terça-feira, 21 de junho de 2016

ALI - Deus Negro


Enquanto Mobutu lutava para tomar o poder na África negra, na América branca um bonito, forte, rápido e falante  - de todos os desaforos que impôs ao establishment branco, o de falar talvez fosse o mais imperdoável  - negro de  Louisville, Kentucky, aparecia para o mundo.
Cassius Marcelus havia sido campeão olímpico em 60, na Roma apropriada para o seu nome ( ele jogou a medalha de ouro em um rio, depois de ter sido humilhado em um restaurante em Louisville, fato que contribuiu para o desenvolvimento de sua identidade como negro – e não americano - , que o levaria a se recusar a lutar no Vietnã  . Sua justificativa ficou célebre : “Nenhum  vietcong  jamais  me chamou  de negro" ).
Em 25 de fevereiro de 1964,  no Convention Hall de Miami Beach, aos 22 anos, com apenas 19 lutas profissionais  , com um apostador em cada sete acreditando nele  , diante de um decepcionante público de 8.297 pessoas ( rumores, por causa dos seus surtos de metralhadora falante, que a pressão sanguínea de Ali estava tão alta que ele não poderia lutar, que ele seria presa fácil para o adversário etc., afugentaram a audiência), Cassius Clay Jr. conseguiu o que 93% da opinião pública não acreditava.
O "Terrível“ Sonny Liston, um dos mais perfeitos pesos–pesados de todos os tempos, não voltou para o 7º assalto , o primeiro campeonato dessa categoria a tomar essa decisão desde que , em 4 de julho de 1919, Jack Dempsey, com o queixo e o nariz quebrado e com seis dentes a menos, não voltou para o resto da luta contra Jess Williard.
Diante de um público atônito, Clay gritava sem parar ( diz a lenda que ele poderia dizer até 300 palavras diferentes em um minuto ) : “Eu sou o maior ! Eu sou o maior! Eu sou o maior! Eu sou o rei do mundo ! Eu sou o rei ! Eu sou o rei! Eu sou o re!“.
Dois dias depois, diante de outra audiência – só que agora compostas de jornalistas; Robert Lipsyte, que cobriu a luta para o “The New York Times “, declarou que a entrevista foi uma das coisas mais inesquecíveis que ele pôde ver em sua carreira  - que não compreendia todo o processo, ele falava como um aliado dos negros  da nação islâmica.
Malcolm X , líder mais intransigente do que Martin Luther King no movimento negro dos anos 60, era um dos indesejados  - pelos organizadores, pela maioria branca  - convidados de Clay para a luta contra  Liston. Era o sinal aberto de sua mudança de crença religiosa e política. Era o sinal de que Clay incomodaria muito mais.
Malcolm disse a Clay que a luta era uma espécie de “cruzada moderna“, um mulçumano contra um cristão  - o cristianismo, na opinião deles, havia ensinado o negro a se curvar diante do branco - , transmitida pela televisão para todo mundo ver.
Na entrevista, o lutador anunciou que renunciaria ao seu nome de "escravo“ e passaria a se chamar Cassius X ( significando a sua identidade africana perdida ) Clay.
Pouco tempo depois, no dia 6 de março, Elijah Muhammad ( nascido Elijah Poole ), considerado o apóstolo da Nação do Islã , que encontrou em Clay um ótimo propagandista para a sua causa, anunciou em um programa de rádio, em Chicago : “O nome Clay não tem significado divino . Eu espero que ele aceite ser chamado por um nome melhor  . Muhammad Ali é o nome que eu darei a ele enquanto acreditar em Alá e continuar me seguindo.
A mudança de nome foi encarada, por muito tempo, como mais uma das excentricidades promocionais de Clay, o homem que estava conseguindo um destaque na imprensa e na TV que nenhum outro esportista jamais observaria.

Fora do ringue 

Em 18 de abril de 1960, quando tinha 18 anos,  Ali apresentou-se ao serviço militar americano na sua cidade. Em 9 de março de 62, ele foi classificado como A – 1 ( apto para o serviço ) .
Um mês antes da conquista do título mundial, ele foi chamado para os exames de qualificação no Centro das Forças Armadas de Coral Gables , Flórida.
Ali passou nos exercícios físicos, mas foi reprovado no teste “atitude mental“ que dura 50 minutos ( na escola, ele tinha dificuldades para ler ). Seu QI é de 78. Ele faz um novo teste, acompanhado de três psiquiatras do Exército. Em 26 de março de 64, é reclassificado com I-Y (“não qualificado , pelos padrões atuais, para servir as Forças Armadas.” ).
Por motivo religiosos, Ali recusou-se a aceitar a ideia de participar da guerra do Vietnã. Há uma polêmica que envolve o comité dos serviços armados no Congresso americano. É o momento dos ressentidos:  por causa do QI, Ali passou ser chamado de “burro“ e de “estúpido“ , entre outras coisas. Ele respondeu  que havia dito que era “o maior “ e não o “mais inteligente “.
No começo de 66, com o Vietnã pegando fogo, O Exército rebaixou o número de pontos necessário no teste de aptidão mental. Em 17 de fevereiro de 66, Ali voltou a ser classificado como A – 1 . Em sua casa  , em Miami, recebeu a notícia pelo telefone e explodiu: não sabia onde é o Vietnã e não iria lutar.
A reação da imprensa contra ele foi violenta  . O “ Chicago Tribune “ pediu para a luta contra Ernie Terrel, marcada para 29 de março, ser cancelada. O governador de Illinois, Otto Kerner solicitou a mesma coisa.
Diante da Comissão Atlética do Estado, ele disse que compareceria à audiência para não causar prejuízo aos organizadores , mas que não teria de pedir desculpa pelo que disse sobre o Vietnã .
Kentucky, seu Estado , aprovou uma resolução condenando-o : “sua atitude traz descrédito para todos os leais kentuckianos e para o nome de milhares que deram a sua vida no país“. Ali não lutou contra Terrel
Tentou-se uma luta no Canadá contra o campeão local George Chuvalo. Começou uma campanha nos jornais para o boicote ao combate. 
No Congresso, Frank Clarck, da Pennsylvania, segundo ele mesmo um não – super patriota, disse : “ Eu exorto os cidadãos dessa Nação como um todo a boicotar qualquer das suas ( dele , Muhammad Ali ) atuações“. 
A luta se realizou. Chuvalo era considerado virtualmente impossível de ser nocauteado. Ali venceu por pontos. A vida dele passou a ser amplamente investigada pelo governo americano. Descobriram o uso ilegal de um Colt calibre 22 e que havia um judeu branco como sócio da Main Bout, a empresa que promovia as lutas de Ali, e que tinha como principais acionistas membros da Nação do Islã.
Em menos de e um ano, Ali defendeu o título por sete vezes ( um número excessivo ) , sendo que quatro delas fora dos EUA. Em março de 66, ele havia pedido para não ser convocado pelo Exército americano pela segunda vez, agora alegando “ objeção consciente “. Seu pedido foi negado. 
Ele apelou e foi ouvido pelo ex-juiz da Corte do Estado de Kentucky, Lawrence Grauman, que considerou que as alegações de Ali deveriam ser consideradas pela instância de recursos.
O Departamento de Justiça escreveu à instância de recursos opondo-se à consideração. O pedido de Ali foi negado novamente  . Um ano depois, ele finalmente enfrentou Ernie Terrel.
Terrel acusa-o de ter se utilizado de golpes sujos e ilegais durante a luta ( dedo no olho etc.) . Ali passou pelas mesmas críticas violentas que Tyson recebeu após as duas mordidas em Holyfield e a sua reputação caiu mais ainda.
Em 28 de abril de 67 , Muhammad Ali apresentou-se à Forças Armadas dos EUA , em Houston , Texas . O oficial chamou Cassius Marcelus Clay para dar um passo à frente . Ali não se moveu. O tenente Clarence Hartman levou-o para outra sala e advertiu que ele poderia pegar mais de cinco anos se não respondesse ao chamado.
Voltaram para a cerimônia de apresentação. Cassius Marcelus Clay foi chamado. Ali não se mexeu novamente. Hartman pediu para ele escrever a razão da sua recusa em se mover. Ele escreveu  : “ Eu me recuso a entrar para as Forças Armadas dos EUA porque eu peço isenção como ministro da religião do Islã“ .
Uma hora depois a Comissão Atlética do Estado de Nova York cassou sua licença para lutar e retirou o seu título de campeão. Outros Estados seguiram a decisão de Nova York.
Em 19 de junho de 67  os seis homens e seis mulheres que compunham o júri consideraram Ali culpado por se recusar ao serviço do Exército americano. Ele recebeu pena máxima : cinco anos de prisão mais uma multa de US$10 mil .Seu passaporte foi confiscado, para evitar que ele foi confiscado  , para evitar que ele pudesse lutar fora dos EUA.
        
Azarão,  de  novo

Dez anos depois, novamente ninguém acreditava que ele iria vencer. Muhammad Ali fora impedido de lutar boxe aos 25 anos, provavelmente no melhor momento da combinação entre capacidade física , controle técnico e experiência de sua carreira.
Jamais saberemos se ele era um lutador maior do que aquele que pôde ser visto  - e , mesmo assim , não há dúvida de que ele foi um dos maiores.
Em 74, Muhammad Ali estava com  32 anos. Havia cerca de um ano,  ele , com artrite e o tornozelo entupido de cortizona , havia tomado uma surra memorável de um jovem desconhecido  , Ken Norton  , que quebrou o seu queixo no segundo assalto. 
Ali venceu a revanche por pontos. Depois  , ganhou de Rudi Lubers em Jacarta e , por US$ 850 mil como bolsa  , venceu por unanimidade dos juízes a revanche contra Joe Frazier
Agora era a vez de George Foreman, 26, um gorila fortíssimo, tido como imbatível: invicto, na noite em que se sagrou campeão ele havia acumulado 35 nocautes. 
Suas oito mais recentes lutas haviam terminado no primeiro ou no segundo assalto  , incluindo as contra Frazier ( a quem derrubou por seis vezes em dois rounds ) e Norton  - que haviam batido Ali no primeiro confronto.
   
Paciência  na  dor 
Ali, apesar de exaltado, tinha uma estratégia e foi paciente para conseguir o resultado. Sabia que o brutamontes Foreman uma hora cansaria de bater e aprendeu a agonia de apanhar para vencer  ( a descrição dos treinamentos de Muhammad Ali feita por Norman Mailer é bem interessante  , sob esse aspecto  : Ali parecia desenvolver uma maneira de paralisar a dor antes que ela chegasse ao cérebro ). 
Nos primeiros assaltos, Ali nem sequer dançava ( “ dançar como as borboletas , ferroar como as abelhas “ , como lhe ensinou o guru Bundini Brown ) ; segundo Plimpton, o técnico Angelo Dundee disse que Ali dava a Foreman “ um monte de nada “ .
Ali sabia que sua técnica de tomar golpes e habilidade para lutar eram suportes para uma força  , a força da sua palavra  . No quarto assalto  , começou a dizer para Foreman  : “ Isso é o melhor que você pode fazer ? Dê–me isso ( o cinturão de campeão ) de volta . Ele é meu“.
E era mesmo.
Boxeador elegante  , rápido  , físico , perfeito  , bailarino  , falastrão  , redator de poemas sobre os adversários e sobre Deus , pregador religioso  e de questões raciais, carismático  , egocêntrico , explosivo, paranóico. Todo esse conjunto fez de Muhammad Ali um perfomancer , um artista vivo a exalar uma poesia latente o tempo todo  . 
Talvez ele tenha sido mesmo o melhor lutador de todos os tempos  , mas o melhor dele era o discurso em jorro, cheios de metáforas e simbolismos de uma outra luta, de uma poética sendo construída na fonte da saliva. 
O tipo da doença de Parkinson que o atingiu tirou o que tinha de melhor, a rapidez do movimento e da palavra ( curiosamente, Oliver Sachs, no livro  “Tempo de Despertar “, relata que um paciente com o mal de Parkinson conseguia ser um rápido lutador de Box  ). 
O fato de Leon Gast ter levado tanto tempo para poder concluir o seu documentário, aquelas imagens que durante anos ficaram vivas, embora tecnicamente mortas, lembra alguém que não pôde viver a vida inteira e que retorna depois de muito tempo para receber o que deveria ter sido eu.
O filme é um acertar as contas com as nossas vidas. Ao ser resgatado, ele trouxe junto alguns dos momentos mais fortes de uma época que ele mesmo se encarrega de encerrar  : no final dos 90, “Quando Éramos Reis “ é o ponto final dos 60.
O filme “ Quando Éramos Reis “ é uma espécie de manifesto tardio da cultura negra . É essa sensação que fica das pessoas nas ruas de Kinshasa, da luta  , da dança , e da música, embora ele não mostre  , mas Schulberger relate, o fracasso do festival de música ao vivo  ( no filme, pelo menos, é bárbaro  ) : público pequeno, falta de sintonia entre a música negra americana e os negros de Zaire e a ausência dos anunciados Stevie Wonder, Aretha Franklin e Etta James. Conclusão de Schulberger  : “ É claro que existem ecos da música africana na “soul music  americana". Mas os ouvidos dos habitantes do Zaire pareciam surdos para eles “ ;
O filme também passa a sensação de que as raízes do mundo negro estão com Ali – que aparentemente está à vontade no ex e atual Congo – e  não com Foreman  ( em certo sentido, foi ruim para Foreman ter ido para lá : a torcida era 100% Ali. Nos EUA, ele poderia dividir a platéia ) . Curioso é que uma passagem do livro de Mailer e outra do livro de Schulberger revertem essa impressão.

Budd Schulberger  : “ Enquanto ele (Ali ) falava da saudade da casa  , eu percebi o quanto ele era intensamente americano, tão americano, tão americano quanto Gerry Ford e Mickey. A África era um sonho, um amoroso e amado sonho, uma distante lembrança de coisas do passado. Muhammad Ali ainda era Cassius Clay  , o garoto de Louisville , a criança de Little Richard  , Tuti-Frutti, e da Máquina do Sonho Americano “ .

Norman Mailer  : “O paradoxo , entretanto , de encontrar o Campeão era que Foreman parecia mais negro. Ali não era sem sangue branco  ( ...) Algo na sua personalidade alegremente, talvez exuberantemente, branco ( ...)  Apenas uma das 800 pequenas contradições de Ali, mas Foreman era mais profundo. Foreman poderia ser confundido com um africano mais facilmente do que Ali. 

Documentário em cartaz nos cinemas registra vigoroso festival da cultura negra  e
Acerta as contas do explosivo e elegante Muhammad Ali  , o pugilista que sabia 
Que sua técnica para assimilar golpes e sua habilidade para lutar eram  suportes 
Para a força de sua palavra  .

QUAL  FOI  A  MELHOR  LUTA  HISTÓRIA  ? 
Eder  Jofre,  61 , ex campeão mundial dos galos e penas –  “ A maior luta de todos os tempos aconteceu no Brasil  . Foi entre Paulo de Jesus e Milton Rosa  , no final da década de 50  . Milton que dominava a luta  , foi nocauteado e levado ao hospital . Acabou casando com a enfermeira.

Newton  Campos , 72 , vice-presidente do Conselho Mundial  - “ Eder Jofre  x Joe Medel  , eliminatória para a disputa do título dos galos do Conselho Mundial  . Trocaram golpes duros  , ambos sentiram . Mas não houve clinches.  O juiz nem apareceu“.

Adilson  “Maguila “ Rodrigues  , 38 , peso –pesado  - “ Muhammad Ali contra George Foreman, sem dúvida. Todos pensavam que Ali seria massacrado, mas , com bastante inteligência  , venceu o monstro Foreman  “ .

Mills Lane , 59 , árbitro que puniu a mordida de Tyson contra Holyfield  - “ O primeiro encontro entre os meios- pesados Archie Moore e Yvon Durelle foi uma verdadeira guerra “ .

Riddick  Bowwe  , 53 , treinador de Oscar de la Hoya  - “ A primeira e a terceira lutas entre Muhammad Ali e Joe Frazier  , ambas pelo título mundial  “ .

Emanuel Steward, 53 treinador de Oscar de la Hoya - "A primeira e a terceira lutas entre Muhammad Ali e Joe Frazer, ambas pelo título mundial.

Seth Abrham , 50, diretor de boxe da TV HBO – “Marvin Hagler contra Thomas Hearns, uma luta incrivelmente selvagem “ .

Roberto  Duran , 45 , campeão mundial em quatro categorias  - “Eusébio Pedroza contra Orlando Omares  “ .

Fonte  - Jornal    FOLHA  DE  SÃO  PAULO     pág  6 e   7   ESPORTE   
Domingo ,   14/09/97           MATINAS  SUZUKI  JR .
Do Conselho Editorial 

VERGONHA E PRECONCEITO SÃO ENTRAVES PARA O TRATAMENTO DO ALCOOLISMO ENTRE AS MULHERES



Inimigo Meu 

VERGONHA  E  PRECONCEITO SÃO  ENTRAVES  PARA  O TRATAMENTO DO ALCOOLISMO  ENTRE  AS   MULHERES  

Ter dependência do álcool ou de qualquer outra substância não é prazeroso para ninguém. Mas, quando a mulher é personagem principal nesse drama, acrescenta-se um outro fator de grande dimensão: a vergonha. É ela que, às vezes, impele a dependente à situações extremas, faz com que boa parte das mulheres beba em casa e não nos bares, como os homens, e constitui na maior dificuldade para resolver o problema.
A alcoolista – termo usado pelos profissionais que lidam com o assunto ( alcoólatra é considerado pejorativo ) – pode ser uma dona de casa que costuma esconder dos parentes garrafas pelos cômodos para beber sozinha quando ninguém estiver olhando. Ou então, aquela senhora que vai ao super mercado todos os dias e compra álcool – que seria para fazer a limpeza doméstica  - em vez de adquirir cerveja ou outra bebida. Afinal, a fanática por limpeza é mais bem vista do que a alcoólica.
Isso acontece em decorrência do preconceito da sociedade que, no caso delas é multiplicado várias vezes em relação aos homens com  o mesmo problema. “Em geral, mesmo a mulher alcoolista acha que é pior uma mulher dependente do que um homem“, explica a psicóloga Sílvia Brasiliano, coordenadora do Programa de Atenção à Mulher Dependente Química (Promud ) , divisão ligada ao Grupo Interdisciplinar de Estudos do Álcool e Drogas (GREA ) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.

Pesquisa 

Essa inexistência da mulher como alcoolista é sentida, inclusive, nos pouquíssimos trabalhos sobre essa questão desenvolvidos no Brasil e em outros países. Para se ter uma ideia, a maior pesquisa já realizada sobre o assunto e divulgada este ano, coordenada pelo psiquiatra americano George Vaillant, da Universidade de Harvard, acompanhou a vida de 600 homens ( e não mulheres ) alcoólicos.
Não há no Brasil estudo sobre o alcoolismo, no qual todas as camadas sociais estejam representadas“, admite Sílvia. E as raras pesquisas que tratam do assunto, dizem respeito a um grupo pequeno de mulheres, como no caso do Promud.

Ninho  vazio

Beber escondido é uma estratégia comum, principalmente para as mulheres que pertencem ao padrão denominado síndrome do Ninho Vazio. Nesse caso, a dependência se desencadeia após os 40 anos, época em que os filhos começam a sair de casa e há uma série de outras mudanças na vida.
Um segundo tipo de dependência por álcool é aquela que começa na adolescência. Por causa da pressão do grupo social e para burlar sentimentos como a timidez, muitas adolescentes se enterram na bebida com a pretensão de ser igual às coleguinhas. Caso da projetista Marisa de 21 anos, que começou a beber aos 9.
Os parentes próximos e amigos fingem não ver que há algo de errado com essa mulher.A bebida já levou a mulher a bater o carro, dar escândalos em reuniões sociais e a família continua negando“, exemplifica a psicóloga especializada em dependência química , Dorit Veréa. Segundo ela, esses são alguns dos sinais de pedido de ajuda
Segundo Sílvia, normalmente o alcoolismo em mulheres é sub diagnosticado. “Dificilmente um médico pergunta a paciente se ela bebe, mesmo que ela apresente inúmeros sintomas“, esclarece. “Essa mulher vai reclamar para o médico que está irritada ou triste, mas terá vergonha de assumir que bebe.“

Origens  diversas 

Magras, gordas, brancas, negras, jovens, velhas, de classe média  e baixa. No Alcoólicos Anônimos, entidade que visa auxiliar e dar suporte à pessoas que deixaram o vício, é possível encontrar ex-dependentes do álcool com as mais vaiadas características e origens. Entre elas está a projetista Marisa, de 21 anos, que vem de classe média, com família evangélica e que provou álcool pela primeira vez aos 9 anos.
Foi na Fazenda do meu pai. A bebida era do meu tio e foram só dois dedos, um gosto horrível. Capotei o resto da tarde“, lembra. Aos 13 anos ficou menstruada e resolveu comemorar fazendo uma macarronada e tomando meio litro de vinho. Sozinha. Depois disso, foi tomando gosto pelo álcool e esvaziando o bar que a mãe tinha em casa. “Ia botando as garrafas vazias atrás das cheias para ela não perceber“. Aos 15 anos teve o primeiro namorado e o primeiro grande porre. Semanas depois foi a uma quermesse sozinha e bebeu tanto que perdeu o senso de direção e sofreu um aborto, sem saber que havia engravidado. Tentou o suicídio misturando calmantes e bebida. “Sempre tive dificuldades de enfrentar problemas de cara limpa.“ 
A partir daí, ela resolveu “assumir que gostava de beber.” Aos 18 anos tomava três a quatro copos de vodka por dia, estava sempre embriagada. Entre outros problemas, perdeu empregos, tornou-se agressiva, usou cocaína e tentou o suicídio. 
Marisa chegava a tomar 12 latas de cerveja por noite, uma durante a madrugada, duas de manhã e outras duas de manhã e outras duas no almoço. Uma noite, depois de um escândalo no hotel no qual quebrou móveis, resolveu fazer uma ligação para um desafeto e ouviu do outro lado da linha essa pessoa dizer que “tem coisas que só nós podemos fazer por nós.“ 
No dia seguinte, esse foi o primeiro pensamento que lhe veio à mente. “Descobri o telefone dos Alcoólicos Anônimos com a telefonista, liguei para lá e ingressei.“  No dia da entrevista ela completou dois anos e três dias sem beber. Voltou a trabalhar, estudar e enfrentou sóbria duas decepções. “A primeira de que ia parar de beber e imediatamente ser feliz  . E a descoberta de que meu maior inimigo sou eu mesma.“ 

Fonte  - Jornal  Diário  Popular  pág 3
Domingo  ,07/11/1999 - MULHER  

AS  DROGAS  QUE  OS 
ADOLESCENTES USAM 

Não é complicado entender porque isso acontece. “A bebida é uma droga legal e chega a fazer parte dos nossos rituais“, lembra Alex Peña-Alfaro, autor de uma tese de mestrado sobre o assunto, apresentada na Universidade da Paraíba. É difícil até imaginar um réveillon ou um carnaval sem bebida.
A aprovação social pode ser perigosa. O adolescente é impulsivo e acredita ser onipotente. Acha que nada de mal vai acontecer a ele. Por isso, bebe sem medir as consequências. O álcool, nessa fase, também funciona como forma de auto promoção diante dos colegas  . Um símbolo de status.
A turma toda bebe. Não dá para ficar de fora" , reconhece Edson P., um paulistano de 15 anos, que desde os 12 bebe muita cerveja, tequila e caipirinha nos finais de semana. Seu colega Paulo R., de 16 anos, chegou a ter um coma alcoólico por causa disso. “Misturei pinga com soda e fui tomando“, conta ele. “De repente, senti minha cabeça girar, comecei a vomitar e só acordei quando a médica me aplicou glicose na veia“. Uma semana antes, Paulo tinha perdido um dos seus melhores amigos num acidente de moto. A causa ? Álcool.

QUANDO  A  BEBIDA É  O  
CAMINHO  MAIS CURTO  PARA O PERIGO 

A bebida, em si, concordam os especialistas, não é um mal. O problema está – isso sim  - no uso que se faz dela. Segundo o psicólogo Alex Peña Alfaro, cerca de 10% dos brasileiros acima dos 15 anos ( o equivalente a cerca de 10 milhões de pessoas ) já se meteram em encrencas por causa do álcool. Gente que, mesmo não sendo dependente, provoca acidentes de trânsito ou entram em brigas, quando estão embriagadas.
No caso do  adolescente, este é na realidade o maior drama. O que é mais perigoso na relação dos jovens com a bebida é, na verdade, o comportamento de risco que ela provoca.
É que o álcool funciona como um depressor do sistema nervoso central, que diminui tanto o julgamento quanto os reflexos. “Sob os seus efeitos, o jovem fica mais sujeito a acidentes, a gravidez indesejada, ao sexo sem proteção e até o uso de drogas“, explica o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, de São Paulo, com especialização em drogas na Universidade de Londres. A longo prazo, também pode provocar problemas hepáticos, gastrointestinais, tremores, delírios e até a morte

O  BOM E O MAU EXEMPLO 
QUE  VÊM DE CASA

Proibir a entrada de bebidas em casa, no entanto, não adianta. “Uma medida repressora tem efeito contrário e uma atitude super liberal também“, alerta o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, fundador e diretor do Proad, Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes de Drogas , de São Paulo.
O ideal, segundo ele, é que a família saiba como beber. Ou seja, use a bebida de forma “saudável“ , sem exageros. “Nas regiões produtoras de vinho, a taxa de alcoolismo é muito baixa. As pessoas têm noção de quando e como beber“, justifica o psiquiatra. O bom exemplo é,  portanto, fundamental.
Noventa e nove por cento dos adolescentes alcoólatras ou viciados aprendem a se drogar em casa. “O pai chega nervoso e bebe. A mãe toma calmante ou remédio para dormir. Desde cedo, o jovem é ensinado que existe uma solução química para os problemas, para lidar com as emoções“, diz o psiquiatra argentino Pablo Miguel Roig, especializado em álcool e drogas pela Addiction Research Foundation, em Toronto, no Canadá.

POR   QUE  OS  JOVENS  BEBEM

HOMENS                                                                         
-Problemas familiares                                            
- Curiosidade                                                         
- Problema em geral                                           

MULHERES 
- Problemas familiares 
- Influência dos amigos 
- Curiosidade 

(Levantamento sobre uso de drogas feito pelo Dr Ruy de Mathis, com 93 pré-universitários, em junho deste ano, na cidade de São Paulo )

BEBEDOR   PRECOCE  TEM MAIS 
CHANCE DE VIRAR DEPENDENTE 

A dependência, no entanto, vai ser o resultado de inúmeros fatores, tanto genéticos quanto da personalidade do jovem. Segundo a Academia Americana de Psiquiatria e a Organização Mundial da Saúde, o conceito de alcoolismo já não é mais a quantidade de bebida que a pessoa consome, mas sim os estragos que ela provoca.
O que importa não é volume de álcool ingerido, mas como ele interfere de forma destrutiva na vida da pessoa“, explica o dr Christian Gauderer, especialista em psiquiatria infantil e do adolescente pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. “A bebida passa a ser problema a partir do momento em que o adolescente causa danos à sociedade e a si mesmo.”
Ninguém vira alcoólatra do dia para a noite. Normalmente, existe o que os especialistas chamam de progressão. Ou seja, o jovem bebe hoje, trinta dias depois, bebe de novo até que, aos poucos, os intervalos vão diminuindo. O processo de dependência é longo e demora pelo menos três anos para se estabelecer
Quanto mais cedo se começa o uso de álcool, no entanto, maior é a chance do jovem se  tornar alcoólatra“ , afirma o psiquiatra Ronaldo Laranjeira. A prova  , segundo ele, é que entre 10 a 20% dos casos de alcoolismo começam na adolescência. Por isso, em algumas cidades dos Estados Unidos, o consumo de bebidas só é permitido depois dos 21 anos. 
O ideal, segundo ele, é o mesmo retardar ao máximo o primeiro contato com o álcool. A adolescência é uma fase complicada. Um jovem de 12 , 13 anos ainda não possui uma identidade adulta formada, tem dificuldade de auto estima e de lidar com as próprias mudanças do corpo. O álcool pode aparecer a saída mais fácil – e disponível.
Mas até para os especialistas é difícil determinar quem vai ter problemas com a bebida.  As estatísticas mostram que os homens bebem mais do que as mulheres e que a maioria dos jovens usa a bebida recreativamente. Mas sabe-se também que uma parte deles estabelece desde cedo uma relação de dependência com o álcool.
Segundo uma pesquisa feita , em 1986, pelo Departamento de Psicobiologia da Escola Paulista de Medicina, com 3114 estudantes de primeiro grau de baixa renda, do município de São Paulo , 5% das crianças de 9 a 11 anos entrevistadas foram consideradas, de acordo com a freqüência e a quantidade de álcool ingerida, bebedores excessivos, enquanto 10% eram classificadas como moderados. Um número que praticamente dobrava partir dos 15 anos

OS  PRIMEIROS  SINAIS  DO  ALCOOLISMO

Se por um lado é difícil avaliar quantos desses vão se tornar alcoólatras no futuro, alguns sinais, no entanto, podem indicar que o adolescente está exagerando na dose. “O jovem começa a ir mal na escola  , passa muitas horas fora de casa  , discute bastante  , demonstra que não suporta uma rejeição, e se trona agressivo" , diz a psicanalista Raquel Ajjzenberg, de São Paulo.
A tendência também é aumentar o consumo de álcool, passar a beber mais fora de casa e ter experiências com bebidas mais fortes. É o que diz a pesquisa feita, em 1986, pela Escola Paulista de Medicina. Com a intensificação do consumo, segundo a bioquímica Ana Regina Noto, pesquisadora do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, o jovem bebe menos em casa e mais em bares, na rua ou sozinho. E enquanto o chamado bebedor experimental consome mais cerveja, o excessivo dá preferência a bebidas mais fortes como a pinga.
O alcoólatra usa a bebida como fuga e não como prazer. Tanto que, segundo Dartiu Silveira, que já atendeu mais de mil casos de alcoolismo, a maioria deles diz ter horror ao gosto de bebida. Suportam o mal-estar inicial para terem o efeito.

Fonte  -   Revista  CLAÚDIA    
págs  137  a  140

NOVOS  DESAFIOS  
DAS  DROGAS  

2015 começou difícil ! Logo no início, um brasileiro caiu acidentalmente de um prédio na região de Cancún, no México, em provável surto paranoico após ter consumido álcool e drogas. Dias depois, outro brasileiro foi executado na Indonésia, depois de 11 anos na prisão daquele país, por se envolvimento com o tráfico de drogas.
O que essas mortes apontam? Dois extremos distintos  ( a punição excessiva ao tráfico e a fatalidade eventual do consumo desinformado ) que não se encontram nunca, ou  são duas pontas de um mesmo círculo que acaba se  fechando?  Aposto mais na segunda linha de raciocínio.
O tráfico só existe porque acontece o consumo. É crime na maior parte do mundo, enquanto que o consumo tem recebido abordagens distintas. A facilidade de aquisição de drogas, principalmente das sintéticas, capilarizadas na população por uma ampla rede de venda de gente que não enxerga que como traficante e nem sabe ao certo o que está entregando, aumenta o risco de problemas.
Discussões urgentes são necessárias para uma nova realidade em relação às drogas. Depois de anos de políticas repressivas e de combate, é evidente que esse sistema não deu conta do recado. O consumo explodiu mesmo onde o controle é mais rígido e decisões anacrônicas e de afronta aos direitos humanos, como é o caso de pena de morte pelo tráfico de substâncias ilícitas, não resolve o problema.
Novas políticas de educação, prevenção e de redução de danos são muito mais adequadas para lidar com o uso indevido de drogas do que medidas proibitivas e de cerceamento às liberdades individuais. Em linhas gerais, proibir, prender e matar não resolve o problema do consumo.
Enquanto isso, o tráfico começa a ser percebido em escalas distintas. Será que quem vende drogas eventualmente e em pequenas quantidades merece o mesmo tipo de punição que os “cabeças“ das grandes corporações e associações criminosas, que agem como organização empresarial e faturam milhões de dólares ao ano? Repensar essas medidas não seria uma forma de desinchar nosso sistema prisional, em que a maioria dos presos cumpre pena por tráfico? 
Em um momento em que se discute, mundo afora, a legalização da maconha e de outra drogas menos nocivas como forma de enfrentar, entre outras questões, a criminalidade que cerca as drogas, seria importante pensar em formas de educar e alertar sobre eventuais efeito nocivos que o consumo pode ter sobre a saúde e o comportamento. Guiar depois de fumar um cigarro de maconha pode ser tão impactante para os nossos reflexos como beber álcool.
Além disso, a multiplicação das novas drogas sintéticas, muitas delas com efeitos ainda desconhecidos, aponta que é essencial que se adotem medidas de redução de danos, como aumentar o nível de informação a população. Na Holanda, por exemplo, existem centros gratuitos de testagem de substâncias, que mostram para o usuário exatamente o que ele está consumindo e quais os possíveis problemas. Os surtos delirantes, embora incomuns, podem acontecer em pessoas que consomem diversos tipos de droga, até mesmo maconha. Esses delírios podem gerar respostas muitas vezes imprevisíveis, como a que levou à morte, por afogamento, de um estudante na raia da USP, em São Paulo, no último ano, ou mais recentemente, de um jovem empresário catarinense - citado anteriormente  - que caiu de um prédio no México por acreditar que estava sendo perseguido.
Para uma nova realidade, novos desafios . É preciso coragem para olhar para um tema ainda polêmico em muitos setores da sociedade, mas cada vez mais perto de cada um de nós.

Fonte    -    Revista  Cultura - Ed . 91 -  Fevereiro /2015
JAIRO  BOUER  ACREDITA QUE, SEM  REPENSAR  ESSE  TEMA  E  MUDAR POSTURAS, A SITUAÇÃO  NÃO  SERÁ  REVERTIDA  E,  MAIS  UMA  VEZ, O  PROCESSO DA  EDUCAÇÃO PARTE  DOS  MAIS  JOVENS.

LEI MARIA DA PENHA completa 8 anos


Em setembro, o funcionamento da Lei Maria da Penha completa oito anos. Sancionada com o objetivo de aumentar a proteção das mulheres nos casos de violência doméstica, ela foi criada após uma série de tratados internacionais firmados pelo Brasil  que visam punir os agressores, fazendo com que eles arquem com as consequências de seus atos. Batizada em homenagem à biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que ficou paraplégica na primeira tentativa de homicídio realizada pelo marido, ela hoje representa muitas mulheres que, por causa dessa iniciativa, tomam coragem de denunciar seus próprios dramas pessoais e recomeçar suas vidas longe das agressões.
Apesar de ter sido criada no dia 7 de agosto, ela entrou em vigor no dia 22 de setembro  e no dia seguinte o primeiro agressor já foi preso. Ela determina que se  configura  como violência doméstica todas as que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto. Na ocasião, foi determinado o atendimento policial especializada em delegacias próprias. Apesar da resolução, há 15 anos a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) atende no Centro do Rio, na Rua Visconde de Rio Branco,12. A delegada Célia Rosa cita que, além dos crimes previstos pela Lei Maria da Penha, o local também atende outros casos de violência que não acontecem nos ambientes determinados pela norma. 
Apesar de muito ser dito sobre casos envolvendo relações conjugais, Célia explica que o agressor e a vítima não precisam formar um casal. “Há situações de denúncias contra pai e a sogra, por exemplo“ ,esclarece. Ela cita também que, em casos de habitações coletivas , a lei também é válida. Apesar da grande abrangência, a maioria dos registros envolvem casados, namorados ou companheiros. “Cerca de 90% das ocorrências acontecem porque a mulher quer ter terminar o relacionamento“, calcula.
O dado é  condizente com o estudo “Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil “, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2013. Ele mostra que esses crimes são geralmente perpetrados por homens ( isso acontece em totalidade porque a lei é válida também em relacionamento homo afetivos, já que seu texto determina que ela é independente da orientação sexual da vítima ), principalmente parceiros e ex-parceiros. Eles constituem a maioria dos assassinatos de mulheres em todo o mudo - aproximadamente 40% de todos os homicídios femininos são causados por esse perfil, contra 6% de homens assassinados por parceiras ou ex-parceiras. No Brasil, entre 2001 e 2011, o mesmo estudo indica que ocorreram cerca de 5 mil mortes femininas por ano e aproximadamente um terço deles aconteceram no domicílio das vítimas.
A pesquisa mostra ainda que a região com maior número de casos é a Nordeste, seguida da Centro-Oeste, Norte, Sudeste e Sul. No entanto, ao analisar as medias por estado, o Espírito Santo apresenta os maiores números - 11,24 por 100 mil mulheres mortas. A média nacional é de 5,82 e a do Rio de Janeiro encontra-se um pouco acima dela, com 6,03. O Piauí é o melhor estado nesse aspecto, com 2,71 feminicídios ( nome dado às mortes de mulheres decorrentes de conflitos de gêneros ). A delegada Célia destaca que esse tipo de crime não tem relação com a classe social dos envolvidos. “As ocorrências são de vários bairros, desde a toda a Zona Sul até Anchieta“, frisa. Apesar disso  , os dados do IPEA apontam que  , no período estudado, 54 % dos óbitos foram de mulheres entre 10 e 39 anos, 61% de negras e 48 % com baixa escolaridade.

Fonte  - Jornal   POSTO  SEIS - pág 20    
Edição  - 393    1ª quinzena de setembro de 2014 

Freio  na violência    
Contra  a mulher 
Estudo do IPEA  mostra que a Lei Maria da Penha  reduziu 
Em 10% o número de homicídios de mulheres no Brasil 
                                
OS  NÚMEROS  DO  LIGUE  180

A Central de Atendimento à Mulher, criada em 2005, tornou-se, nesses últimos dez anos, um importante instrumento de denúncia de agressões físicas, morais e psicológicas, estupros, assédios, exploração sexual e cárcere privado, entre outros abusos praticados contra as mulheres. Conhecido também como Ligue 180, o serviço ganhou espaço em outros países, como Espanha, Itália, Portugal, França, Estados Unidos, Inglaterra, Noruega, Guiana Francesa, Argentina, Uruguai, Paraguai, Holanda, Suíça, Venezuela, Bélgica e Luxemburgo.
No Brasil, o Distrito Federal foi a unidade de Federação em que o serviço foi mais utilizado proporcionalmente. A taxa de registro pela população feminina por grupo de 100 mil mulheres do DF foi de 158,48 mulheres. Em seguida, Mato-Grosso do Sul (91,61 % ), Rio de Janeiro (91,18 % ), Espírito Santo (85,59 % ) e Amapá (82,93 % ). Em 2014, o 180 atendeu às 27 unidades da Federação e a 853 dos 5.570 municípios brasileiros  (69,1 % ).

Desde que o serviço  foi criado, em 2005 mais de 4  MILHÕES de atendimentos foram feitos.

Em 2014  houve uma média de 40.425 atendimentos ao mês e 1.348 ao dia.

O Ligue  180  registrou, em 2014, aumento de 50% os registros de cárcere privado de mulheres.

O aumento das denúncias 18 % de estupro foi de uma média de três vezes por dia.


Fonte  -   Revista   IPEA  ( INSTITUTO  DE  PESQUISA  ECONÔMICA APLICADA )
Desafios do Desenvolvimento - Ano 12   nº  83 
págs  47 e 51 - 2015  - Washington  Sidney 

História da joalheria brasileira



Ouro, pedras preciosas e diamantes sempre fascinaram a humanidade, em forma de arte, reserva de valor, e em algumas culturas, proximidade do divino. Joias são tidas como a primeira manifestação artística do homem. Desde a pré-história até hoje, são símbolos de riqueza, majestade, poder e grande magia. A história das joias é tão antiga quanto à vaidade dos homens. No Brasil, país descoberto pelos portugueses em 1500,  o ouro era abundante e logo começou a ser extraído da terra. Igrejas logo começaram a ser construídas, e adquiriam o resplendor  do sol quando enriquecidas e recobertas pelo ouro, quase como um agradecimento ao divino. Porém, grande parte desse grande metal era enviada para Portugal em forma de impostos. Mais precisamente, um quinto do todo. Até 1720, 25 toneladas anuais eram enviadas a Portugal. A partir de 1727, foram descobertas no Brasil minas de diamantes, nos Estados da Bahia  , Minas Gerais e Mato-Grosso, e até 1870 o Brasil foi o maior produtor de diamantes do mundo e presenteou Portugal até esta data com mais de três milhões quilates.
Inúmeras outras gemas surgiram das entranhas brasileiras, possibilitando assim o fausto das joias em uma época de exuberância. Com a vinda de Dom João  VI e a corte portuguesa, instalada no Rio de Janeiro em 1808, intensificou-se a produção das joias para atender a burguesia e até mesmo as classes menos favorecidas, incluindo os escravos. Ourives luso-brasileiros trabalhavam no Brasil. Foram criadas as chamadas joias de crioulas, especialmente na Bahia, para mulheres negras e crioulas nascidas no Brasil, sendo estas uma expressão ímpar de um estilo brasileiro. A estética da riqueza e do exagero exteriorizava o luxo e sinalizavam poder e distinção. Escravas e amas  de leite de lares abastados circulavam ostentando enormes peça de ouro, exibindo assim o poder de seus senhores. 
O Brasil nunca produziu  prata. Ela chegava do México e Peru, e aqui era trocada por outros produtos, e até mesmo por escravos africanos. As pencas de balangandãs eram adornos usados na cintura e fizeram parte da indumentária baiana  do século XVIII até meados do século XX. Carregavam consigo um sincretismo religioso e eram compostos por vários grandes elementos manufaturados em prata, que adquiriam uma conotação mística através de amuletos de boa sorte. Todos estes adornos de prata e ouro representavam também reserva de capital a ser transformada em dinheiro em caso de necessidade financeira.” ( Ruth Grieco )

SERVIÇO
Ruth  Grieco  - Poetizando a Joalheria
Autor: Didier Brodbeck  - Editora Dazzing  Books  - 256 páginas,
Papel couche  - Capa dura de tecido - Livraria Cultura 

Os balangandãs 
Da  Bahia 

Bentinhos & amuletos. A sofisticação místico-social do branco e o terror animista dos povos primitivos do Brasil amalgamados numa ourivesaria de raiz popular. O homem na sua queda ( leia-se: diáspora tribal ) e perdida unidade teísta e cultural refugiou-se na saudade daqueles tempos de glória. Bentinhos & amuletos seriam, afinal de contas, a projeção e a memorialística coletiva de uma idade de ouro em que tudo era uma só Verdade de consumo coletivo  representada cabalisticamente pelo olho do conhecimento humano no meio do triângulo egípcio; ou pela cruz de Kristó significando o equilíbrio In e di Yang  - o positivo e o negativo, forças mestras da vida. E o escapulário sobre  peito dos líderes religiosos e das multidões de fiéis, vibradores a irradiar força animista  / psíquico positiva, ou proteger e amortecer, pela neutralidade mineral e a nobreza química de seus componentes, o yang negativo e o maléfico das forças cósmicas e humanas desencadeadas e decaídas. 
Os balangandãs da Bahia seriam assim, uma representação simbólica dessa velhíssima tradição do conhecimento humano e divino acumulado e esquecido: o temor de Deus onipresente pelo conhecimento de suas forças fecundantes de luz & sombra  , noite & dia , sol & lua , terra & água , ar & fogo, homem & mulher. Braços propiciatórios e mortais, todos eles a embalar um ser de eleição terrestre: aquele feito à semelhança e imagem de Deus. Mãos diferenciadas e unas do mesmo corpo cósmico. E místico . Tudo revelado ( e encoberto ) pelas três palavras profanas que se escondem a grande unidade simbólica tripartida: Uma Coisa Só.
Introduzida pelos negros islamizados do Daomei e vizinhanças, a ourivesaria baiana vem repetindo o comício castralvino da dor dos negros sublimada pela beleza. Fruto menos dramático da tragédia da escravidão em sua floração plástico-simbólica, repete o sofrimento documentado do Navio Negreiro: nos pequenos arranjos conhecidos como pencas de balangandãs, certas peças são conhecidas como nave, galera, chave, correntão grilhão - toda a gíria de dor tartamudeada pela escravaria em viagem para o Brasil e sublimada, em forma de esconjuro criativo, pelos delicados artífices da ourivesaria baiana, escravos e forros em sua quase totalidade

Por  Homero Homem 
Fonte  -  Revista -  A  RELÍQUIA    
pág  24  Setembro de 2012