Nascido numa aldeia florentina, ele foi muito além
Do ofício de um pintor: pode fazer milagres
O pintor que virou santo
Seu nome foi gradativamente mudando, à medida que aumentava a habilidade de seu pincel e a espiritualidade de sua arte. Ao nascer, em 1440, em Vicchio do Magnelo, aldeia do norte de Florença, ganhou o nome de Guido da Pietro. Ao entrar como noviço para o Convento de São Domingo, em Fiésole, perto de Florença, passou a chamar Fra Giovanni da Fiesoli. E, quando se dedicou a pintura de madonas e anjos o povo começou a chamá-lo de Fra Angélico – enquanto o mesmo nome lhe era dado pelos que ouviam suas pregações, em homenagem a Santo Tomás de Aquino, o Doutor Angélico, Giorgio Vasari, pintor e amigo de Miguel Ângelo, assim escreveu livro sobres os artistas italianos, cuja primeira edição foi em 1538: (“Fra Angélico") renunciou a todas as tentações do mundo, viveu em pobreza e santidade. Este santo frade era tão humilde e modesto em sua conversação, tão dedicado à sua pintura que seus santos pareciam mais santos. Não retocava seus quadros e os fazia tal qual tinham saído de suas mãos na primeira intenção... Benzia-se e orava ante de começar uma obra... “Vasari, ao que parece, descreveu com precisão - embora um século depois da morte do pintor-frade , em 1455 - as razões que levaram Fra Angélico à santidade.
A pintura desse humilde dominicano que foi prior do Convento de São Marcos em Florença significa a grande ponte que começava a existir entre realismo humanista de Giotto - o fundador da pintura renascentista – e o humanismo idealista do renascimento italiano, herdado dos clássicos gregos. Posterior a Massacio, a religiosidade de Fra Angélico é menos dramática, menos humana, mais celestial. Nas têmperas e afrescos de Fra Angélico ainda há simetria bilateral e perspectiva cavaleira ( em lugar da perspectiva linear ) típica do gótico. Como no gótico internacional do final da Idade Média - o gótico cortesão - em Fra Angélico ( como Simoni di Martini, um sienês ) existem os dourados do fundo, as gentis madonas de graça cortesã assistindo o Filho com gestos suaves de figura nobre. A ingenuidade e o requinte se misturam na arte piedosa desse frade amante da meditação e da oração. No grande painel do Juízo Final, pintado para a capela do Convento de São Marcos, Florença ( hoje convertido em Museu de São Marcos ), o Cristo surge ao alto, na grande oval do centro, cercado de anjos e irradiando luz em seus raios dourados. Ele é belo e impassível como um Apolo e julga ao lado de sua Mãe e de São João Batista, assistido por uma assembléia de Santos. Toda essa cena, majestosa e calma, parece tratar o Juízo Final como um tranqüilo e belo espetáculo. Os justos ( à direita de Cristo ) brincam infantilmente de roda, no ritmo de uma ciranda celeste. Outros rezam e contemplam a Glória de Deus. À esquerda de Cristo ( a sinistra, como diziam os italianos, referindo-se à mão divina que renegava os pecadores ) os maus são empurrados por demônios negros para o inferno, onde depois sofrerão seu malefícios. É um Juízo Final bem a maneira de Fra Angélico, um julgamento divino, mas não aterrorizante. É um magnífico e multicolor show do bem e do mal. Até hoje, as obras de Fra Angélico – como a da maioria dos pintores do Quatrocento – conservam a vivacidade e o brilho de suas cores. Elas parecem ter sido feitas ontem, tal a maestria da técnica aplicada. Fra Angélico esteve em Roma de 1445 a 1447, pintando a capela Nicolina no Vaticano a convite do papa, cidade onde morreu. Seu maior continuador foi Piero Della Francesca, que deu mais um passo à pintura religiosa ao Renascimento. Em fevereiro deu-se um caso único na história da Igreja e na da arte. Um frade domenicano leu, na Basílica de São Pedro do Vaticano, a bula do Papa João Paulo II que oficializava o nome de beato um dos maiores frades – pintores do século XV, na Itália.
Agora, esse genial pintor toscano, autor de suaves madonas, de paraísos floridos e de anjos graciosos - que tratou com reverenciosa humildade a arte, Cristo e sua mãe - , já merece a própria imagem honrando um altar. E os pintores ganharam um colega no céu.
Fonte - Revista FATOS E FOTOS nº 1182
Ano XXI - 1984 - Flavio de Aquino
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