terça-feira, 24 de janeiro de 2017

AS ESCOLAS DE SAMBA




O signo  da  brasilidade
 

É este quadro cultural que dará origem ao que hoje é considerado um som dos mais belos espetáculos da terra  - as escolas de samba  , as quais  , para além do espetáculo que oferecem  , representam uma importante forma organizativa das camadas populares.


O termo “escola    é polêmico: o compositor e sambista Ismael Silva teria declarado ser o criador da primeira Escola de Samba  , no Estácio de Sá. Inicialmente bloco  , depois teria denominado “ escola “ por sua proximidade com a Escola Normal , antiga Escola Normal da Corte. Outra interpretação é que o nome “ escola “ derivaria não só da popularidade das vozes de comando dos tiros de guerra ( Escola , sentido! ), como da circunstância de se aprender e cantar o samba. Outra versão  , ainda é de que as escolas de samba teriam nascido para  ensinar o  samba “ e há  , ainda aqueles que acreditam que naqueles espaços haveria verdadeiros “ mestres do samba “ , o que explicaria o nome “ escola    .


A origem das escolas de samba no Brasil já foi objeto de muitos estudos. Há unanimidades e divergências e isso se explica pelo fato de que é muito recente o registro sistematizado desses fatos: eles fazem parte da trajetória dos marginalizados, que não detêm o poder sobre os rumos da história oficial publicada ou sobre a visão que os meios de comunicação transmitem. Alguns trabalhos tiveram que ser organizados principalmente a partir de dados recolhidos da memória oral  e, por isso, é compreensível que exista algumas divergências quanto a nomes, datas, etc. Entretanto, todos os autores são unânimes em afirmar que quem dará início as escolas de samba será a população muito pobre que habita nos morros em torno dos bairros mais ricos ou nos mangues do fundo da baía da Guanabara  .


As escolas de samba vão aproveitar vários elementos estruturais dos ranchos: sua forma processional  , o abre-alas  , as alegorias  , a porta-estandarte e o mestre-sala  , o enredo e os “ tenores “ , atuais  puxadores de samba   . A diferença entre as duas formas será fundamentalmente o samba  : o ritmo , a ginga  , as evoluções  , o número de figurantes e a poderosa bateria em  substituição à pequena orquestra convencional dos ranchos  .  As escolas de samba suplantarão os ranchos de tal forma que estes começam a desaparecer na década de 40  .


Na verdade  , o samba surge predominando sobre todas as formas carnavalescas anteriores: se o carnaval estava constituído por elementos de origem africana e origem européia , os primeiros predominarão visivelmente  , apesar de minoritários  : alguns traços totêmicos no rancho  , e principalmente a beleza e força da música e da dança  . Mesmo minoritários  , os traços africanos são hegemônicos  e comandarão desfiles  , bailes , etc . Na escola de samba  , a bateria torna-se a “ alma “ , de onde emana o comando para o resto do agrupamento.


Queiroz considera que, através do tempo, a dominante européia do Carnaval brasileiro cedeu o passo à africana. Assim  , o que a torna reconhecida pelos brasileiros como obra autenticamente sua  , a brasilidade da festa  , o que a identifica perante os estrangeiros é a mistura afro-européia, mas com o comando do elemento cultural africano que ritma e lhe dá colorido  e  , se excluído  , faz a festa perder a sua personalidade própria  . Esta é uma verdadeira inversão da pirâmide social: na escola de samba  , os traços europeus do desfile são a base e os traços africanos definem e comandam a festa  .


A Primeira escola de samba foi a Deixa Falar  , do Estácio de Sá  , e não tinha, evidentemente  , a mesma composição social do rancho Ameno Resedá e outros  - onde se reunia a chamada elite cultural de ascendência baiana. A Deixa Falar era ainda identificada com marginalidade e vadiagem  . No Estácio de Sá vivia uma comunidade de ex-escravos e descendentes  : eram artesãos  , engraxates , estivadores e trabalhadores ocasionais  , considerados os “ bambas “ do Estácio e responsáveis pelo nascimento do samba carioca  , que surge e cresce influenciado pelo ambiente cultural do centro da cidade, habitado pelos negros iorubas da Bahia e pelos ranchos  . Entre os fundadores estava Ismael Silva  , Alcebíades Barcelos  , Nilton Bastos  , “ Brancura “ etc. Nei Lopes descreve:

“ Era ( a Deixa Falar  ) uma mistura dos ritmos da Cidade Nova  - conjuntos de pau e corda  , piano de Sinhô e batuques baianos  , com um tipo de criação bem sua  .. diferentes ... dos sambas amaxixados de Sinhô e do pessoal da Tia Ciata  .


Sua fundação ocorreu no ano de 1928  , mas somente em 1936 as escolas de samba adquiriram direito a desfilar no centro da cidade  .


Entretanto , ter direito de desfilar não significa estar plenamente inserido socialmente  , pois o local cedido  , inicialmente foi a Praça Onze  , próxima à zona de meretrício. Na década de 20 , freqüentar a Praça Onze ainda era coisa de quem praticava o “ samba pesado “ , diretamente originário da “ batucada   , que quase sempre acabava em confusão  . Muniz Jr., referindo-se a uma descrição do compositor Heitor dos Prazeres  , diz por volta de 1870 , a Praça Onze era uma espécie de África em miniatura  . Ali se reuniam “ chorões “ para as serenatas e  , mais tarde  , afoxés , cucumbis e ranchos. Mas  , depois que os ranchos deixaram a praça  , só ficaram os blocos de samba de batuqueiros ou samba pesado. Devido ao preconceito racial e cultural , quem praticava o “ samba de roda “ também sofria as conseqüências da perseguição policial. É desta época a famosa figura do “ malandro “ – também chamado “ valente “ – tão decantado em verso e prosa: era o batuqueiro que, recusando-se a ir preso  , enfrentava a polícia  . Havia conflitos até entre os próprios “ valentes “ : seu tipo era conhecido pelo andar gingado, chapéu tombado, olhar dormente  , fala com gírias  , chapéu listrado  , calças largas , sapato de bico  e , evidentemente  , a navalha. Não eram criminosos, mas , cuidando da imagem pessoal, cultivavam a fama para impor “ medo e respeito “ , exercendo certo poder com esta atitude. Na verdade  , o “ malandro “ era o resultado do desenvolvimento desordenado do capitalismo brasileiro que relega a maioria da população ao desemprego e à marginalidade


Muito próximo da Praça Onze  , na rua Visconde de Inhaúma , ficava a casa da Tia Ciata  , onde reuniam-se músicos da importância do Pixinguinha  , João da Baiana  , Sinhô  , Donga  etc.


Estavam criadas  , então as condições para o florescimento do samba  . Junto com a Deixa Falar surgiram mais escolas em outros redutos de sambistas : Mangueira , Salgueiro , Madureira , Osvaldo Cruz que  , nesta época  , ainda não apresentavam nos desfiles uma estrutura mais complexa como o enredo e somente respeitavam as cores da bandeira.


No período inicial das escolas de samba predominou a improvisação  , tanto no desfile quanto na organização da escola  . O caráter das associações era temporário e , no restante do ano  , permaneciam num estado de latência social.  Na época imediatamente precedente ao carnaval, principalmente nos morros e locais de samba, havia um clima de festa e batucadas diárias, mas a escola ativava-se especificamente para o desfile de carnaval. Vale destacar que  , nesta época  , o carnaval apresentava um quadro de violência que será cantado em vários sambas: brigas, turbulência, assassinatos combatidos e ao mesmo tempo provocados pelos mais antigos  “ acompanhantes públicos “ dos negros: a polícia e a repressão. Apesar das transformações em nível legal  ( a aquisição do direito de desfilar ) , o samba continuava perseguido  e  , sendo considerado marginal  , alvo da intolerância e do menosprezo social. Alguns sambistas da Mangueira atestam  que ir ao centro da Cidade no Carnaval era um ato de coragem e o simples ato de portar um pandeiro podia ser motivo para prisões. Esta perseguição explica a necessidade do sambista de criar uma imagem pública positiva de respeitabilidade e credibilidade, que contribuísse para transpor as ásperas barreiras dos preconceitos sociais e raciais  .


Estes fatos contribuem para explicar muitas das características das escolas de samba: luxo, organização, preocupação com trajes e com presença social. Exemplo desta preocupação é a marginalização que sofreram alguns “ desordeiros “ em seu próprio ambiente, como o compositor Cartola , da Mangueira  , que inicialmente não foi aceito nos “blocos de família , tendo que criar o seu próprio “ Bloco dos Arengueiros , e as infindáveis recomendações de Paulo da Portela quanto ao cuidado que os sambistas deveriam ter com sua apresentação pessoal.


Além do divertimento em si e da afirmação da cultura negra  , outro objetivo das escolas de samba era conferir um certo status aos seus componentes  , não só diante da opinião pública na qual predominavam os valores veiculados pelas classes dominantes  , geralmente de origem européia, como diante do próprio grupamento social a que pertenciam. A participação da agremiação garantiria ao indivíduo uma integração social, o pertencimento a um grupo  . A escola se definiria assim como  um indicador de identidade grupal  “ , como assinala Leopoldi  .


Esta necessidade de inserção e projeção social é inserida historicamente  . Segundo Octavio Ianni  , o crescimento urbano e industrial em franco desenvolvimento nas primeiras décadas do século XX origina nas classe populares a “ consciência de mobilidade “ , ou seja  , a população pobre e marginalizada começa a ter um comportamento individual e grupal voltado para a consolidação de posições mais favoráveis na escala social. Este desejo de mobilidade projeta-se também nas escolas de samba, que passam a ser um fator de expansão da imagem do negro para fora de seu grupo específico  . Se a mobilidade não é econômica , ela é  , ao menos  , social  , impulsionada pelo aspecto de afirmação cultural  . Alguns teóricos acreditaram que a urbanização e a industrialização contribuiriam para o fim do carnaval. Mas o que se observará, na história do carnaval, é que o desenvolvimento de suas formas organizativas vai evoluir com a crescente industrialização e urbanização do país e que estas vão adquirindo novas configurações condizentes com o momento histórico em que se situam. E torno do samba aglutinaram-se  , então  , a partir da década de 20, as camadas populares  , geralmente de origem negra  . Queiroz  , aponta que no Brasil  , a industrialização foi acompanhada de uma urbanização vigorosa, descontrolada e anárquica intensificando a mistura de nacionalidades e etnia  , e não foi suficientemente organizada para dar lugar ao surgimento de uma aparelhagem política e reinvidicativa que se enraizasse nas camadas inferiores  . As escolas de samba representaram  , então  , um lócus organizativo  . E como o grande carnaval das elites era  , na verdade  , um “ carnaval de brancos “ e de camadas superiores  , as camadas inferiores  efetuaram a conquista da festa de rua como se fosse uma tomada de bastão opressor por grupos oprimidos  .


O samba urbano carioca daquele momento pode ser dividido em duas categorias  , como assinala Leopoldi  : a primeira , o “ samba de morro “ , derivado do batuque negro primitivo  , angola-conguês e do escravo brasileiro das plantações e da mineração , criação de setores mais empobrecidos da sociedade  , do qual derivaria a verdadeira origem do samba atual  . Vale ressaltar que há depoimentos revelando que  , no Rio de Janeiro , “ antes de ter morro habitado já havia samba  “ , mas a convenção  samba de morro   permanece  , pela expressividade que este adquire a partir do incremento do morro como local de moradia  . O morro significava  , inclusive  , um refúgio para os sambistas perseguidos por fazerem samba  , como revela este depoimento citado pro Leopoldi  :

“Para fazer a festa , minha mãe ia buscar o alvará na polícia  . Lá o chefe dava conselho  , pois na opinião da polícia  , negro só se reunia para brigar  , fazer malandragem  . Mesmo com a autorização  , a polícia não deixava a gente em paz  . Quando a polícia “ apertava “ a gente num canto  , a gente ia para o outro  . Nós fazíamos samba na planície  . Quando a polícia vinha  , nós nos escondíamos no morro  .  Antes de ter morro habitado já havia samba  . O morro era penas um esconderijo do sambista da cidade , da planície    .


Morro-refúgio ou morro-moradia  , é evidente seu papel na garantia de proteção aos sambistas  .


A segunda categoria de samba consiste naquele criado por compositores populares de renome na época  . Esta segunda modalidade pode ser denominada  samba de asfalto  “ , aproveitando a terminologia utilizada nos meios específicos do “ Mundo do Samba   . Esta divisão em duas modalidades tem fim apenas classificatório  : na verdade , houve intenso trânsito de informações e contatos entre o que se convencionou chamar de sambistas  “ do morro “ e  “ do asfalto      , como denotam as “ compras de samba . A casa das “ tias “ negras era também freqüentada por intelectuais brancos  , como Mário de Andrade  , e por “ sambistas de asfalto   de qualidade indiscutível  , como Noel Rosa  . Ali ocorriam os contatos re o intercâmbio cultural entre os “ do morro “ e os “ do asfalto “ , resultando num caldo cultural de qualidade insuperável 


Com a comercialização  , tem início o circuito concorrencial do samba  . A autoria passa a ser valorizada em função do no esquema das gravadoras  . O fenômeno da “ compra de samba “ – já aqui discutido anteriormente  - era uma prática legitimada por um ambiente paralelo  , o “ Mundo do Samba “ , o que demonstra que aquele não era ainda considerado uma obra de arte  , com valor mercadológico e a mística que a sociedade ocidental dedica a esta  . Ocorre que  , convivendo com este recém-iniciado circuito comercial do samba  , existe a prática anterior da criação anônima  , coletiva  , produzida artesanalmente . O resultado da convivência destes dois esquemas é o fenômeno da “ compra “ : cantores brancos e já consagrados  “ subiam o morro “ para comprar os belos sambas que aí eram produzidos pelos compositores negros  . Os primeiros ofereciam seu nome  , trânsito nas gravadoras e no “ mundo do disco “ e ainda algum dinheiro em troca de poder gravar o samba assinando a sua autoria  . O sambista do morro recebia alguns trocados pela música vendida e algum eventual registro de seu nome como parceiro no disco  .  Raramente isto significou um crescimento profissional e econômico do compositor do morro  , como explicitamos anteriormente :  mesmo algumas vezes tendo “ descido para o asfalto “ para tocar em boates refinadas e apesar de ter vendido muitas obras  , a projeção que conseguia em geral não era suficiente para alçá-lo ao “ mundo da fama “ , ou mesmo melhorar significativamente sua situação financeira  . Isto porque a estrutura .Isto porque  , a estrutura social e econômica discriminatória das classes populares de origem negra não se alterava substancialmente pelo pequeno destaque de que o sambista lograva  : ao contrário , muitas vezes seu talento foi capitalizado pelos mecanismo da indústria cultural com retorno em geral insignificante para o artista  .


Não se pode negar  , entretanto  , que todo este movimento ocorrido com a progressão do samba na década de 20 representou uma tentativa de abrir um espaço de ascensão profissional do negro  . Pereira analisa que o fato de comercializar empresarialmente a música traz vantagem de enriquecer a estrutura ocupacional  , dando status profissional a atividades até então desempenhadas em termos de diletantismo e marginalizadas dos circuitos comerciais  . Entretanto  , este alargamento da estrutura ocupacional  , além de lento  , foi mínimo e não pode se generalizar no plano das oportunidades individuais  . O maior ganho deste processo foi a expansão da visibilidade social da cultura afro-brasileira  .


Fonte  -      O  SAMBA  CONQUISTA  PASSAGEM   -   CRISTINA  TRAMONTE

As  estratégias  e a ação  educativa  das  escolas  de  samba  págs   34  a  41

IDENTIDADE  BRASILEIRA      Editora  VOZES    Petrópolis  2001







O  DESFILE

1  .  A ESTRUTURA  E  COMPOSIÇÃO  DO  DESFILE 
 

Os desfiles na atualidade   , com suas mutações anuais  , geram  , em conseqüência , a dependência de formas externas para que aconteçam  . Culturalmente só guardam uma experiência  : o saber como dançar  . Como o modo de desfilar  , com a ação de vários tipos de investidores  , tornou-se extremamente complexo  , os componentes deixam escapar tensão e insegurança imediatamente antes do desfile  , que são sanadas , felizmente  , pelo apito do samba  . Durante nossas investigações  , ainda existia o apito , hoje a direção da RIOTUR o substitui por uma sirene.


O momento da “ concentração “ reflete menos alegria e descontração do que tensão  , nervosismo e medo  .


Na “ concentração “ de 1976  , era desta forma que a percebia  : perdida num emaranhado de fantasias , adereços e lantejoulas  , tento captar as emoções que os componentes sentem antes do desfile  . Os rostos denotam cansaço motivado pelas possíveis últimas noites insones  , quando cuidavam dos preparativos finais das fantasias  . A maioria sentada  , adereço de mão encostado num canto  , chapéu de plumas caído de lado de fora da cabeça  , no chão  , calçados um tanto sujos  , salpicados de lama  , fantasias sem prumo  , ante o desleixo do corpo  , rosto com pinturas escorridas  , irritação no olhar , quase agressão na voz  . Expressões mais próximas do desânimo que da alegria pressentida durante o desfile  .

Este momento é quebrado pelo anúncio vai entrar na avenida  , dado pelo apito ; daí para frente é para não pensar se a fantasia não ficou bonita , se o sapato está apertado ou se a roupa rasgou um pouco  . Não há como esperar  , os batuques clamam ! Mesmo alguns esquecimentos sérios como a bandeira da escola  , ou um instrumento importante , tem que ser remediado  . Nesse momento parece haver um milagre  : ao som do apito que chama , todos levantam-se  , rostos carregados de emoção  , corpos tremendo , samba-enredo na boca ...  vai começar  .


Para que um desfile saia perfeito  , a colocação exata de cada participante no seu lugar específico é primordial  . A orientação determinando o lugar dada e cada um é dada através do desenvolvimento do tema-enredo  . A colocação de cada alegoria  , de cada detalhe obedece rigorosamente à elaboração da estória que se deseja contar durante o desfile da escola  . Essa responsabilidade fica a cargo do carnavalesco  . Entretanto no transcorrer do desfile  , existe o risco de  , com as evoluções que o samba permite  , um ou outro elemento  atrasar-se ou adiantar-se ao todo da escola  ; para essa fiscalização a responsabilidade fica a cargo de toda a ala  , chamada Ala da Harmonia  , que não se apresenta fantasiada  , antes uniformizada  , e que velará para que cada um mantenha seu lugar  .


Uma escola de samba  , quando desfila  , conta com os seguintes elementos , por ordem de desfile  : alegoria  , comissão de frente  , destaques  , alas  , passistas  , mestre-sala e porta-bandeira  , grupos , baianas ( que são tradicionais ) e a bateria  . Esses elementos se distribuem repetindo-se de acordo com a necessidade do enredo  , alterando-se por sexo e mantendo cada grupo e cada ala as mesmas fantasias  . Normalmente o desfile vem dividido em partes relacionadas à estória do enredo  .


2   .   OS  ELEMENTOS  DESFILANTES
 

As alas  - as alas se caracterizam  com certa autonomia dentro da escola de samba e por terem um nível elaborado de organização  . Espécie de subunidades das escolas  , servem como ponto de inserção do componente individual na escola como totalidade  .  Não tem tempo determinado de existência  , sua vida útil varia de acordo com o interesse do integrante  : algumas só duram um carnaval  , outras permanecem por longo tempo  , diferenciando-se umas das outras permanecem por longo tempo  , diferenciando-se umas das outras pela posição e encargos que terão durante o desfile e por seus nomes sempre bizarros  : “ As Caprichosas “ , “ E Daí ?    , “ Depois Eu Digo   etc. Consequentemente , suas fantasias também se diferenciam  . As alas tem funções diferentes no corpo do desfile  . Cada uma se constitui ou se constitui de acordo com certas necessidades da escola  : a ala da harmonia  , que citamos acima  , desfila sem sambar  , seus integrantes com roupas iguais  , sem se constituírem em fantasias  , semelhantes a ternos coloridos  ( cor da escola )  , andam durante o desfile entre os outros componentes e outras alas  , para  manter a harmonia do desfile  , isto é  , para que os sambistas encontrem o seu lugar  . Ultimamente  , com a descoberta das escolas de samba pela sociedade dominante  , surge a ala dos estudantes  , caracterizada pela rotatividade entre as escolas  . Algumas alas podem ser incorporadas como um todo nas escolas  , são chamadas de “ grupo “.


Além das alas existe a “ comissão de frente “ , normalmente composta por figuras masculinas , sobriamente vestidas , representada pelos antigos fundadores  . Na ansiedade de inovar a qualquer preço  , o Salgueiro apresentou nos anos 60 uma comissão de frente   formada só por mulatas belíssimas  , as chamadas “tipo exportação “ . Algumas escolas copiaram o feito no ano seguinte  .



Os passistas  . Os passistas , masculinos ou femininos  , tem  a obrigação de “ dizer no pé “ , isto é  , sambar propriamente dito  . Apresentam-se com roupas luxuosas  , sumárias  , que dêem suficiente liberdade aos movimentos  . Um fato a registrar nesses casos é quase total inexistência de elementos brancos entre os passistas  . Podem vir desfilando individualmente  , aos pares ou em grupos  . Existem alas inteiras de passistas  .


Os passistas começam seu “ treinamento “ precocemente e é possível observar-se  , durante o desfile  , alguma escola com  passistas mirins : crianças que desenvolvem obras- primas na arte de sambar  . Talvez por isso  , a infiltração de outros segmentos seja bem menor  .


A bateria  . É o grupo responsável pela instrumentação da música que acompanhará o desfile  . Tem grande importância no corpo do desfile  ,  que se apresentaria sem o menor brilho se viesse sem bateria  . Assim como toda a festa  , também a bateria sofreu transformação .Seus instrumentos se modificaram ou foram substituídos por outros  . O regulamento que limita a forma  , estrutura e o tempo de desfile  , contém alguns itens relacionando os instrumentos que devem constar do desfile  .


As primeiras escolas de samba apresentavam  , na sua bateria  , apenas tamborins , surdos , reco-recos , pratos de cozinha , pandeiros  , cuícas e cavaquinhos  . Hoje elas exibem mais de vinte instrumentos diferentes  , alguns até adaptados  inconvenientemente ao samba , como o prato metálico  ". 


Acompanhando a escola , as baterias cresceram ; enquanto no início dos desfiles se apresentavam com dez elementos  , em 1960 já contavam com 190(  Portela ) e hoje o número cresceu assustadoramente   .


A maioria dos instrumentos tem origem africana , outros podem ser adaptados ao carnaval  como o reco-reco  , cuja aparição se deu junto com o nascimento da primeira escola de samba- a Deixa Falar  , do Estácio  - segundo depoimento do famoso Betinho ( Adalberto Ferreira ) , diretor de bateria da Portela  , um dos mais antigos bateristas de escola de samba  “ .


O prato de cozinha  , que contrasta com o som do surdo , que tem um som grave  , apareceu na Bahia  , no tempo das umbigadas  .


“ É um instrumento fácil de fazer  : basta raspar a borda do prato de cozinha até torná-la áspera  . O som é produzido pelo atrito do prato com uma peça metálica que pode ser até uma faca  . “


“ Outros instrumentos  , como o chocalho e a cabaça , embora de origem africana foram escolhidos para o samba com êxito  “ .


As frigideiras de cozinha  , introduzidas pela Império Serrano  , foram rejeitadas pela Mangueira e Portela  “ .


No início composta exclusivamente de homens  , as baterias hoje são mistas  .


Seu lugar do desfile foi alterado  : antes vinham atrás  , depois passaram vir à frente  , hoje ficam no meio  . “ O diretor de bateria que usa apito é geralmente o melhor baterista ou o que tem maior conhecimento musical  . O valor da bateria é proporcional ao valor do diretor “ . Alguns ficam famoso como o “ Mestre André “ , da Mocidade Independente de Padre Miguel  , que  , por sua atuação  , tem seu grupo mais valorizado que a própria escola a que pertence  . Esta escola sempre alcançava nota máxima em bateria pela atuação do mestre  .


As baianas ( ala especial  ) . A ala das baianas congrega as pastoras mais idosas da  escola ,  é tradicional , obrigatória nos desfiles ( no regulamento consta a exigência desta ala ) e suas fantasias não se modificam muito  . É comum encontrar-se as baianas mirins  , que são crianças que desfilam ao lado das caboclas  .É um espetáculo muito bonito , a chega das negras sambando  , sorridentes e ainda apesar da idade  .  


Fonte      -                SAMBA  NEGRO   págs     99 , 100 , 104 , 105 e 106

Ana  Maria  Rodrigues   Editora Hucitec



Um   oásis  intelectual  em  meio  aos  desvarios  do  Momo


Segundo a maioria , foi Paulo da Portela o primeiro compositor a fazer em 1939  , um samba para  o concurso de carnaval  , cuja letra descrevia a ideia abstrata proposta pelo enredo  “ Teste ao samba “   - enredo que também seria representado por alegorias , adereços e fantasias usados durante o desfile  . Paulo teria criado  , assim  , um novo gênero de samba  : o samba-enredo  .


Esse foi um dos muitos pioneirismos de Paulo da Portela  , que não pode ser desmerecido  . Todavia  , dos pontos de vista poético e musical  , aquela obra não diferia estilisticamente dos demais sambas da época  , chamados depois de “ sambas de terreiro   , composições livres  , produzidas ao longo do ano  , sem vínculo com o carnaval  . Não se tratava  , naquele momento  , da constituição de um gênero  , por não haver nenhum elemento distintivo  .


Na década seguinte , em função dos áridos enredos inspirado na Segunda Guerra Mundial  , os compositores desenvolveram uma linguagem mais épica  , embora ainda estivessem presos à estrutura clássica dos sambas comuns  , constituídos por duas partes onde predominava o verbo heptassílabo , ou seja  , a redondilha maior  , típica da poesia popular ibérica  .


Em 1948  , um dos sambas da Mangueira  ( na época as agremiações apresentavam dois sambas )  , composto por Cartola e Carlos Cachaça  para o enredo “ Vale do São Francisco “  , com desenho melódico original que imitava o próprio curso do rio  , deu um grande passo para que os sambas de desfile se distanciassem do modelo canônico  . Até que  , em 1951  , Silas de Oliveira faz para o enredo “ Sessenta anos de República  “ do Império Serrano  , primeiro “ samba –lençol “ poema em versos sem métrica e disposição estrófica pré-definidas  , com melodia adequada a seu caráter narrativo .


Depois de Silas  , portanto  , é que o gênero samba de enredo passa a  existir  . Só com Silas o samba de enredo  , o samba de desfile  , se torna uma forma inconfundível de samba  , cujas características se prestam especificamente ao préstito carnavalesco das escolas  . Assim  , o samba de enredo invertia  , de modo singular a história do gênero lírico  - quando em todas as literaturas conhecidas o que se deu o fenômeno oposto  .


Quando nos anos 1960  , os enredos deixaram de insistir nos temas ligados a grandes personagens e eventos históricos  , passando a incorporar as mitologias indígenas e africanas e todo espectro da cultura popular  , o samba de enredo atingiu o ápice da sua expressividade épica  - invertendo também ( e este é seu maior feito  ) a própria lógica do carnaval  .


Porque o desfile das escolas de samba  , embalado pelos sambas de enredo  , não simboliza nem a alegria alienada nem a subversão da ordem  , como se dá na tradição carnavalesca ocidental  . É , antes um momento de catarse  ; e de reflexão  . É um oásis intelectual em meio aos desvarios de Momo  .


  poderia  acontecer  no  Rio   de  Janeiro  .


Fonte     -   Jornal   O  GLOBO     pág  6 - Segundo   Caderno

Domingo  ,  27/11/2016 - 100  ANOS  DE  SAMBA

Alberto  Mussa é autor  , com Luiz  Antonio  Simas,    
“ Sambas de enredo  - História e arte “

                                                                               ( editora  Civilização  Brasileira  ) .

São Paulo de Piratininga - 25 de janeiro





Pátio  do  Colégio. É certo que ainda não tinha esse nome. Era 25 de janeiro de 1554. Lá estavam os padres Manuel de Paiva  , Manuel da Nóbrega e José de Anchieta. Paiva celebrava a missa oficializando a instalação do real Colégio de São Paulo de Piratininga  . Nascia São Paulo. Naquele momento era apenas uma cabana de madeira medindo 14 passos de comprimento por 10 de largura  , construída com a ajuda dos índios. Logo estaria servindo também para escola, enfermaria, cozinha, refeitório e dormitório.

Dizem que os padres jesuítas vieram para catequizar os índios. Não era o caso de Anchieta, que além de ter vindo com essa missão, veio principalmente para se restabelecer de uma tuberculose óssea, pois haviam recomendado que o clima daqui era altamente propício para a cura.

Nóbrega era o superior dos jesuítas e decidiu que deveriam expandir o trabalho, não se atendo apenas ao litoral. Eles haviam começado na Bahia e descido até São Vicente. Os padres eram poucos, portanto a sua estratégia era reuni-los em uma única aldeia para facilitar a catequese. Foram designados vários dos poucos padres. Anchieta era um deles. Assim subiram a serra em direção a Piratininga ..

Mas não era fácil subir a serra. Precisaram da ajuda de Caiubi e de seu irmão,  o cacique Tibiriçá. Este já tinha um relacionamento muito bom com os portugueses  , já que escravizava e vendia índios de tribos inimigas. A ajuda veio também de João Ramalho, bandeirante casado com Bartira, filha de Tibiriçá, apesar de já ser casado em Portugal

O local escolhido para a formação da vila  , chamado pelos índios de Piratininga (Tupi-Guarani , peixe  seco )  , tinha uma posição favorável do ponto de vista estratégico. Era margeado pelos rios Tamanduateí e Anhangabaú e de lá os padres tinham uma visão total de toda a região. De cima podiam observar  se os índios inimigos estavam vindo para atacá-los além de teriam água farta com os rios próximos   , que serviam igualmente como uma barreira natural contra eventuais ataques.

Daquela época só ficaram os nomes de ruas e viadutos homenageando seus pioneiros. A construção atual do Pátio do Colégio tem muito pouco de original. Apenas uma parte da parede de taipa de pilão permaneceu e está exposta na praça de alimentação do Café do Pátio  . A taipa empregada nessa construção era feita de terra úmida, barro, sangue de boi  , fibras vegetais  , folhas e ervas  , que eram misturados e socados num pilão, depois colocados  , para que secasse.

As catacumbas  , situadas sob a capela  , também são dessa época. Eram utilizadas para o sepultamento dos padres e, mais tarde, também pessoas consideradas importantes da sociedade , como o próprio Tibiriçá. Atualmente, as catacumbas estão vazias e os restos mortais de Tibiriçá estão na Igreja da Sé. A capela  , apesar de restaurada  , matem a torre original e boa parte das peças do altar. Nela estão expostos o fêmur e o manto de Anchieta

Após a expulsão dos jesuítas do Brasil  , o governador Morgado de Mateus requisitou o espaço em 1765  , para ser sede dos Capitães Generais ou Palácio dos Governadores  . O espaço passou então a se chamar Largo do Palácio  , tornando –se o centro de atividades cívicas e culturais da cidade. Abrigou a sessão inaugural da Academia Paulista de Letras, chamada Academia dos Felizes  , em 1770. Começaram a aparecer ao redor a Casa de Fundição, a Casa da Ópera, onde D.Pedro I foi aclamado rei em 1822  , o aristocrático Solar da Marquesa  , os ruidosos feirantes da Rua do Carmo  e o comércio agitado da Ladeira do Palácio.

O Palácio do Governo precisou passar por reformas para se adaptar as instalações das numerosas repartições decorrentes do desenvolvimento dos serviços públicos  . Florêncio de Abreu , quando assumiu a presidência do Estado  , em 1881, determinou uma radical transformação do Palácio, derrubando a ala perpendicular à fachada principal, a qual foi completamente modelada.

Já no final do século XIX , a cidade sofreu grandes transformações urbanas  e  , novamente  , o Largo do Palácio foi atingido  . Um jardim e uma fonte foram construídos na praça em frente ao Palácio do Governo  . Com o advento da República  , o palácio passou para o poder do Estado e a Igreja foi transformada em Palácio do Congresso.

Em 1897  , a cidade começava a ganhar ritmo de metrópole  . O intendente de obras  , Gomes Cardim  , sugeriu a construção do Viaduto Boa Vista ( entre a Sé e o Largo São Bento  , para evitar o congestionamento triângulo central – ruas Direita  , São Bento e XV de Novembro ).

Com as novas construções  , o Pátio do Colégio  , modificou-se novamente  . Em 1908  , a area do Palácio  , reservada à habitação dos presidentes  , foi demolida e os Palácio dos Campos Elíseos passou a ser a residência oficial. Com a mudança da sede do governo estadual  , o Palácio do Governo  tornou-se sede da Secretaria Educação, perdendo assim em importância, apesar da própria importância da Secretaria ali instalada.

Nova mudança  : a Secretaria da Educação vai para o Largo do Arouche, em 1953. Começa então o início da demolição do Palácio do Governo ( Pátio  do Colégio ), encontrando-se nele a parede de taipa de pilão ( citada acima ) intacta. Depois disso, foi promulgada na Assembléia Legislativa a lei que doava o terreno do Pátio do Colégio à antiga Companhia de Jesus  , representada pela Sociedade Brasileira de Educação.




A  Cultura  noprimórdios 
De  São  Paulo 

Fundada em 1554  , São Paulo tem uma riqueza histórica de grande importância mas que caiu no esquecimento da população pela preservação quase nula dos patrimônios históricos do Período Colonial.

Com o desenvolvimento e a urbanização  , os traços históricos do colonialismo foram ficando para trás  , fazendo com que a história da fundação de uma das mais importantes cidades do mundo caísse no esquecimento. Marcos Mendonça  , Secretário da Cultura do Governo do Estado  , enfatiza a necessidade do resgate desse momento histórico  . “ Os paulistas precisam saber mais sobre a origem da cidade  , sobre o momento de sua fundação  e não deixar de lado esse momento histórico tão importante e com fato s tão marcantes  .

A São Paulo de Piratininga tem sua história contada por intermédio de suas Atas  , que são guardadas desde o século XVI  , momento de sua criação , até os dia de hoje  . Esse fato classifica a cidade de São Paulo como a única das cidades do século XVI que tem esse tipo de documentação até a atualidade  . A relíquia está guardada no Arquivo Histórico Municipal Washington Luiz , na região central.

A influência dos aspectos sócio-político e econômicos da Coroa Lusitana na formação da Cidade da Garoa

Em 1532 , D. João III criou o sistema de capitanias hereditárias a fim de explorar os recursos econômicos do país e defender a costa de ataques estrangeiros  . Desmembrou as capitanias em governos municipais  , para fazer a fiscalização e manutenção das vilas  . Mas a Coroa novamente volta a centralizar o poder em suas mãos  , com criação dos Governos Gerais  , em virtude da excessiva autonomia das câmaras municipais.

Apesar disso foram criadas as capitanias de São Vicente  , doada a Martim Afonso de Sousa  ; e de Santo Amaro  , a Pero Lopes de Sousa  . E elevadas à condição de vila a povoação de Santo André da Borda do Campo ,fundada por João Ramalho.

Segundo o historiador Paulo Garcez Marins  , São Paulo de Piratininga era considerada um ponto estratégico para a Coroa Portuguesa  . “ A Vila de Piratininga era cruzada por vários caminhos indígenas e importante ponto de acesso ao interior do país  , sendo fato de fundamental importância para a “ Coroa Portuguesa “ , diz Garcez .

A pobreza da Vila de Piratininga era grande e só foi atenuada com o advento do ciclo do ouro no bandeirantismo paulista  . No fim do século XVI  , a população chegou a atingir cerca de 4.000 habitantes. Com esse avanço  , os ataques dos índios carijós passaram a ser frequentes  , o que ocasionou a criação da muralha de Piratininga.

Fora do núcleo urbano  , as roças  , sítios e fazendas tomavam conta da paisagem da vila. A historiadora Eliane Bisan Alves faz uma análise do paulista seiscentista como um “ tipo rural   . “ O paulista do século XVI só saía de casa para ir à vila por motivos religiosos, ou quando era intimado pela Justiça .

Os campos de Piratininga eram repletos de plantações de trigo nesta época  . O trigo era aceito como dinheiro pelos mercadores forasteiros. Segundo o historiador Paulo Garcez  , São Paulo de Piratininga foi um grande produtor de trigo, fato ausente na memória paulista. “São Paulo exportou trigo nos primeiros cem anos de sua fundação  , mas poucas pessoas têm conhecimento deste fato  .

Plantações de algodão  , cana , vinha e cereais necessários para a subsistência também faziam parte da economia da vila  . A mão-de-obra indígena era usada para o cultivo dessas plantações e eram considerados “ gentios da terra “ , para não serem confiscados pelo governo.

Mas um grande ódio racial tomava conta de uma camada de grande importância na Vila  de Piratininga  : os Bandeirantes  , que tinham nos índios sua inspiração para realizar grandes caçadas e matanças em suas expedições.

O Bandeirante: “aventureiro grego“ em busca do ouro brasileiro
"E um dia, povoada a terra em que te deitas,
Quando, aos beijos do sol, sobrarem as colheitas,
Quando aos beijos do amor, crescerem as famílias,
No resto da multidão, no tumultuar das ruas,
No clamor do trabalho, e nos hinos da paz!
E subjugando o olvido, através das idades,
Violador de sertões, plantador de cidades,
Dentro do coração da pátria viverás“.

(Olavo  Bilac, em homenagem a João Ramalho)

Não se pode falar sobre a história de São Paulo sem mencionar um ícone importante dentro deste contexto  : os bandeirantes. Bando inquieto e obstinado, os bandeirantes foram responsáveis pelo desbravamento do interior do país, atrás de pedras e metais preciosos. Quando as “ entradas  “ se transformaram em expedições mais numerosas e organizadas receberam o nome de “ bandeiras , que originou a denominação “ bandeirantes “.

Afonso Sardinha  , Fernão Dias Paes  , Raposo Tavares, que chegou até o Peru partindo de São Paulo e percorrendo a costa brasileira  - Domingos Jorge Velho  - considerado um dos mais violentos, são bandeirantes que fizeram a história por meio de suas expedições, desbravando terras  , escravizando e massacrando índios.

São Paulo é marcada por um clima de tensão em seus principais momentos do Período Colonial  . E  o capítulo sobre os bandeirantes é um deles  . “ Disputas com os índios  , conflitos com os jesuítas e desentendimentos entre si são fato que tornam pesada e tensa a história dos bandeirantes paulistas “  , acrescenta o historiador Paulo Garcez Marins.

Partindo de São Paulo  , as “ bandeiras “ , que seguiam por clareiras já abertas nas florestas imensas da zona costeira  , ou navegavam pelas correntes fluviais  , guiaram–se pelo instinto na região dos ouros e diamantes  . Segundo o relato do historiador Oliveira Lima  , no livro “ Formação histórica da nacionalidade brasileira “ , a geografia parecia indicar a direção do movimento de expansão brasileira. “ Por uma curiosa anomalia  , os cursos de água da região de São Paulo ao Paraná correm do litoral para o interior  , como se houvessem sido predestinados a conduzir para ali os aventureiros “ .

E era com os jesuítas que os bandeirantes tinham também algumas diferenças de propósitos  , gerando grandes conflitos no século XVI  . Os religiosos realizavam expedições para libertar os índios das mãos dos bandeirantes  .  Estes últimos não recuavam diante dos jesuítas  e utilizavam das piores violências contra eles  , até o ponto de se rebelarem contra as autoridades civis  , sendo eleito  , em 1640  , um representante deles como rei em São Paulo. Conta-se que João Ramalho , um português que  , atraído pelo mistério dos sertões fechados, embarcou em uma das primeiras expedições enviadas para fazer o reconhecimento do litoral brasileiro da Serra de Paranapiacaba tendo conseguido chegar até o alto da Serra do Mar. Fascinado pelo panorama agreste e arejado sob seus olhos, João Ramalho resolve fugir e desbravar aquela região. Perdido entre as matas e tribos do planalto, une-se a Bartira, filha do cacique Tibiriçá. Do casal nasceram os primeiros luso-tupis do planalto. A vida desse primeiro povoado de descendência luso-indígena está retratada nas atas da Câmara de Vereadores de Santo André da Borda do Campo. De estilo simples e inquieto, este povoado se localizava na orla do mato com os campos da Vila de Piratininga.

Patriarca dos Bandeirantes  , João Ramalho  , aceitou os costumes e cultura tupi  , constituiu uma nova raça e criou o humanismo luso-bandeirante. Enriqueceu a língua latina com palavras celtas  , gregas  , germânicas e árabes  . Fundiu o idioma lusitano à língua Tupi.

As dificuldades   e  costumes
Da sociedade  da Vila  de Piratininga 

Nos primeiros séculos da colonização familiar e a vida doméstica paulista não poderiam deixar de ser influenciadas por alguns dos elementos que marcaram profundamente a formação da sociedade brasileira e o modo de vida de seus habitantes. A distância da Metrópole  , que dividia muitas vezes os membros de uma família entre os dois lados do Atlântico  , a falta de mulheres brancas, a presença da escravidão negra e indígena, a constante expansão do território, assim como a precariedade de recursos e produtos com os quais estavam acostumados os colonos no seu dia-a-dia, são alguns fatores que levaram a transformações de práticas e costumes construídos no Reino, tanto que se refere à constituição das famílias como aos padrões de moradia, alimentação e hábitos domésticos .
Justamente devido a isso a vida doméstica era um dos principais espaços de convivência da intimidade do povo paulista no Colonialismo. Habitadas sempre por indivíduos de várias origens  - portugueses , índios , escravos  - as residências  , em sua grande maioria consideradas rústicas  , localizavam-se longe umas das outras  , o que reforçava ainda mais o convívio doméstico.

Marcada pela solidão e isolamento, a vida social paulista no período colonial era limitada aos encontros em casas de pessoas amigas  , festas religiosas e missas. As mulheres só saíam de casa acompanhadas e apenas para compromissos religiosos. Viviam sempre acompanhadas das índias, que ensinavam as colonas a fazer trabalhos manuais  , socar o milho  , preparar a mandioca  , trançar as fibras , fazer redes e moldar o barro  . Sua educação era voltada para o casamento e às atividades desempenhadas enquanto a mãe e esposa. Os homens se divertiam em encontros para jogar xadrez e baralho, sendo uma forma de sociabilidade entre familiares e amigos. Eram realizados banquetes nas casas dos habitantes mais abastados, com direito a comes e bebes  a todos os convidados. Festas como o Natal, Páscoa e Semana-Santa já eram comemoradas desde aquela época na Vila de Piratininga.

Os paulistas tinham o costume de se alimentar com as mãos, em grande parte das vezes  , pela escassez de talheres, pratos e copos ( feito de estanho ). A nobreza desses materiais  , não impedia que as refeições fossem feitas ao redor de uma mesa muito baixa ou em uma esteira. Alimentos como a farinha de milho e a marmelada não faltavam na mesa dos colonos de São Paulo de Piratininga. A família paulista sempre era reunida ao menos uma vez por dia em uma das refeições  , tradição que se preserva até os dias de hoje.

Mas mesmo com essa pobreza de infra-estrutura os paulistas mantinham hábitos de higiene como lavar as mãos antes das refeições e banhar os pés antes de dormir  , para evitar infecções como o “ bicho no pé   . Banhos quentes e remédios caseiros feitos por curandeiros eram usados no tratamento de doentes com diarréia, febre amarela, varíola e sífilis.

Com todas essas dificuldades  , o fortalecimento da indústria caseira em São Paulo supriu a falta de produtos que vinham das frotas portuguesas que  , na maioria das vezes  , chegavam deteriorados ou sem condições de uso. E os colonos portugueses foram se tornando cada vez mais “ americanizados “ ao incorporarem costumes e tradições da Terra de Santa Cruz .

Fonte     -   REVISTA  CULTURAL           págs   5 , 6  ,12 , 13  e 14
Ano  I   -    nº 9  - Janeiro  / 2000  Publicação Mensal da Secretaria da Cultura
Do Governo do Estado de São Paulo







O  mais  antigo  arranha-céu  de São  Paulo

O mais antigo arranha-céu de São Paulo, de 1924  , fica diante do arvoredo do pequeno jardim que liga a Rua Líbero Badaró  ao Vale do Anhangabaú , entre dois edifícios modernos  , expressões da árida linha reta na paisagem do centro  . É o Prédio Sampaio Moreira  , números 344-350 daquela rua  . Projetado por Cristiano Stockler das Neves  , foi construído pelo Escritório Técnico de seu pai  , o agrônomo Samuel das Neves  , do qual era sócio desde 1911 , quando se formou em arquitetura pela Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos.

Edifício de escritórios  , o Sampaio Moreira foi o primeiro arranha-céu da cidade  , com 13 andares  , mais um terraço  , batido poucos anos depois pelo prédio Martinelli, ali perto  . Mas têm a delicadeza beleza que o maçudo Martinelli não tem. Quebrou na cidade a influência   europeia, sobretudo francesa  . Inaugurou aqui a verticalidade dos edifícios nova-iorquinos, à qual o arquiteto brasileiro agregou belas intromissões de estilo Luís XVI na fachada. É um marco do nosso nascente ecletismo arquitetônico e do nosso hibridismo no gosto  .

Originalmente  , para quem olhasse do Vale , o Sampaio Moreira se compunha visualmente com os dois pavilhões que Samuel das Neves projetara para o Conde Prates  , grande fazendeiro de café  . O Sampaio Moreira é uma jóia referencial da belle époque paulistana que conserva as característica originais: do vermelho elevador sueco aos pisos  , aos metais e à luminária  .

O projeto foi feito para o negociante José de Sampaio Moreira ( 1866-1943 ) , brasileiro de São Paulo , conforme me esclareceu seu neto. Era filho de Francisco Sampaio Moreira  , imigrante português, vindo para São Paulo no século 19, chamado por um irmão, dono de uma loja de ferragens na Rua da Quitanda  . Prosperou nos negócios  , ficou rico  , teve chácara e residência no Brás. Embora fosse , sobretudo  , comerciante , foi também industrial, teve tecelagem e uma fábrica de anilinas para tecidos, foi sócio do Leite Vigor, teve casa bancária. Foi credor de empresas e pessoas. Na crise do café, recebeu em pagamento de dívidas o palacete de dona Sebastiana da Cunha Bueno, na Avenida Paulista  , com tudo que havia dentro, para onde se mudou. Parte dos móveis dessa casa está hoje na Fazenda Santa Cecília, em , remanescente da Fazenda Carlota de café  , que tinha cerca de 7 mil hectares de terra , em 1889.

José de Sampaio Moreira foi Irmão Protetor da Santa Casa de Misericórdia  , beneficiando-a com largas doações  . Conta seu neto que  , uma vez  , um grupo de benemerência foi pedir dinheiro a Francisco, o pai. À vista da quantia dada, reclamaram dizendo que seu filho José havia feito contribuição maior. Replicou ele, dizendo: “Ele pode  : tem pai rico“. Na casa bancária, certa vez, um cliente tomou emprestada uma quantia, amarrotou o dinheiro e o enfiou no bolso. José pediu-lhe o dinheiro de volta e cancelou o empréstimo, explicando:  Dinheiro tem que ser tratado com carinho“. Apesar de muito rico, andava de bonde.

Dono de um grande número de imóveis em São Paulo  , no início do século 20 foi cliente de Ramos de Azevedo  , a quem encomendou vários projetos  . Mas depois tornou-se  cliente de Cristiano Stockler das Neves  , que fez para ele um grande número de projetos  .

Foi quem lhe projetou o Edifício Mesão Frio, em estilo art déco, construído em 1940, na Rua Barão de Itapetininga, com galeria para a Rua Marconi. Mesão Frio é o nome do burgo de origem da família de Sampaio Moreira, no norte de Portugal  , perto da Fronteira com a Espanha  . Vem daí a incrível vocação comercial de pai e filho  . É historicamente lugar de comerciantes e artesãos e da feira – franca que ali se realiza anualmente, desde a Idade Média  , a famosa feira de Santo André. É o que parece explicar o pré-capitalismo rentista de uma biografia singular na história do empresariado de São Paulo. Pré-capitalismo, porém, que não o impedia de encomendar obras oníricas e avançadas aos primeiros arquitetos paulistanos.

Fonte    - 
Tesouro  Paulistano    -  Artigo        José  de Souza  Martins  , professor titular  de  Sociologia
                                                             Da  Faculdade  de  Filosofia  da Universidade de São Paulo