quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Por que temos essa cara



Que brasileiro é miscigenado, é algo que se vê. Mas quanto? Em que proporção? Ainda no império, a mistura de etnias costumava horrorizar os europeus que desembarcavam aqui. Na época, influenciados pelas teorias raciais, eles viam a miscigenação uma ameaça de degeneração de todas raças que vivam no país. Hoje, os biólogos já descartaram  o próprio conceito de raça. Os pesquisadores sabem  que há tantas variações genéticas em um grupo com os traços físicos em comum que a noção de raça perdeu seu sentido – o rastreamento de herança genética é feito por meio de análise do DNA
No Brasil, o principal mapeamento de nossos mais 500 anos de miscigenação é comandado pelo geneticista Sérgio Danilo Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais. Após pesquisar mais de 300 amostras genéticas de brasileiros de diversas regiões do país, isolando os traços praticamente inalteráveis de pai e mãe para filho e filha durante séculos, os pesquisadores mineiros tiveram algumas surpresas.   
A primeira – foi a diferença entre a carga genética dos antepassados paternos e maternos. Enquanto a maioria das linhagens paternas dos brasileiros brancos é de origem européia (cerca de 90%), grande parte das linhagens maternas é de origem ameríndia e africana (cerca de 60 %). Ou seja: a maioria tem traços europeus herdados dos antepassados masculinos e traços indígenas e africanos da mãe. A ciência comprova que o colonizador europeu não se fez de rogado em ter uma prole numerosa com escravas e  nativas.    
A segunda surpresa – está relacionada à falta de relação entre a cor de pele e a origem genética dos brasileiros. “A cor no país, diz pouco sobre a origem de uma pessoa“, diz Sérgio Pena. “Cerca de dois terços das amostras genéticas de pessoas de cor branca não eram de origem européia. “Esses dados revelam que, no Brasil, a classificação de pessoas pelo aspecto físico é inútil, já que, geneticamente, muitos brancos podem ser considerados negros... e muitos negros podem ser considerados brancos.   
  
Por que falamos assim   



Ninguém contesta: No Brasil, a língua portuguesa reina absoluta. Mas o que faz com que os brasileiros  se comuniquem de forma tão diferente da de pessoas de outros países, inclusive de Portugal? Por que, quase sempre preferimos tirar alguma dúvida pessoalmente do que lendo o manual de instruções?   
Segundo a pesquisadora Eni Orlandi, do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, a preferência pela língua falada no Brasil  não estaria ligada a um traço psicológico ou às altas taxas de analfabetismo no país. “Minha tese é de que essa preferência vem do fato de que convivemos durante séculos com 2 línguas: a portuguesa, usada nos documentos, e a chamada língua geral (o tupi adaptado pelos jesuítas para converter os índios), falada no dia-a-dia, dentro das casas“, diz Eni.    
Como a língua geral não era escrita, ela acredita que estaria aí a origem de nossa tendência para resolver qualquer coisa na conversa. “Diferentemente do que muita gente leu nos livros escolares, a influência do tupi em nossa língua não ficou restrita a alguns vocábulos como abacaxi, ,jibóia, açaí, diz. “A língua geral teve um papel decisivo, ainda que não tenhamos consciência disso, em nossa forma de falar.”     
Não fosse por um decreto do Marquês de Pombal, em 1757, impondo a língua portuguesa e proibindo a disseminação do tupi (e por tabela, o poder de ação dos padres jesuítas), essa influência poderia ter sido maior. “A medida foi decisiva para criar uma unidade linguística com base no português“, diz Bethania Mariani, pesquisadora da Universidade Federal Fluminense. “Ela pôs fim à diversidade de línguas no país, permitindo um maior controle maior de Portugal sobre a colônia“, afirma a pesquisadora.   
Caso a decisão de Pombal não fosse bem-sucedida, é possível até  que o Brasil hoje tivesse 2 línguas oficiais: o português e o tupi. “Mas não sei, sinceramente, se isso seria bom“, diz Eni Orlandi. “Afinal, isso poderia criar mais uma divisão social no país. De um lado, o tupi provavelmente seria a língua das camadas mais pobres da população, enquanto o português seria usado pela elite, que não raro abusa do bacharelismo como instrumento de exclusão social“.   
Bacharelismo é o tom pouco objetivo e pomposo ainda presente no discurso de boa parte dos políticos brasileiros. Ele teria origem, segundo os historiadores, na preferência da elite do século 19 pelo diploma de bacharel em direito, o principal passaporte para ocupar cargos públicos no país desde o Império.   
Para o gramático Ulisses Infante, ainda permanece no Brasil a falsa ideia de que o “falar e escrever difícil“ são sinônimos do uso adequado da língua. “Só recentemente alguns membros do judiciário parecem ter se dado conta de que não faz nenhum sentido escrever sentenças em um estilo indecifrável.”     

Por que somos Malandros
 


Aconteceu em 1943, após uma visita de Walt Disney, ao Brasil como parte da política de “boa vizinhança“ dos EUA que visava reforçar os laços com os sul-americanos durante a 2ª Guerra Mundial. Naquele ano, Pato Donald apresentaria um novo companheiro no filme Alô, Amigos: seu nome era Joe Carioca, para os americanos, ou Zé Carioca, para os  brasileiros, um simpático e falante papagaio. Dali em diante, a imagem do brasileiro se firmava como a de uma espécie de bom vivant tropical, cheio de ginga, que não se adaptava a empregos formais e vivia de “bicos".    
Mas, muitos anos antes de ganhar o mundo, a figura típica do “bom malandro“ já estava presente no imaginário do Brasil. A antropóloga Lilia Schwarcz pesquisadora do tema, diz que o advento do malandro está vinculado à questão racial no país. O malandro seria a figura do mulato brasileiro que dribla o preconceito e consegue uma certa ascensão social por meio de favores conquistados com ginga e simpatia.   
Antes de Zé Carioca, as desventuras do personagem Macunaíma, de Mário de Andrade, lançado em 1928, já havia revelado a essência malandra e mestiça do caráter nacional. Para o crítico  Antônio Cândido, o primeiro malandro da nossa literatura teria nascido muito tempo antes, ainda no século 19, com o personagem Leonardo Pataca, do livro Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida.   
Mas se a figura de malandro surge como estratégia criativa de sobrevivência para ex-escravos, descendentes de escravos, enfim, todos aqueles que não se transformaram em cidadãos logo após a abolição, como entender a malandragem presente também na elite nacional?  
Em 1936, o historiador Sérgio de Buarque de Holanda dedicou um dos capítulos do seu livro Raízes do Brasil ao estudo do chamado “homem cordial“, termo usado então para explicar o caráter do brasileiro. Um dos traços do brasileiro cordial  era, segundo o historiador, a propensão para sobrepor as relações familiares e pessoais às relações profissionais ou públicas. O brasileiro de certa forma, tenderia a rejeitar a impessoalidade de sistemas administrativos em que o todo é mais importante do que o indivíduo. Daí a dificuldade de encontrar homens públicos que respeitem a separação entre o público e o privado e que ponham os interesses do Estado acima das amizades. 
Para diversos pesquisadores, isso se explicaria pelo fato de que, durante boa parte da colonização do país, o Estado se confundia com a figura do senhor de engenho, do fazendeiro de café e, anteriormente, com os próprios donatários das capitanias hereditárias. Ou seja:  a decisão sobre a vida e a morte de um escravo, por exemplo, era uma decisão de cunho tão privado como a escolha do mobiliário da fazenda pelo senhor e sua família, cuja autoridade estava acima de qualquer outra lei.  
Talvez por isso, quando a amizade e o jeitinho não funcionam, é normal ouvir–se um ríspido e autoritário “Você sabe com quem está falando?“, como diz o antropólogo Roberto da Matta.  
Em seu livro Carnavais,  Malandros e  Heróis, o antropólogo descreve o dilema herdado  pelo brasileiro. De um lado, nos submetemos a um sistema de leis impessoais  cuja obediência nos países ricos nos causa inveja e admiração. Internamente, contudo encaramos essas leis, como uma espécie de estraga prazeres - e os burocratas, sabendo disso, parecem muitas vezes aplicá–las para dificultar a vida do cidadão. De outro lado, existiria o sistema da nossa “rede  de contatos“, em que impera o parentesco, amizade ou qualquer ligação  pessoal que drible a lei. Trocando em miúdos: a lei é vista – e muitas vezes aplicada  - como um castigo e para fugir desse castigo vale a malandragem, o jeitinho.   

Fonte : Revista Super - setembro de 2005 - 
A CARA DO BRASILEIRO - 
Texto:  Rodrigo Cavalcante 




A Origem Das Famílias Brasileiras      
         
Linha Africana   
                              
Famílias cujos sobrenomes são resultado da miscigenação. Exemplo: descendentes de José Dias Macedo, nascido por volta de 1751, cuja família se estabeleceu em São Paulo.
   
Linha de Batina
   
Origens que vão recair em um eclesiástico. Exemplo: descendentes do padre Joaquim de Mello Franco, nascido por volta de 1780 e ordenado em Pernambuco.
   
Linha Cristã – Nova
    
Sobrenomes adotados por judeus desde o batismo forçado à religião cristã, a partir de 1497. Exemplo: descendentes de Antônio Farto Diniz, que nasceu por volta de 1646 em Portugal e teria se estabelecido no Rio de Janeiro.
    
Linha adulterina
   
Descendentes de relações extra-conjugais. Exemplo: descendentes de Francisco Teles de Menezes, nascido em 1635, na Bahia.    

Linha de Degredo
   
Portugueses que eram mandados para o Brasil após transgredirem as normas vigentes na monarquia portuguesa. Exemplo: descendentes de Antonio de Torres, que foi condenado a ficar cinco anos no Brasil.         

Linha Indígena
    
Cujos sobrenomes não são originalmente indígenas e sim resultado da miscigenação. Exemplo: descendentes de Francisco Pinheiro Camarão, nascido na segunda metade do século 17. 
  
Linha Natural  

União não oficializada pela igreja ou em cartório. Exemplo: descendentes de José Rodrigues Simões, nascido em Pouso Alto (MG) em cerca de 1800, e de Rita Maria de Jesus, de Itajubá (MG).
    
Linha das Órfãs  da Rainha

Grupos de jovens que, protegidas da rainha Catarina, chegara à Bahia em meados do século 16 para casar com personalidades da terra. Exemplo: descendentes do casamento em 1552 na Bahia entre João Gonçalves Dormundo  e Marta de Souza Lobo.    
     
Na maior parte dos casos, não é possível determinar a linha de família se o patriarca não for conhecido, porque o mesmo sobrenome pode ter várias origens. Esse é o caso dos Paiva, que aparecem nas linhas africanas, de batina, indígena, natural e das “órfãs” da rainha.

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - “Dicionário das Famílias Brasileiras “, 
de Carlos Eduardo Barata e Cunha Bueno, 
Edição do Autor, dois volumes, 2721 pág.