CIÊNCIA
Estudos mostram que colonização deve ter sido mais complexa do que se pensava
Quem foram os primeiros americanos? Esta pergunta pode ter várias respostas, dependendo de que fonte de informação for usada para reconstruir o passado. Para explorar a biologia e filogenia de populações pré – históricas, pode-se usar duas fontes de informação: os genes das populações descendentes delas ou os seus restos físicos, os esqueletos fossilizados.
Os genes, por meio dos seus diversos marcadores, nos informam sobre as relações de parentesco entre populações e, por meio dessas relações, junto com os diferentes níveis de diversidade, próprios de cada grupo, pode-se fazer interferências históricas a respeito de quanto tempo teria transcorrido desde a separação das populações.
Porém os genes nada podem nos dizer sobre as adaptações físicas das populações no passado, suas características morfológicas , seu estado de nutrição, a velocidade com que as crianças cresciam, ou a idade com que os velhos morriam. Todas essas informações incríveis sobre populações pré-históricas estão contidas nos fósseis.
Mas vamos voltar à pergunta inicial. Quem foram os primeiros americanos? Um número grande arqueólogos argumenta há muitos anos que a identidade dos primeiros grupos humanos a ocupar as Américas é a da cultura chamada Clóvis, que teria chegado à América do Norte cerca de 11.500 anos atrás por uma ponte de terra que unia o Alasca à Sibéria.
Em 1986, três pesquisadores, J. Greenberg, da Universidade Stanford, C.G Turner , da Universidade Estadual de Arizona e S. Zegura , Universidade do Arizona, formularam um modelo que propôs a que a América teria sido colonizada por três ondas migratórias.
A primeira, de uma população de paleoíndios Clóvis, relacionada aos habitantes do nordeste asiático ( norte da China, Coréia, Japão ), que teria sido dado origem a todas as tribos indígenas da América do Sul, Central e grande parte daquelas da América do Norte.
A segunda migração teria originado o grupo de tribos que hoje falam as línguas Na-Dene, nômades da região do noroeste da América do Norte. Por último, uma terceira migração teria dado origem aos esquimós da região periártica.
Ao longo dos anos, diversos sítios arqueológicos supostamente mais antigos que os 11.500 anos do começo da cultura Clóvis foram achados e descritos, principalmente na América do Sul.
Mas em nenhum caso foi possível esclarecer todas as dúvidas sobre a qualidade da datação e/ou a qualidade dos artefatos líticos como indicadores da presença humana, e a data de entrada ao redor de 11.500 anos atrás se manteve.
Essa situação mudou nos últimos anos. Um exame minucioso de toda a evidência proveniente do sítio de Monte Verde ( Chile ), foi aceita por diversos arqueólogos como prova de que grupos de caçadores habitaram a América do Sul 12.500 anos atrás. Essa data pode não parecer significativamente discordante dos 11.500 anos da cultura Clóvis, mas seu significado é imenso.
Por um lado, aumenta a janela do tempo da entrada na América para um período entre 15 mil e 14 mil anos até 11.500, quando os grupos Clóvis entraram. Segundo, leva a questão de por que não encontramos restos desses primeiros imigrantes na América do Norte, por onde eles devem ter necessariamente passado. Por último, as datas indicam que mais de uma população teria feito a travessia da Sibéria para a América, o que levanta questões sobre a identidade dos ancestrais dos ameríndios e sobre a unidade biológica.
Sítios arqueológicos como Monte Verde são importantíssimos para estabelecer os horizontes cronológicos e a diversidade cultural das primeiras populações americanas. No entanto, é por meio dos fósseis que as questões de afinidade e diversidade biológica desses primeiros grupos estão sendo exploradas, e os dados paleontológicos estão sendo significativos para a mudança da teoria sobre os primeiros povos da América.
Dois grupos de pesquisas, dirigidos por G. Steele, nos EUA, e por W . Neves, no Brasil, têm reexaminado e analisado estatisticamente a evidência fóssil dos paleoíndios.
Eles constataram que os primeiros americanos não possuíam características típicas dos povos mongolóides, observadas em populações do nordeste asiático e nos índios americanos atuais.
Ambos chegaram a conclusões semelhantes: os paleoíndios se originaram de uma população generalizada na Ásia, ou seja, de um grupo que ainda não teria se especializado morfologicamente na direção mongolóide.
Os resultados foram apoiados por dois estudos da morfologia dentária de fósseis paleoíndios, levados a cabo por J. Powell , dos EUA , e R . Haydenblit , de Israel, que mostraram que os fósseis apresentam um padrão morfológico distinto daquele que C. Turner encontrou nos índios atuais ( que é o mesmo dos chineses, coreanos e japoneses ), já que os paleoíndios se assemelham aos grupos que hoje habitam o sudoeste asiático. Meus estudos sobre a evolução das populações humanas modernas na Ásia mostram que teria havido , entre 20 mil e 10 mil anos atrás, vários grupos na região próxima à Sibéria que poderiam ter sido ancestrais dos paleoíndios.
Porém, um fóssil encontrado no ano passado em Kennewick, no Estado de Washington, juntamente com um estudo de R. Jantz da Universidade do Tennessee, sobre o material fóssil de Paleoindian Spirit Cave Mummy, nos dão uma indicação de quão complexa a colonização da América deve ter sido. A interpretação morfológica de ambos os indivíduos, examinados por diversos pesquisadores, é inequívoca: os fósseis têm maior afinidade com populações caucasianas do que com mongolóides.
Todos esses dados sugerem que deve ter existido, em algum momento do Pleistoceno tardio, uma população de origem caucasiana ao longo do norte da Eurásia e, possivelmente, noroeste da América.
Esses dados fornecem duas evidências importantes. Por um lado, confirmam mais uma vez as diferenças observadas entre os paleoíndios e os índios recentes. Por outro, indicam que é provável que não uma ou duas populações entraram na América entre 15 mil e 10 mil anos atrás, mas várias.
Além do fascínio que despertam cada vez que novos insights surgem no estudo da evolução humana, os novos achados ressaltam a importância de conjugar fontes de informação.
A genética e, até certo ponto, a lingüística histórica dos povos hoje existentes têm nos permitido reconstruir o processo histórico de diferenciação das populações da Terra. Porém, esses dados só podem reconstruir a história dos sobreviventes do processo evolutivo.
A história completa tem de incluir aqueles grupos que, por razões diversas, não deixaram descendentes, mas que, certamente, tiveram o seu papel nos processos de colonização dos continentes e diferenciação dos povos.
A história dessas populações, como os nossos paleoíndios, provém da informação contida nos fósseis.
Fonte - Jornal FOLHA DE SÃO PAULO mais ! 5
Domingo , 15 de junho de 1997 pág 7
Marta Mirazon Lahr é antropóloga biológica do Instituto de Bioiências da USP e autora do livro "The Evolution of Modern Human Diversity" (Cambridg University Press)
OS NATIVOS REMANESCENTES
Censo informa que há 715.000 índios no Brasil hoje, um crescimento notável em relação aos 200.000 da metade do século XX. Mas nem por isso a situação é boa.
A POPULAÇÃO indígena do país é semelhante à de João Pessoa , capital da Paraíba. São 715.213 indivíduos, separados em 252 culturas, que habitam 705 áreas demarcadas para eles. Os números vieram a público na semana passada, com a divulgação do censo Povos Indígenas do Brasil, apelidado de Pibão, uma pesquisa publicada pelo Instituto Socioambiental ( ISA ), ONG brasileira dedicada à proteção dos povos nativos, que chega à sua 12ª edição. O Pibão apresenta um mapa completo dessas comunidades. O primeiro Pibão data de 1980. Até 1994, ele era realizado por entidades religiosas; só depois disso é que passou para o ISA. Trata-se de um material preciso e precioso, que, por sua confiabilidade, pode servir de base para a aplicação de políticas voltadas às causas indígenas.
O MAPA DAS TRIBOS
O censo do Instituto Socioambiental apresentou o mais completo levantamento de números acerca da situação dos indígenas no Brasil. Os dados, muitas vezes, divergem de fontes oficiais, como o IBGE por ser mais precisos
715.213 - é a população indígena do país
pelo IBGE são 896.917
ONDE MORAM
13,77 % do território nacional é dedicado às reservas
A maior delas, da etnia ianomâmi, ocupa 9 milhões de hectares na divisa entre os estados do Amazonas e Roraima e se estende até a Venezuela
42,3% do total de índios não vive mais em áreas indígenas
QUEM SÃO ELES
252 é total de povos listados - pelo IBGE são 305
25 desses têm população de no máximo 100 pessoas
78 agrupam entre 101 e 500
42 reúnem entre 501 e 1000
74 apresentam de 1001 a 5000
26 ultrapassam 5000
7 contam com um número desconhecido de indivíduos
AS LÍNGUAS QUE FALAM
150 é a estimativa da quantidade de dialetos das tribos
250 é a média de falantes por língua
37,4% dos indígenas falam seu idioma nativo
17,5% não são versados em português
Não é pouco. Freqüentemente, as informações sobre índios no Brasil são dispersas – e confiantes. O Pibão mostra como até mesmo as fontes oficiais não estão imunes a dúvidas. alguns dos números apresentados pelo levantamento do ISA não coincidem com os do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística( IBGE ).Um exemplo: enquanto o Pibão identificou cerca de 700.000 indígenas no país , o governo apontava existência de quase 900.000. A disparidade desse e de outros resultados se explica pelo fato de a ONG considerar na conta apenas os indivíduos indicados pelas tribos como pertencentes a elas. Já o IBGE contabiliza qualquer brasileiro que se identifique como integrante de um dos povos nativos. Essa diferença relativiza a informação divulgada pelo governo de que, entre 1991 e 2010, teria havido um crescimento de 205 % na população indígena. O aumento teria sido 20% menor.
Reduzido à dimensão de uma cidade de médio porte , o contingente de índios brasileiros já foi de 4 milhões, representando um total de 1000 povos. Isso no século XVI. Na primeira metade do século XX, esse número havia caído para 200.000 índios, dizimados por conflitos com o homem branco. Um esforço de conscientização, que se reflete na demarcação de reservas ao longo das últimas décadas, levou à volta do crescimento da população nativa. Apenas entre 2011 e 2016, 21 novas áreas indígenas foram homologadas - juntas, somam mais de 3 milhões de hectares. Vinte delas se localizam na Amazônia, enquanto a outro está no litoral do Estado de São Paulo . Hoje , 13,77 % do território nacional é dedicado às aldeias.
Em teoria, ainda existem 07 regiões povoadas pelos nativos que não foram delimitadas oficialmente; continuam, portanto, desprotegidas – o que leva a confrontos com fazendeiros e grileiros. O Pibão também destaca não cessaram as lutas para preservar as terras já demarcadas. O levantamento detalha, por exemplo, o impacto da construção da Usina Hidroelétrica de Belo Monte , no Pará, e do desastre em Mariana , em Minas Gerais - a maior tragédia ambiental da história nacional, que, em 2015 cobriu de rejeitos de extração de ferro municípios ao redor do rio Doce, inclusive ocupações de tribos. Em entrevista concedida ao livro ISA, o ambientalista Ailton Krenak , da aldeia crenaque, um dos principais líderes da causa indígena brasileira, observou: “ Esse evento ( o desastre em Mariana ) denuncia um quadro global , no qual paisagens , territórios e comunidades humanas fazem parte de um pacote que grandes corporações , continuam tratando como material descartável “ . O cenário não promete melhorar, ao menos a curto prazo. Tome-se a situação da Fundação Nacional do Índio ( FUNAI), órgão responsável pela proteção das comunidades indígenas. Entre 2011 e 2016, a instituição trocou de presidente oito vezes. E começou 2016, como ressalta o Pibão, com o orçamento minguado o menor em quatro anos.
Milhões de reais ( 24 % a menos que no ano anterior ). Como conseqüência, a FUNAI operava no ano passado com apenas 36 % do total de servidores que, em tese, deveria possuir.
Fonte - Revista págs 96 , 97
26/04/2017 JENNIFER ANN THOMAS
Autor recupera os rastros da escravidão
Edward Ball refaz o caminho dos escravos que
chegaram com seu ancestral aos EUA
Muito antes de sua publicação, este livro formidável causou sensação. Desde que William Faulkner escreveu sua obra prima de 1936. Absalom , Absalom !, nenhum outro escritor havia conseguido empreender uma expedição tão pungente às raízes sombrias e frutos amargos da escravidão na América.
Em 1698, um jovem inglês chamado Elias “ Red Cap “ ( tampa vermelha, apelido de pessoas ruivas ) Ball chegou à Carolina do Sul para tomar posse de um modesto pedaço de terra que havia recebido como herança , trazendo com ele 25 escravos africanos para fazer o trabalho pesado do cultivo de arroz. Durante as seis gerações seguintes, os descendentes de Red Cap proliferaram em número e riqueza, enquanto os escravos proliferaram apenas em número. Na época da Guerra Civil, cerca de 4 mil escravos haviam trabalhado como burros de carga nas vastas plantações dos Balls. Quando a guerra acabou, os Balls foram destituídos de sua propriedade e os escravos espalhados pelo país. Hoje, seus descendentes podem chegar a 100 mil.
Trabalhando diante do pano-de-fundo deste “ crime “ generacional, Edward Ball, reconstruiu em Slaves in the Family ( Farrar, Straus & Giroux, 489 páginas, US$ 30 ) uma história quase apagada pelo tempo e pelos mitos. Seu raciocínio foi simples: “ Seria um erro dizer que eu me sinto culpado pelo passado . Uma pessoa não pode assumir a culpa pelos atos de outras, que já morreram há muito tempo... A herança do cultivo não era 'nossa' como uma propriedade, 'deles', nenhum deles, das famílias negras, mas uma história compartilhada. Nós estivemos nas vidas uns dos outros. Nós estivemos nos sonhos uns dos outros. Nós estivemos nas camas uns dos outros... Eu achei que deveríamos nos encontrar, compartilhar nossas lembranças, sentimentos e sonhos, e tornar a história inteira. “
O autor percebeu rapidamente que lendas familiares de proprietários de escravos bonzinhos e generosos eram mitologia pura e simplesmente. Ao invés disso, ele encontrou entre seus ancestrais uma ampla distribuição de “ maus “ benevolentes , tiranos cruéis e até mesmo uma mulher que fugiu para Nova York porque não conseguiu suportar de ser a opressora.
Também não foi uma surpresa quando Ball começou a descobrir evidências irrefutáveis de que o sangue dos escravos e proprietários inevitavelmente começou a se misturar através dos séculos.
Tradição Oral - O autor-viajante descobriu uma rica mina de conhecimento escrito de seus ancestrais mas, surpreendentemente, encontrou um filão igualmente farto na tradição oral dos escravos, cuidadosamente preservada. Ele conseguiu até mesmo rastrear uma linhagem de escravos até uma tal de “ Angola Amy “, uma menina trazida para a América no início do século 18 pelo velho “Red Cap“ Ball.
Conforme o autor escalava os galhos das árvores genealógicas, enfrentava todo o espectro de emoções humanas entre as pessoas cujos ancestrais eram propriedade de seus ancestrais e eram, em muitos casos, seus primos distantes. Ele encontrou generosidade, desconfiança e, às vezes, rancor explícito, mas perseverou.
No epílogo , há uma surpresa precedida por muito suspense . como um homem obcecado, Ball vai à África para procurar os descendentes dos africanos que venderam seus companheiros tribais . Notavelmente, ele encontrou um bom número deles, e houve encontros tensos quando ele confrontou a nobreza africana atual, cuja opulência em meio à miséria demonstra que eles, também, gozam dos frutos do comércio maligno até hoje.
No fim há um ritual no qual os culpados, negros e brancos, realizam um ato de contrição curiosamente simbólico às margens de um remoto riacho na África, onde os cativos eram colocados em barcos para sua viagem para um novo mundo e uma nova história. Quem dera que este ato de absolvição realmente fosse o fim desta triste história. (Tradução de Maria Brant )
Fonte - Jornal O ESTADO DE SÃO PAULO pág D 3
Domingo , 14/06/1998 Especial - Livros
MELHORES LANÇAMENTOS INTERNACIONAIS - RAY JENKINS ( The Baltimore Sun )