terça-feira, 19 de julho de 2016

Povo Negro: entre o Racismo, o Preconceito e Luta por Liberdade


Mundo  Jovem 

Em 20 de novembro de 1695, foi assassinado Zumbi dos Palmares, ícone da resistência do povo negro  e da luta pela liberdade. Depois de tantos anos, ainda são muitos negros e negras que permanecem à margem da sociedade, sobretudo do acesso à universidade.
Diante de várias notícias de racismo e preconceito, este tema se coloca diante de nós como clamor. Além dos casos de homofobia, como a morte de João Antônio Donati, cujo corpo foi encontrado em um terreno baldio com um saco na boca, em Inhumas  (GO) , e do incêndio criminoso que atingiu o Centro de Tradições Gaúchas, em Santana do Livramento  ( RS ), motivado por um casamento coletivo em que participaria um casal gay, crescem no país as manifestações de racismo e preconceito, até mesmo em jogos de futebol. Sem tanta repercussão na mídia, o caso de uma estudante de engenharia ambiental, no Pará, ameaçada de morte em redes sociais por ser negra, revela que o preconceito está longe de ter um fim.

Racismo  não  declarado  

Conforme Douglas Belchior, blogueiro, professor nos cursinhos populares da Uneafro, precisamos fazer a leitura da realidade atual brasileira, considerando que tivemos três quartos da nossa história com escravidão, o que deixou marcas profundas na nossa mentalidade. Trata-se de um racismo estrutural, que se realimenta cotidianamente, pois é reforçado no apoio das elites econômicas, movidas pelos seus privilégios.
A partir do discurso de uma sociedade harmônica e pacífica, articularam-se fórmulas eficazes que geram barreiras para a ascensão social de negras e negros. É o racismo institucionalizado pela imprensa, pelo judiciário, pelo senso comum, pela escola, etc.  A legitimação simbólica e política desse discurso se dá pela reprodução de que vivemos numa sociedade multicultural e de que o cruzamento racial se deu a partir de bases integradores. Na realidade, porém, vivemos num país de tamanha iniquidade racial, ao ponto de se passar a responsabilizar os negros pela sua própria exclusão, alegando que, se todos são iguais, com as mesmas oportunidades, os que não “ progridem “ é porque são preguiçosos e incompetentes.

Rompendo barreiras  

A escravidão de africanos e afrodescendentes no Brasil foi o crime coletivo mais longo praticado nas Américas, e um dos mais hediondos da história. As conseqüências permanecem bem marcadas. Atualmente, em nossas cidades, 53 % dos homicídios têm como vítimas pessoas jovens. Desse contingente, 75 % são negros. Na USP, a maior universidade da América Latina, os alunos negros não ultrapassam 2 %. Para Douglas Belchior, “ como resultado disso, vemos penitenciárias ocupadas por mais negros, onde o sistema penal elege um grupo social  étnico para ser punido. Assim, a presença excessiva de negros nos espaços de privilégio também é vista com naturalidade“.
Nesse contexto, a discussão sobre as políticas de ações afirmativas e as cotas raciais precisam ser pensadas a partir do que representa o racismo na sociedade brasileira. Negros são os mais pobres dentre os pobres. As políticas de caráter universal que ignorem essas diferenças servem somente para realimentar as desigualdades. Além disso, as cotas para os negros são apenas uma parte do pagamento da enorme dívida que o Estado tem com os descendentes dos mais de três milhões de africanos trazidos à força para o Brasil  e transformados nos escravo que constituíram o país.
O sistema de cotas e a adoção do SISU ( Sistema de Seleção Unificada ) no lugar do vestibular são importantes vitórias no que diz respeito ao acesso à  Universidade no Brasil. Há  séculos, as elites consideram esse acesso um direito exclusivo daqueles que, por  “ seu mérito “,  conseguem ter bons resultados nas provas do vestibular. Entretanto, as provas não refletem as condições do ensino atual nem conseguem avaliar as capacidades de reflexão dos que tentam acessá-la, servindo apenas como mais um mecanismo que perpetua a exclusão de grande parte da juventude brasileira do ensino superior.
A partir da implantação do Exame Médio (Enem), esse quadro está se alterando. Só neste ano foram mais de 9,5 milhões de inscritos, disputando em torno de 800 mil vagas. Ou seja, assim que a juventude percebeu algumas brechas no muro que separa Universidade e sociedade, não perdeu tempo e está conquistando seu direito ao Ensino Superior público. O caminho ainda é longo para romper com o cerco do conservadorismo e dos privilégios, mas a juventude organizada está provando que, com sua luta, a conquista de direitos é uma realidade

Fonte  - Revista  de  Aparecida          págs 22 e 23          Novembro de 2014
 Mundo Jovem  ( Equipe de redação do jornal  Mundo Jovem  , Porto Alegre , RS)

Afro–descendente, com  muito  orgulho

Escrevemos esse texto sob o impacto, profundamente negativo, do artigo “Visita a Terra dos Negros" publicado nesta página, no último 24 de julho. E o fazemos para demonstrar, em poucas  linhas, que, se o indivíduo afro-brasileiro e o brasileiro em geral conhecessem um pouquinho de História da África e da afrodescendência no Brasil e no mundo, ninguém se surpreenderia ou se horrorizaria ao visitar a África de hoje, notadamente aquela parte do continente mais atingida pelo genocídio iniciado com a chegada dos europeus no século XV.
Quem se dispuser a conhecer um pouco dessa tragédia saberá que a mesma Humanidade que, hoje, justificadamente, se extasia diante de um Michelangelo, também há de se tocar com a beleza naturalista dos bronzes de Ifé e Benin, obras de autores africanos  cujos nomes, infelizmente, a História não registrou  - talvez como recurso para atribuir a extrema beleza dessas obras a artistas europeus, como já se tentou fazer sem sucesso. Como compreenderá também, por mero exemplo, a grandeza artística dos negros spirituals, canções que, segundo a melhor musicologia, produzem seu indescritível efeito pelo emprego de uma escala ( pentatônica ) completamente diversa das convencionais sequências de tons maiores e menores da música ocidental, e desconhecida na Europa até pelo menos o século XIX.
Da mesma forma, quem, em busca de conhecimento, for além do que hoje, no Brasil, oferecem as universidades e as listas de best-sellers, vai saber que, bem antes de Alexandre, no século XV a.C., o negro Tutmés III, príncipe núbio ( filho bastardo que Tutmés II levou para a corte faraônica ), quando no poder, estendeu seus domínios até a Ásia, a a era do imperialismo egípcio. Com ele, o Estado egípcio atingiu o maior momento de expansão territorial, subjugando povos e reinos até a Mesopotâmia, chegando, mesmo, à Europa mediterrânea. Assim, até as vésperas de sua morte, todos os reinos das margens do Eufrates à quarta catarata do Nilo, eram seus tributários. Cerca de 700 anos após esse Tutmés, uma dinastia de reis núbios, negros  portanto, tomou o Egito, governado-o  por cerca de 90 anos. Esse período se inicia com o faraó Piye–Piankhi, o qual, liderando uma revolução nas artes e na cultura  e, após unir as civilizações do vale do Nilo, restaurou templos e monumentos, transferindo a capital de Tebas para Napata, no atual Sudão. Noutra dimensão histórica e geográfica, vamos ver que, antes de Cristóvão Colombo, Abubakar II, imperador de Mali, adentrou o Atlântico com cerca de duzentas embarcações de pesca e chegou ao México atual, por volta de 1312.
Na mesma medida, é preciso mostrar que a ciência que pauta seu saber pelos ensinamentos de Platão, discípulo do egípcio Chonoupis de Sócrates, que estudou na cidade egípcia de Busíris; e de Aristóteles  ( “os que são excessivamente negros são covardes e isso se aplica aos egípicios e etíopes“, disse ele ) ou mesmo pelos ensinamentos do Eclesiastes bíblico, igualmente inspirado na filosofia kemética ( do antigo Egito ); essa ciência talvez pudesse guiar-se, acaso a conhecesse, pela visão de mundo contida no conjunto de muitos milhares de parábolas enfeixadas no corpo de ensinamentos do oráculo iorubano de Ifá. E mais:  os  que ainda acreditam que Hipócrates foi o “pai da Medicina“ certamente nunca ouviram falar no egípcio Imhotep. Como os admiradores de Napoleão seguramente nunca souberam do zulu Chaka, o comandante africano mais temido pelo imperialismo europeu no século XIX, por força de inovações, estratégias e armamentos que criou, até sua morte em 1828. Da mesma forma que até mesmo os cristãos mais esclarecidos certamente não sabem que o orixá Ogum é venerado, na África e nas Américas, por ser a divindade da tecnologia ( ensinou os homens a domarem o ferro ), dos negócios militares, do trabalho  e, conseqüentemente, da prosperidade e da saúde. 
Finalizando este texto  , sob a inspiração de W.E.B  Dubois  , André Rebouças  , Abdias do Nascimento , Milton Santos e outros não menos, perguntamos: o que seria da música popular que se consome hoje em escala planetária se não fosse a arte musical criada pelos afro-descendentes nos Estados Unidos, no Caribe  e no Brasil  ? 
É por tudo isso que não consideramos  “brasileiro negro“ nem “negro brasileiro“. Somos, sim, com muito orgulho da ancestralidade que cultuamos, um afro-descendente, integrante de uma maioria etnocultural num país em que, por razões que muita gente esclarecida ignora ou finge ignorar, uma parcela minoritária da população detém o poder político e econômico e manipula o conhecimento, desde sempre. E a essa minoria é mais conveniente ensinar aos jovens, nas escolas, que a proposta de se estudar a África, “ terra dos negros “ , é uma “ declaração de ignorância “

Fonte  - Jornal     -  O  GLOBO      
Agosto  de  2008     -   NEI  LOPES   é compositor 


A noite  brasileira  da  Ku Klux  Klan  

Deve–se  à Jácomo Mandato, paciente pesquisador da história de Itapira  ( SP ), o resgate de um fantástico episódio da crise social ocorrida durante a agonia da escravidão. Ele acaba de publicar o livro “Joaquim Firmino – O Mártir da Abolição“.
Joaquim Firmino de Araújo Cunha era delegado da cidade de Penha do Rio do Peixe, no interior de São Paulo. Protegia escravos fugidos. Na madrugada de 11 de fevereiro de 1888, sua casa foi invadida por uma turba recrutada pelos grandes fazendeiros da região. Sua mulher escondeu-se num forno, e a filha, num quarto. Firmino tentou fugir e foi linchado no quintal. Morreu com uma pancada na cabeça. Tinha 33 anos.
Graças à militância abolicionista de Angelo Agostini e sua “ Revista Ilustrada", o linchamento abalou a opinião pública do Rio e é possível que tenha sido um dos fatores que apressaram a abolição, assinada dois meses depois. Era um caso de  brancos matando brancos.
O linchamento de Firmino foi comandado por um médico americano casado numa das grandes famílias da região ( os Cintra ). Chamava-se James Warne, vulgo “Boi. Viera para o Brasil em 1865, aos 23 anos, depois da derrota do Sul na Guerra Civil americana. Enquanto arrebanhava fazendeiros e capangas, Warne dizia que os brasileiros têm “sangue de barata“, pois em qualquer lugar do mundo a fuga dos escravos provocaria uma revolução. Depois de matar Firmino, a turba depredou duas residências, cujos donos fugiram, um para a casa de uma preta liberta e outro para a do padre. Warne transplantara para o Brasil os métodos da Ku Klux Klan. Sua turba reuniu cerca de 200  pessoas. 

FONTE: FOLHA DE SÃO PAULO

Contra  a  discriminação Digital 
Congresso sobre a internet  na Universidade de Harvard debate meios 
de  combate a essa irmã gêmea igualmente horrenda do racismo

Esta semana, enquanto a internet discutia se #somos dos macacos ou #somos dos bananas, um pequeno grupo muito especial de pessoas, reunidas sob os auspícios da UNICEF no Berkman Center for Internet & Society, da Universidade de Harvard, aprofundava a questão: o que é que se pode fazer, efetivamente, para acabar com a discriminação, essa irmã gêmea igualmente horrenda do racismo? Como dar vez às comunidades carentes, às favelas, às tribos, às áreas mais frágeis da sociedade  ? 
Todos sabemos que é conversando que a gente se entende - mas, para que esse entendimento seja possível, é preciso, antes, que a conversa se dê em pé de igualdade, e que todos sejam ouvidos. Nisso, infelizmente, o universo digital ainda deixa tanto a desejar quanto ao mundo em que ( fisicamente ) vivemos. Basta lembrar que boa parte do planeta ainda não tem acesso à internet, e que ter este acesso é apenas um primeiro passo.
O Digitally  Connected reuniu pesquisadores, ativistas e jovens comunicadores de diversos países para pensar sobre como melhorar e democratizar o uso da internet para quem mais precisa dela.
O Brasil foi representado por Rene Silva, que criou o jornalzinho  “Voz da comunidade“ no Complexo do Alemão quando era criança, e que hoje, aos 21 anos, já tem larga experiência em comunicação, e por Paulo Rogério Nunes, do Instituto Média Étnica, uma organização modelar no combate ao racismo na mídia. Paulo Rogério é editor do “ Correio Nagô “ , blog de notícias dedicadas a diversidade e direitos humanos. Ele escreve para a revista “America s Quaterlysobre inclusão social no Brasil. Paulo está testando , com jovens quilombolas da Ilha da Maré  , na Bahia, uma tecnologia chamada VOJO, que prescinde de samartphones, computadores ou tablets para o acesso à internet. Conversei com ele, por email , sobre o Digitally Connected: valeu  a pena  ? 
Foi muito positivo“ , avaliou  . “ Saímos com muitos contato e idéias. No caso do VOJO, estamos tentando envolver pesquisadores do MIT e de Harvard, bem como fazer cooperação com outros países: já estamos em contato com grupos que trabalham na Colômbia e na Etiópia. A ideia também nacionalizar o projeto, tornando a ferramenta disponível a outras comunidades, especialmente rurais e discriminadas.
Um dos grandes problemas do mundo  digital é a assimetria nas relações entre o que hoje se denomina Norte global, a parte teoricamente mais desenvolvida do planeta, e Sul global, a sua contraparte ainda em desenvolvimento.
”O evento discutiu com criar relações mais simétricas, a partir da ideia de que há muitas tecnologias criadas no Sul global que são mais representativas  , e que podem ser usadas em países com problemas similares“, observa Paulo Rogério. “ No caso VOJO, a tecnologia não foi desenvolvida no Sul  , mas está sendo adaptada aqui, e a ideia é que o Brasil seja o país a liderar o seu desenvolvimento".
Outro problema: não basta dar às pessoas a oportunidade de falarem. É preciso lhes dar condições de serem ouvidas. Como resolver isso   ?
“ Em relação ao VOJO, a ideia é  , justamente  , fazer com que as histórias sejam ouvidas  . Estamos trabalhando para que rádios comunitárias e públicas, e a mídia de modo geral, tenham acesso a esses conteúdos e escrevam histórias a respeito".
Que ninguém espere lendas ou conto de fadas: o que a parte esquecida da Humanidade tem para contar são histórias de desastres ambientais, de remoções forçadas, de desigualdade racial e de violência de todos os tipos

Fonte    -  Jornal    -   O  GLOBO      pág 22        Digital 
                         22/05/2014  –  Sociedade CORA  RÓNAI 

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