O neurocientista Miguel Nicolelis desenvolve uma
Teoria para explicar a genialidade de Pelé em campo
A partir do fim dos anos 60, seguindo os conselhos do mais fanático palmeirense que eu conheci, o inesquecível Tio Dema, o futebol passou a ocupar uma parte essencial da minha vida. Ao longo dessas décadas dedicadas à profissão de torcedor fissurado, muitos momentos também inesquecíveis, passados nas arquibancadas de estádios pelo mundo afora ou à frente de uma TV ( ou computador, nos últimos anos ), marcaram também minha carreira de cientista.
Quando, no ano 2000 , o editor da revista científica inglesa Nature pediu que eu iniciasse um artigo com alguma descrição que instigasse a imaginação dos leitores sobre as maravilhas que o cérebro humano é capaz de realizar, não hesitei um milissegundo. No primeiro parágrafo daquele que se tornou um dos meus artigos mais citados na literatura neurocientífica, narrei, em muitos detalhes, a jogada que originou o primeiro gol da seleção brasileira contra a Itália na final da Copa do Mundo de 1970, no México.
Numa outra ocasião, durante a abertura de uma palestra no Instituto Max Planck, na cidade alemã de Tübingen, três dias depois da vitória da seleção carinho na Copa do Mundo se 2002, na Coréia do Sul e no Japão, simplesmente não pude me conter mais uma vez. Contrariando o apelo aflito do meu filho mais velho, presente na platéia, não tive dúvida em abrir minha aula, num auditório lotado de neurocientistas alemãs sisudos, com uma imagem mostrando o esforço em vão do goleiro alemão Oliver Kahn, tentando se esticar todo para impedir mais um gol do fulminante ataque brasileiro. O título do slide era: I Kahn t get it ! Para minha total surpresa, assim que a imagem foi projetada, toda a platéia germânica veio abaixo - no bom sentido - e muitos desses colegas, até hoje , se lembram daquela provocação com bom humor.
Entre todas as histórias e emoções desfrutadas nessa minha carreira paralela de torcedor profissional , poucas se comparam ao privilégio de poder testemunhar, sempre ao lado do Tio Dema , em tardes passadas nas arquibancadas do antigo Parque Antártica ou no charmoso Estádio Municipal do Pacaembu, os embates épicos entre as várias Academias palmeirenses e o Santos de Pelé, disparado o melhor jogador de futebol de todos os tempos , pelo menos deste lado da Via Láctea.
Embora todos os clássicos do então glamouroso Campeonato Paulista fossem eventos esperados com grande antecipação , nada se comparava , ao menos para mim, à expectativa de estar presente num jogo em que o Rei do Futebol desfilaria pelo gramado, perseguido por todos os cantos pelo infatigável Dudu, tentando , a cada momento , superar em elegância e eficiência o também extra-terrestre Ademir “ Divino “ da Guia.
Apesar de ser palmeirense até a última célula do corpo e torcer em cada jogo desesperadamente pela vitória do esquadrão alviverde, havia algo muito especial em visualizar aquela libertação de ferocidade e destreza motora que o furacão cinemático chamado Pelé realizava ao longo de um prélio. Enquanto antes da partida ele parecia uma pessoa comum, dando entrevistas no gramado, bastava que o apito inicial soasse para que todos no estádio entendessem instantaneamente por que aquele homem fora apelidado com o nome de um vulcão do Caribe.
Erupção de dribles , arrancadas e gingas
Anos depois, provavelmente devido à incomparável popularidade adquirida pelo número 10 santista em todo o sistema solar, o mesmo nome , Pelé , seria dado ao acidente geográfico mais exuberante da lua de Júpiter chamada Io. Nos campos de Io, Pelé até hoje pode ser claramente identificado como uma erupção vulcânica continua, de alta velocidade , que espalha lava e fumaça , sem cessar , por mais de 3000 quilômetros ao seu redor, definindo o ponto mais atraente daquele satélite. Sem tirar nem pôr, esse era o efeito Pelé terrestre. Uma erupção contínua de movimentos, de dribles arrancadas, gingas e, sobretudo, de chutes mortais, com cada uma ou ambas as pernas; no chão ou no ar, de pé ou de cabeça para baixo, bem no meio de uma de suas bicicletas que desafiavam a gravidade e faziam todo um estádio ficar sem ar.
O desejo de marcar gols era tão obsessivo e compulsivo nesse vulcão brasileiro que tudo que as leis da física permitem Pelé realizou para chegar ao objetivo; até tabelar com as pernas dos adversários. Revendo filmes daqueles tempos, é assombroso confirmar as inúmeras vezes que Pelé, não tendo alternativa, em vez de desistir de passar a bola , achava uma forma de recrutar seus marcadores para que esses, involuntariamente, o ajudassem a abrir um caminho rumo ao gol. Não é exagero especular que , se houvesse um prêmio de melhor jogador do mundo naquela época , Pelé o teria ganho , ininterruptamente , de 1958 a 1973. E não me venham com Messi ou Maradona. Como Pelé não houve, não há jamais existirá.
Quem viveu e viu sabe . Ponto final .
E todos os malabarismos e desafios à lógica que eu presenciei Pelé fazer em campo, a característica que mais me marcou foi verificar , jogo após jogo , como a bola parecia , sem hesitação , grudar em seus pés , e , dali para a frente , se recusar a se separar daquele que a tratava como ninguém mais era capaz. Curiosamente, anos depois, um dia eu deparei com uma gravação realizada pela rádio inglesa BBC durante um amistoso Brasil x Inglaterra, disputado no Maracanã, 30 de maio de 1964. Durante aquele verdadeiro massacre futebolístico ( 5x1 ) imposto pelos então bicampeões mundiais aos futuros campeões do mundo, o lance do primeiro gol brasileiro desnorteou o locutor da BBC a ponto de levá-lo a dizer que Pelé realmente não devia ser deste universo. Nesse lance, depois de driblar vários ingleses. Pelé tenta o chute ao gol . Caprichosamente, a bola bate num defensor e retorna. Para onde ? Ora, para o mesmo pé de Pelé, que , imediatamente, para o desespero do locutor britânico, coloca Rinaldo ( então ponta-esquerda do Palmeiras ) na cara do gol. Mais tarde, Pelé daria outro passe de gênio para o ícone alviverde Julinho Botelho marcasse mais um gol para o Brasil. Segundo o locutor da BBC, todas essas jogadas fenomenais refletiam o fato inegável de que “ a bola não larga do pé de Pelé simplesmente porque ela faz parte dele ! “
Objetos como extensão do corpo
Meio século depois daquele jogo histórico, em todas as minhas palestras pelo mundo afora, é esse exemplo que uso para descrever como nosso cérebro de primata assimila todas as ferramentas que cada um de nós utiliza no cotidiano - nossos carros, nossos telefones, nossas roupas, raquetes , bolas etc . – como uma verdadeira extensão do nosso corpo biológico. Levado ao limite da sua capacidade de assimilação , nosso cérebro permite que alguns de nós atinjamos graus impressionantes de proficiência no manuseio de ferramentas artificiais e objetos inanimados. Muito provavelmente é dessa voracidade cerebral em assimilar tudo ao seu redor que emergem os exímios violonistas, pianistas e também craques de futebol , esses heróis populares que nos permitem manter por toda uma vida , ainda que tenuamente, laços quase imemoriais com nossa infância e juventude.
É por isso que, ao terminar minhas palestras , sempre gosto de frisar que , se um dia alguém tivesse o privilégio de mapear o cérebro desse vulcão de duas pernas chamado Pelé, esse alguém encontraria , na região do lobo parietal , não apenas a representação de um pé - mas , sim , a imagem de uma verdadeira fusão desse com aquela que foi sua mais fiel e amada companheira : a bola !
Fonte - EDIÇÃO ESPECIAL - ABRIL NA COPA
Págs 13 ,14 e 15 Miguel Nicolelis
De 62 a 70 : a Taça Jules Rimet fica com o Brasil
Em 1962 , no Chile , o Brasil não teve muita dificuldade para manter o título mundial , A equipe soube superar a ausência de Pelé, que se contundiu na segunda partida . Garrincha foi o jogador decisivo para a conquista.
Quatro anos depois , na Inglaterra , a desorganização prejudicou a seleção brasileira , eliminada por Portugal ainda na primeira fase . A taça foi para os donos da casa . Os inventores do futebol eram , enfim , campeões do mundo.
O tri tinha apenas sido adiado. No México , Pelé , Gérson e companhia conquistaram para o Brasil a Taça Jules Rimet - de posse definitiva para o primeiro país que vencesse três Copas.
1962 País sede : Chile Campeão - BRASIL
Depois de perder Pelé na segunda partida, o Brasil contou com Amarildo e Garrincha para chegar ao bi.
Titulares Posição
Gilmar Goleiro
Djalma Santos Zagueiro
Nilton Santos Zagueiro
Mauro Zagueiro
Zózimo Zagueiro
Zito Meio - campo
Didi Meio - campo
Zagalo Atacante
Amarildo Atacante
Reservas
Zagueiros - Altair , Bellini Jurandir , Jair Marinho
Meio - campo - Mengálvio, Zequinha
Atacantes - Coutinho , Pelé , Pepe
Técnico - AIMORÉ MOREIRA
QUARTAS DE FINAL SEMIFINAIS FINAIS
10/6 Chile 2x0 URSS 13/6 17/6
10/6 Iugoslávia 1x0 Alemanha Brasil 4 Brasil 3
10/6 Brasil 3x1 Inglaterra Chile 2 Tchecoslováquia 1
10/6 Tchecoslováquia 1x 0 Hungria 13/6 Decisão do 3° lugar
13/6 16/6
Tchecoslováquia 3 Chile 1x0 Ioguslávia
Iugoslávia 1
Tchecoslováquia 3 Chile 1x0 Ioguslávia
A SELEÇÃO DA COPA
Seis brasileiros foram escalados entre os 11 melhores do Mundial .
A Tchecoslováquia , vice – campeã , entra com dois jogadores .
1966
País sede: Inglaterra
Campeão Inglaterra
A SELEÇÃO DA COPA
O time ideal escolhido pelas jornalistas a Copa de 66 era uma mescla das
Seleções inglesa ( com quatro jogadores ) e alemã ( três jogadores)
O BRASIL EM 1966
A seleção brasileira não soube mesclar os veteranos do bi com a nova geração .
O time foi desclassificado na primeira fase .
Titulares Posição Reservas Posição
Gilmar Goleiro Brito Zagueiro
Djalma Santos Zagueiro Edu Atacante
Paulo Henrique Zagueiro Fidelis Zagueiro
Bellini Zagueiro Gérson Meio - campo
Denílson Zagueiro Manga Goleiro
Altair Meio - campo Orlando Zagueiro
Alcindo Atacante Paraná Atacante
Garrincha Atacante Rildo Zagueiro
Pelé Atacante Silva Atacante
Jairzinho Atacante Tostão Atacante
Zito Meio - campo
Técnico : Vicente FEOLA
1970
País sede : México
Campeão : BRASIL
O tri consagrou Pelé e garantiu a
Taça Jules Rimet
Titulares Posição Reservas Posição
Félix Goleiro Ado Goleiro
Carlos Alberto Lateral Baldochi Zagueiro
Brito Zagueiro Dario Atacante
Piazza Zagueiro Edu Atacante
Everaldo Lateral Fontana Zagueiro
Clodoaldo Meio - campo Joel Zagueiro
Gérson Meio - campo Leão Goleiro
Pelé Meio – campo Marco Antônio Lateral
Jairzinho Atacante Paulo César Atacante
Tostão Atacante Roberto Atacante
Rivelino Meio – campo Zé Maria Lateral
Técnico : ZAGALO
A SELEÇÃO DA COPA
O Time formado pelos 11 melhores da Copa era totalmente dominado pelos brasileiros.
Eleitos em seis posições . O goleiro alemão Sepp Maier ganhou uma disputa acirrada com o inglês Gordon Banks.
QUARTAS – DE -FINAL SEMIFINAIS FINAIS
14/6 Itália 4x1 México Itália 4x3 Alemanha Oc Brasil 4x1 Itália
14/6 Uruguai 1x0 URSS Brasil 3x1 Uruguai Decisão do 3° LUGAR
14/6 Alemanha Oc 3x2 20/6 Alemanha Oc 1x0 Uruguai
14 /6 Brasil 4x2 Peru
Fonte: Folha de São Paulo - Esportes - Poster da Copa
Domino, 17/04/94
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