Tradição lusitana mantém fiéis adeptos
Em uma cidade como São Paulo , por exemplo ,sobreviveram enquanto a classe média morou em casas térreas , os vizinhos se conheciam e ainda sentiam necessidade de conviver e se divertir juntos . A aristo-cracia europeizada nunca se revelou afeita a um chapéu a um chapéu de palha . Hoje , as comemorações juninas paulistanas se restringem aos pátios das escolas e áreas de lazer dos condomínios . Só conhece o que é uma festa de verdade quem visita, nesta época do ano , entre outras localidades , Guaratinguetá , Lorena e Roseira ,em São Paulo ; Mossoró e Assu , no Rio Grande do Norte ;Campina Grande,na Paraíba ; e Caruaru , em Pernambuco .
Manifestação cultural altamente expressiva ,arraigada à alma nacional ,a alegria ,junina aportou no Brasil a bordo das caravelas lusitanas .Continua a se manifestar em Portugal ,especialmente no norte do país Um de seus momentos supremos é a fogueira . Instalou-se aqui no início da colonização . No século 16 ,o jesuíta por-tuguês Fernão Cardim ( 1540 – 1625 ) - inicialmente reitor dos colégios de sua ordem na Bahia e no Rio de Janeiro ,depois seu provincial , e autor de obras importantes sobre os primórdios nacionais , notada-mente do tratado da Terra e Gente do Brasil - hierarquizou o prestígio das festas transmitidas aos índios e descreveu o encantamento provocado pelas labaredas joaninas . “ A primeira é a fogueira de São João Batista , porque suas aldeias ardem em fogos e , saltarem as fogueiras , não estorva a roupa , ainda que algumas vezes chamusquem o couro “ , disse ele . Três devoções presidem as comemorações do Mês : Santo Antônio , celebrado a 13 de junho ; 24 de São João Batista e dia 29 de São Pedro .
Mas a fogueira está intimamente um deles .Embora fosse um pregador moralista , ascético e veemente , que se alimentava frugalmente no deserto de São João Batista é festejado ruidosamente com danças , cantos , foguetes ,comilanças ,bebidas e adivinhações de conteúdo picante .Portanto , fica difícil entender da homena-gem flamejante que lhe prestam . Filho de Zacarias e Isabel , batizou Jesus no Rio Jordão e o apontou ao mundo como o esperado Messias .
Por isso ,é o único santo cuja data de nascimento é comemorada - e não a da morte , como os demais . De-nunciou publicamente a vida adútera de Herodes Antipas , tetrarca da Galiléia , foi por ele encarcerado na fortaleza de Maquereronte e, a seguir , decapitado a pedido de Salomé , que encantava o soberano com danças sensuais .
A tradição diz que a mãe de São João Batista anunciou seu filho à prima Maria , mãe de Jesus , com uma enorme fogueira - e o fato explicaria as chamas juninas . A Bíblia o associa uma única vez às labaredas .No Evangelho de São Lucas ( 3: 17 ) ,ele avisa que Jesus trará ao mundo o espírito Santo , para salvar a huma-nidade , e o fogo , para salvar a humanidade , e o fogo , para juízo e condenação . Fora isso , não há mais nada .Assim , é provável que o Santo da fogueira tenha sido vítima do calendário pagão , ou melhor , pré - cristão . " Sua festa , coincide com o solstício de verão ( de inverno para a América do Sul ) , quando as populações do campo festejavam a proximidade das colheitas e faziam sacrifícios para afastar os demônios da esterilidade, as pestes dos cereais , as estiagens , etc , " escreveu Luís da Câmara Cascudo , no mara-vilhoso Diconário do Folclore Brasileiro ( Global Editora , São Paulo , traição 2001). Segundo o mestre da nossa cultura popular ,o mundo inteiro conheceu essa tradição " de acender fogueiras nos lugares altos e mesmo nas planíicies , as danças , ao redor do fogo ,os saltos sobre as chamas , todas as alegrias do con-vívio e dos anúncios de meses abundantes " ,Câmara Cascudo observa que os deuses homenageados eram vários , " mas a época é a mesma para a Europa , Ásia e África .
Come-se -se bastante em volta da fogueira de São João e o cardápio varia um pouco o Brasil afora . Mas nos limitaremos ao elenco do Sudeste .O primeiro item do cardápio do Sudeste é o quentão de pinga ,be-bida liberadora das probições , juntamente com cachaça .Destacam-se ainda o pé-de-moleque ,um doce açucarado feito com o amendoim que acabou de ser colhido ,a canjica de leite ,também elaborada com amen-doim torrado e coco ralado ; o furrundum , à base de cidra , melado grosso de rapa-dura e pedaços de gen-gibre , e todo o elenco de delícias à base de milho , que vai da pastosa pamonha aos apetitosos bolos , seja de fubá ou milho ) verde , um dos quais batizado " de São João " . Isso sem esquecer o pinhão e o porco assado , habitualmente pururuca , com a pele , tentadoramente estaladiça . Comendo , bebendo e dançando , faz-se barulho à vontade , mas o certo seria evitar a algazarra . Segundo o povo , o santo dorme durante o dia que lhe é dedicado .Caso despertasse , São João Batista desceria do céu a fim de acompanhar a festa - e o mundo acabaria em fogo . Graças a Deus , isso nunca aconteceu .
Fonte - Jornal O ESTADO DE SÃO PAULO - pág D 3 Data - Sexta - feira , 18 de Junho de 2004 -J. A DIAS LOPES