiros que participaram de revoltas em favor de melhorar as condições de trabalho , entre 1903 e 1906.
Tudo mudou em 22 de novembro de 1910 , data em que a capital acordou na mira dos canhões da Marinha. Apavorada a população carioca cerrou as portas e fugiu. A armada brasileira tinha se rebelado, assumindo o principal controle de três encouraçados e um cruzador. A razão  ? Marinheiros  - majoritariamente mulatos, negros e nordestinos  - pediam o fim do castigo físico aplicado com a chibata. O terrível instrumento remetia a escravidão. Além disso, lutavam contra os baixos soldos, má alimentação e maus-tratos. O estopim foram as 250 chibatadas aplicadas a um marinheiro da nau capitânia da Armada, o Minas Gerais. A imprensa se postou ao lado dos marinheiros. O pobre homem havia mesmo desmaiado de dor durante o castigo, quando todos sabiam que a chibata tinha sido abolida pela República. 
Uma semana depois, João Cândido deu início ao levante  , sendo designado pela imprensa como Almirante Negro. Num ultimato dirigido ao presidente recém-eleito, Hermes da Fonseca, os marinheiros declaravam: “ Nós  , marinheiros  , cidadãos brasileiros e republicanos  , não podemos mais suportar a escravidão na Marinha brasileira“ . Hermes da Fonseca preferiu pôr logo um fim ao movimento. Proibiu a chibata e anistiou os rebeldes, mas não os perdoou. Muitos foram excluídos e acusados de “ não desejáveis à disciplina de bordo “ .
Em 9 de dezembro, novo levante  , desta vez na Ilha das Cobras. Durante o motim, marinheiros mataram companheiros e um comandante. A rebelião foi massacrada em poucas horas  . As conseqüências  ? Prisões  , exílios  e fuzilamentos. João Cândido foi expulso da Marinha  , acusado de ter incitado o movimento. Em abril de 1911, com o diagnóstico de louco e indigente, foi internado no Hospital dos Alienados. Banido da Marinha, passou anos trabalhando entre os estivadores e pescadores do Cais do Porto. Perdeu a mulher em 1928 e, dois anos depois  , foi novamente preso por subversão.  A partir de 1933 , participou da Ação Integralista Brasileira, movimento de inspiração fascista, deixando depoimento arquivado no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro sobre sua amizade com o líder Plínio Salgado .Faleceu em 1969, pobre e esquecido  .
No dia 24 de julho de 2008, quase um século depois , a Presidência da República sancionou a lei que  anistiou post-mortem João Cândido Felisberto e outros 600 marinheiros que participaram da Revolta da Chibata. Polêmica  , a anistia foi recebida com euforia por setores políticos e com silêncio pelo comando da Marinha  . Alguns setores qualificaram-na como “ irrelevante “  , outros disseram ser ela o  “elogio da insubordinação e indisciplina“.
Mais uma vez  , só a história poderá fazer seu julgamento. E os historiadores ainda têm muito a pesquisar e descobrir sobre esses episódios. Documentos referentes aos motins de 1910  agora vêm a luz, revelando os meandros das Forças Armadas, o cotidiano dos navios de guerra , o rosto dos marinheiros e o da jovem República  - esta , alheia às necessidades de cidadãos simples e anônimos como João  Cândido.

(**) A  letra  original  foi  modificada   pelos  autores para ser aprovada pela censura  da  época.

Fonte    -         Revista   NA  POLTRONA   págs  46 e  47
Empresa  ITAPEMIRIM      setembro  / 2008
Mary  Del  Priore   é  historiadora  e  escritora 



Colin Powell, uma história do século 21


Por  que  O Brasil  não  produz um  similar  nacional ?

Por que um negro americano pode chegar a general aos 42 anos, ao topo da hierarquia militar aos 52 e se tornar um forte candidato à presidência da República aos 58 e no Brasil isso é impossível ?
Respostas fáceis:

1- Porque  sociedade brasileira é mas racista que a americana. ( Falso, houve uma época em que a americana era mais racista que a brasileira) .
2- Porque o Exército brasileiro é racista. ( Falso , porque  , ao contrário do que sucedeu no Exército americano até 1948, o negro brasileiro nunca foi segregado  ).

Um fenômeno como o de Colin Powell é impossível no Brasil por causa das barreiras da educação e treinamento existentes no caminho dos jovens de famílias pobres. Aqui vai uma comparação de sua biografia com um hipotético translado para as condições brasileiras.
Colin Powell é filho de um zelador de edifício e de uma costureira. Ambos jamaicanos. Seu pai nasceu num barraco. Ele, no Harlem ( num pedaço mais para a Velha Lapa, do que para Vigário Geral, no Rio  ) . Quando tinha 6 anos, mudaram-se para o Bronx , na área onde Paul Newman filmou Forte Apache  em 1980. Na época em que Colin Powell esteve no lugar, ele poderia ser comparado aos bairros de classe média como o Brooklin paulista. Era um garoto bem -comportado, coroinha de igreja episcopal, carregador de caminhões e faxineiro da Pepsi–Cola. (“Deve-se lavar o chão esfregando a vassoura de um lado para o outro, se você esfregar para a frente e para trás acabará arruinando as costas“, ensina ). 
Era mau aluno, a candidato certo à evasão. Ficou na escola porque os professores o seguraramAlém disso, morria de medo dos pais. 
No Brasil, o medo o seguraria na escola. 
Quando terminou o secundário, Colin Powell não tinha notas para se candidatar a uma boa Universidade Pública nem dinheiro para tentar uma boa escola particular. Conseguiu um lugar no City College de Nova York ( Rua 141 ), onde a anuidade custava US$ 10, pois o propósito da escola é "dar uma educação qualificada aos filhos dos trabalhadores“. (Formou três prefeitos de Nova York e oito Prêmios Nobel) . Diplomou-se em Geologia com notas baixas.  No Brasil estaria fora do circuito universitário por falta de saber o vestibular das boas Universidades Públicas e de dinheiro para as más da rede privada. Hoje ele avisa: “Enquanto eu tiver o bom senso de lembrar de onde vim  , defenderei a educação pública primária , secundária e superior “ .
Colin Powell não gostava de Geologia nem de Matemática. Encantou-se com a liturgia da igreja episcopal e viu no centro de formação de reservista do Exército um projeto de vida disciplinada e hierárquica. Matriculou-se no Curso Preparatório de Oficiais da Reserva, tornou-se comandante do corpo de alunos e aos 21 anos era tenente na 3ª Divisão Blindada, baseada na Alemanha.
No Brasil não há passagem do CPOR para uma careira militar plena. Só chega a coronel, quem cursou a Academia Militar. Por mais que gostasse de botas bem engraxadas e de desfiles, teria sido um geólogo infeliz.
Sua passagem pelo Vietnã foi banal. Feriu-se duas vezes, um porque pisou numa a de bambu que lhe furou o pé e noutra porque fraturou o tornozelo num desastre de helicóptero durante o qual resgatou os tripulantes  ( inclusive um general ). Tomou impulso quando fez concurso e foi aprovado na seleção de oficiais mandados para cursos universitários de paisanos. Acabou estudando processamento de dados. Matricularam–no num curso de seis meses, mas sabia tão pouco que seus chefes concordaram em mantê-lo por dois anos. 
No Brasil não existe estímulo semelhante com seleção por concurso. Há casos de oficiais em Universidades, mas decorrem de atos administrativos.
O major Colin Powell conheceu o poder porque aos 34, se inscreveu num programa chamado White House Fellows. É um estágio de um ano na presidência da República, só para profissionais jovens e bem–sucedidos. No seu ano foram escolhidos 17. Pistolão  ? Nem pensar. Na sua banca de entrevistadores estava o economista Milton Friedman  . Foi trabalhar no Departamento do Orçamento, “porque é por onde passa a jugular dos outros“ e lá conheceu seu primeiro protetor, o ex- diplomata Frank Carlucci ( serviu no Rio de Janeiro em 1968 e tinha duas preocupações os excessos da ditadura militar e a falta de urbanização das favelas cariocas  ). 
Nem todos os garotos do Bronx foram para a Universidade  ( da turma da rua de Powell, nenhum ) e nenhum dos cadetes do City College chegou a General  ( o melhor morreu no Vietnã ), mas as oportunidades oferecidas a Powell pela sociedade em que nasceu lhe permitiram chegar aonde chegou. 
Seria incorreto supor que ele é uma exceção. Tem uma biografia excepcional, é certo, mas da família que saiu da Jamaica no início do século, noves fora Colin, os Powell produziram dois embaixadores, uma enfermeira, um arquiteto, dois juízes, um milionário e uma professora.

O  negro  do  Harlem  comeu  o  pão  que  o racismo  amassou 

Criado num bairro multirracial de Nova York, Colin Powell carregou o peso de sua cor nos anos em que serviu em quartéis do Sul dos Estados Unidos. “Eu podia comprar numa loja, mas não podia comer no restaurante. Podia andar na rua, mas não podia olhar uma branca“. Aos 25 anos, tenente  , recém –casado e designado para o Vietnã  , entrou com a mulher numa estrada da Virgínia onde não havia postos de gasolina com banheiros para negros ( se houvesse , seria unissex ). Tiveram que sair da estrada e buscar alívio no mato. 
Estava no Exército cuja história escondia os 5 mil negros que lutaram nas tropas de George Washington e os 220 mil da Guerra da Secessão ( 35 mil mortos ). Hoje ele tem em casa uma réplica das dragonas do 5 ° Regimento de Massachusetts  ( o do filme Glória ) massacrado numa missão impossível. Seu Exército ( bem como Hollywood esquecera –se dos quatro regimentos de negros que foram matar índios no Oeste antes do avanço das tropas brancas.
Sua consciência negra desenvolveu-se na medida de sua ascensão social e profissional. Informa que venceu jogando as regras do jogo: “Às vezes eu me magoava, ficava aborrecido, mas quase sempre eu me sentia desafiado. Vou lhes mostrar coisa“.
Mostrou ,  e o fez à sua maneira. 
Dois exemplos. Reconhece que o ex-presidente Ronald Regan, a quem deve muito, não entende direito o que é ser negro nos Estados Unidos, mas quando um jornalista quis discutir esse assunto com ele, puxou um retrato do ex–chefe com uma dedicatória afetuosa. ( “ Se você acha que deve ser assim Collin, então isso deve ser o certo “ ) e rebateu : “ Você acha que agora eu vou virar o rosto para ele e chamá-lo de racista ? “ 
O ex–secretário de Defesa Caspar Weinberger, a quem deve muito mais , chegou a supor que o elogiava dizendo que “ eu não o vejo como um negro “ . Powell responde : “ Toda vez que uma pessoa diz que não me vê como um negro  , o que ela está dizendo é que  , apesar de eu ser negro  , ela pode aguentar isso“.
A proeminência adquirida por Colin Powell redesenhou os limites da discussão em torno do negro americano ( e de todos os negros em sociedades multirraciais ) . Uma coisa é ele ter conseguido chegar lá, outra é acreditar que essa proeminência esteja perto de significar o sono do racismo. Powell sabe disso e continua jogando seu jogo pelas regras do manual. É um mestre da arte, como quando conta um acidente de automóvel ocorrido no dia 27 de junho de 1987 numa estrada da Alemanha.
Havia dois tenentes e um soldado num jipe quando ele derrapou. Foram todos cuspidos, mas o carro rolou por cima da barriga de um dos oficiais. Levados para o hospital mais próximo, o médico alemão examinou os três. Dois tinham ferimentos leves. Ao terceiro, que era negro, não deu remédio: 
- Nesse aí não há o que fazer. 
Um dos colegas do desenganado entendia alemão e pulou da maca: 
- O senhor não pode deixá-lo assim. Ligue imediatamente para o hospital americano.
Ligaram e foram todos para o hospital do Exército, em Nuremberg. O tenente estava realmente mal, passou por diversas operações que lhe reconstituíram a bacia quebrada e foi salvo. Chama-se Mike Powell. Nos estados Unidos é o filho do general Colin Powell. Para o médico alemão era um negro moribundo. 
Em suas memórias, Colin Powell contou a cena  do hospital em oito linhas  , sem nenhum comentário  , sem o nome do médico alemão, nem mesmo o do hospital em cuja geladeira seu filho seria guardado. Ele sabe que a partida não terminou. 

Fonte  -   Jornal  O ESTADO  DE  SÃO  PAULO     pág  A  19 
Domingo  , 01/10/ 1995 - ELIO  GASPARI 
Colin  Powell, uma história do século  21