Fédor Mikhailovitch Dostoiesvski, com Leão Tolstoi, o máximo escritor da literatura russa do século XIX. Ele nasceu em Moscou, em 1821, e teve uma infância muito triste, por causa das dificuldades em que se debatia sua família e pelo piedoso ambiente hospitalar em que seu pai, médico, desenvolvia sua atividade. Estas particulares condições influíram profundamente sobre a alma sensível do menino e sobre sua formação espiritual.
O século XIX foi o século de ouro da literatura russa, o século dos gênios: Puchkin, Lermontov; Gógol; Turgunev; acima de todos, Fédor Dostoevskij e Leão Tolstoi.
Filho de um médico militar, Fédor Mikhailovitch Dostorevskij nasceu em Moscou, em 30 de outubro de 1821.
A infância de Fédor não foi feliz, como a de tantas outras crianças, porque muito tétrico era o ambiente em que transcorreu. A vizinhança do hospital em que o pai trabalhava, com todo o seu visível e cruel fardo de misérias e sofrimentos, a contínua presença do pai entre os enfermos, em uma luta incessante entre a vida e a morte, não podiam deixar de influir profundamente e de maneira indelével, perturbando-a, na índole sensível e delicada daquele menino, ao qual a vida se mostrava somente sob o aspecto mais triste e miserável. Contudo, o menino recebeu afetuosos carinhos da mãe, mas não o mesmo do pai. Com efeito, um conceito demasiado severo quanto à disciplina militar, assimilado durante sua carreira, e a exigência da sua profissão, nobre sim, mas exercitada num ambiente que ele fora obrigado a aceitar, tinham acabado por torná-lo introvertido, solitário, quase insensível às sãs alegrias da intimidade familial. A mãe estava sempre vigilante sobre os filhos, especialmente agora, sobre Fédor, o mais novo. Sensível e doce, sabia, amavelmente, narrar-lhe maravilhosas e estranhas histórias, que o faziam sonhar; ela oferecia, assim, à fantasia ingênua do menino o necessário antídoto à realidade que o cercava. A mãe soube, também, dar-lhe uma séria educação cristã, que lhe alimentou o cérebro e também , para sempre , a vida espiritual .
Fédor e seu irmão Miguel, depois da morte da mãe, foram enviados, pelo pai, em 1837, para São Pestesburgo, a fim de se matricularem na Escola Militar para engenheiros, que, então, somente havia na capital. O irmão regressou , porém , a Moscou , porque , tendo sido julgado de saúde muito delicada , foi reprovado no exame médico. Fédor, embora fosse também de saúde delicada , foi , contudo , admitido. A separação dos dois irmãos foi realmente comovedora. Miguel era um menino bom e ajuizado, que gostava muito de Fédor. Até aquele momento, ambos tinham sido muito unidos. Distantes, os dois irmãos começaram a escrever-se, dando origem a uma comunhão que, além de afeto, como era natural, também era de gostos e interesses.
Era esse o único modo para Fédor sentir-se ainda ligado à casa, à família. Na escola, no pouco tempo que lhe permitiam os estudos, Fédor procurava sufocar a saudade profunda que sentia pelo lar distante com a leitura, e o interesse que experimentava nele era tamanho que descobriu em si o desejo de manifestar, ele também, escrevendo que sentia. A influência de alguns autores, especialmente de Puchkin, o maior poeta do romantismo russo, contribuiu para surgir a primeira exaltação poética e compôs os primeiros versos, que deu a conhecer somente ao irmão. Eram versos que falavam de mágoas, de tristeza , de saudade, de morte: eles revelavam o sinete pessimista, por vezes cínico, do seu temperamento, que já começava a definir-se. Aproximou-se dos clássicos, dos mestres russos, e depois leu Scott, Byron, Balzac, Hugo Hoffmann. Cinco anos depois, terminados os estudos, ingressava na Engenharia Militar como subtenente engenheiro. Embora jamais houvesse tido inclinação alguma pela Matemática, acabar por resignar-se à sua sorte de engenheiro do Corpo de Engenharia Militar mais para atender ao desejo paterno, porque sua vocação não era aquela. Agora, começava a ganhar bastante, mas seu temperamento pessimista e fatalista impedia-lhe de pensar ajuizadamente no futuro, e assim, avaliando apenas o presente, voltava-se para a vaidade, para os prazeres fáceis, atirando nessas coisas, a mãos cheias, o seu dinheiro. Infelizmente, foi nesta época que contraiu um hábito que se tornou francamente um vício de que somente se libertou muito tarde: o jogo. A princípio, frequentou algumas casas de amigos, onde se jogava bilhar ou cartas, mas, depois, foi atraído pela grande tentadora roleta, que então estava muito em voga nos numerosos clubes de jogo da cidade. Envaidecido por algum momentâneo ganho, obstinava-se em querer continuar enquanto não perdesse o último kopek. A sorte quase sempre lhe era contrária, mas não se dava por vencido. Começou, assim, a sentir a amargura da zombaria alheia e as angústias de sua imprevista insolvibilidade. Tudo isto, juntamente à consciência de ter contraído um mal incurável, a epilepsia, de que haviam começado, nesse período, a tornar-se mais evidentes os sintomas, contribuiu para exasperar-lhe o cinismo e para tornar seu temperamento mais introvertido e duro.
A repentina morte do pai, perturbou-o profundamente. Decidiu, corajosamente, mudar de vida e profissão, subitamente , e dedicar-se, com empenho, à sua verdadeira vocação: a literatura. Conseguiu escrever um romance em estilo epistolar, que intitulou Pobre gente. A poesia era a distração predileta de Fédor, mas seu temperamento, irrequieto, impaciente, não se adaptava àquela lenta, particular elaboração que exige o escrever versos. Fédor nascera para a prosa, a sua primeira obra, ainda manuscrita, foi entregue a um dos maiores críticos do momento: Belinski. Seu juízo foi realmente entusiástico, e, assim, Fédor, com apenas 25 anos viu seu primeiro escrito. Foi uma revelação: o sucesso chegou, imediato, completo. Devido ao tom e aos personagens, esta breve história e de influência gogoliana (Gogol , de O capote ), mas possui todo seu cunho pessoal e elaboração. É o drama de amor frustrado de um modesto empregado por uma jovem que, depois, escolhe para marido um velho rico. É um personagem comum, humilhado, que não é capaz de romper o isoladamente que lhe criou sua própria extrema humildade e, conformado, não tem outro caminho a não ser aceitar, fatalisticamente, todo seu próprio destino, ainda assim, insuportavelmente medíocre e obscuro.
Brilhantíssimo tinha sido o início da produção literária Fédor, que vira o sucesso de um segundo trabalho, O sósia, mas não o mesmo ocorreu com o livro seguinte , que foi desfavoravelmente julgado pelo pouco equilíbrio, pouca finura a escassa homogeneidade. Além disso , Fédor atravessou um mau período econômico, em consequência da falta de pagamento de sua obra de parte de um editor sem escrúpulos, que lhe havia explorado a capacidade, sem corresponder-lhe a justa recompensa .
Durante esses anos , ele se tornou membro entusiástico de reuniões revolucionárias do agitador político russo Petrasevski, que era um adepto da doutrina de Fournier, procurador de uma espécie de socialismo místico. A participação de Fédor e de outros, sobretudo estudantes , nessas reuniões , era , acima de tudo , acadêmica, para discussão de problemas, mas relatórios exagerados do assunto foram referidos à polícia, em 1849, Fédor e numerosas outras pessoas foram presas, sob acusação de conspirar contra a segurança do Estado. Após um primeiro interrogatório de parte da polícia, eles foram encarcerados, à espera do processo, numa fortaleza . Em cujo isolamento Fédor soube encontrar a força e o ânimo para escrever uma breve história. No processo não havia reais e próprias provas contra ele, pois tudo tresandava e artefatos, “invenções“ da polícia, mas a sentença foi, assim mesmo, a mais grave de todas. Pronunciada a pena de morte , foram todos conduzidos ao patíbulo , onde já se achava reunida uma enorme multidão, para que a sentença servisse de exemplo a todos que pretendessem atentar contra a segurança do regime. Tudo estava predisposto para a execução capital, que devia ter lugar de um momento a outro: os soldados de um lado, os condenados, presos aos postes, vendados e envergando a camisola branca dos moribundos, do outro. A ordem de execução já estava para ser pronunciada, quando, à última hora hora ; chegou o mensageiro do Tzar, com a ordem de suspender a execução e comutação de pena para trabalhos forçados na Sibéria.
Lá ele permaneceu " como um homem sepultado vivo, pregado em seu esquife " , durante quatro anos horríveis , sem ver ninguém , além de guardas e condenados às galés, com um único um só conforto: o da leitura da Bíblia. Depois de quatro anos, foram-lhe retiradas as correntes dos pés, mas seu calvário ainda não terminara. Agora, devia continuar expiando seu crime em Semipalatinski, como soldado do 7º batalhão de infantaria siberiano, aquartelado nessa localidade. O clima insuportável, a angústia, os pesadelos experimentados, contribuíram fortemente para minar-lhe a saúde, já comprometida, e os ataques epiléticos tornaram-se mais frequentes. Nesse período, conheceu, naquela gélida região, uma bela e delicada mulher Maria Dmitrivna, à qual, em 1857, se uniu em matrimônio. Em 1859 , Fédor , finalmente , pode reentrar na Rússia Branca , fixando residência em São Petersburgo. Retomando a atividade literária, com a colaboração de seu irmão Miguel, fundou uma revista literária , Vremja ( O tempo ) , que conquistou bastante êxito da crítica e do público, mas que foi, após algum tempo , fechada pela polícia . Em seguida , seu irmão fundou outra revista : Epocha, mas esta teve muito menos sucesso do que a precedente: os artigos de Fédor, que surgiram nesses períodos, constituem, entretanto , um claro prelúdio filosófico e psicológico aos grandes romances que se seguiriam.
As suas espantosas provações siberianas, onde fora obrigado a viver em companhia dos piores criminosos , foram-lhe preciosas sob o ponto de vista espiritual .Dali saiu regenerado , no espírito , pela ideia do sofrimento purificador , que constitui a base ética de sua arte . Certamente , do ponto de vista físico, ao regressar de lá, e o era, na realidade altiva parecia prematuramente envelhecido . Todavia , formara novo conceito sobre a vida humana , sobre os problemas do bem e do mal e sobre o caráter do povo russo. Fez render estas preciosas experiências em uma obra de grande sucesso , com a qual se aproximou do público : Memórias da casa dos mortos, que deu lume em 1861. Além de possuir um aspecto propriamente literário, esta obra é, socialmente e historicamente, importante como documento dos horrores e da barbárie do sistema penitenciário e das deportações para trabalhos forçados na Sibéria, que se praticavam em larguíssima escala , tanto para os delinquentes comuns quanto para os políticos. Pertence ainda a este período ( 1859-1862) o romance Humilhados e ofendidos, em que corações despedaçados obtém, na mais completa abnegação, uma alegria sobre-humana . Começa agora o primeiro parentese no exterior , de Fédor , com a esperança de furtar-se à ganância dos credores , que , em sua pátria , se tornam sempre encarniçados . Mas , no estrangeiro , acabou por perder , no jogo , até aquele pouco que lhe restara; tentara a sorte na roleta, para gozar ainda da companhia de Apolinária Suslova, uma belíssima estudante, pela qual, esquecido de seu teto conjugal, se apaixonara.
Regresando à Rússia, pouco depois lhe morreu a mulher. Não tinha sido, o deles , um casamento feliz , embora houvesse amado ternamente Maria, porque esta , além de ser uma doente , quiça por isso mesmo , tinha um temperamento histérico , que a vida tumultuosa do marido fazia piorar involuntariamente. Além disso , desposara Fédor após ter ficado viúva do prieiro marido , do qual tivera um filho que , ingressando na casa de Dostoievski, jamais conseguira ir de acordo com o padrasto.
A morte do irmão foi outro grande golpe para Fédor . Infelizmente , quando Miguel morreu , como nuca cuidara do futuro , Fédor precisou providenciar as numerosas dívidas e ao sustento da família do irmão .
Neste angustiado transe , acuado por credores , sempre mais numerosos , Dostoiecvski trabalhou duro , incansavelmente , e foi justamente neste período que ele nos deu suas mais poderosas obras-primas. E também nesse época surgiu o providencial encontro com sua estenógrafa, que ele procurara a fim de pode ditar mais rapidamente seus romances. Ana Grigovievna Sitkina, que se tornaria, bem cedo, sua segunda esposa e sua indispensável colaboradora em toda a restante atividade criadora. Essa mulher representou para ele algo decisivo, pois foi quem lhe reequilibrou a vida, ficando sempre ao seu lado, ativa e compreensiva .
Depois de uma segunda viagem ao exterior , desta vez acompanhado por Ana , publicou , na revista Grazdanin ( O cidadão ) , em fascículos, o Diario de um escritor , que reúne , sob tal título , uma série de ensaios de singular agudeza e de historias , algumas das quais de especial beleza .
Em apenas 26 dias , Fédor escreveu O jogador , que constitui um felicíssimo quadro de seres escravizados pelo vício do jogo. Crime e castigo, publicado em 1866,teve um enorme sucesso . Talvez em nenhuma outra obra a intuição e penetração psicológica encontraram mais intensa forma de expressão. A ousadia da tese do romance, a princípio , perturbou , mas depois conquistou o publico , quiçá mais pelo enredo de fundo policial .
O idiota é o título de um novo romance , impregnado de influências tolstoianas , no qual , com rara eficácia, o autor tenta penetrar na difícil e misteriosa engrenagem da psicologia de um epilético , que , embora maltratado , é , moralmente superior aos demais .
O eterno marido , porém , afasta-se do estilo habitual , constituindo um exemplo raro , nele , de narração humorística .
Sua atividade intensifica-se e , com efeito , o último vintênio de sua vida é o mais fecundo , aquele em que seu gênio atinge a plenitude e a maturidade .
Após haver publicado As memórias de um subsolo uma espécie do monólogo , em que disserta sobre a fundamental irracionalidade da alma , dá ao prelo Os demônios , livro interessante , que , além do ponto de vista literário , é , também ,uma sátira feroz ao movimento "niilista " , representado como uma demoníaca armadilha tendente a envenenar o corpo sadio e vital da Nação , com a violenta abolição de todas as crenças e de todas as aspirações .
Seguem-se outras obras, tais como O adolescente , e Dostoeivski escreve Os irmãos Karamazov, um dos maiores romances que foram escritos em todos os tempos: ele constitui a síntese mais completa de suas teorias sobre a existência de Deus , do mal e sobre a última finalidade da vida humana.
Dostoeivski tornara-se , nos últimos anos , uma figura extremamente popular em toda Rússia. E disso se teve prova quando apareceu em público , como orador oficial , na inauguração do monumento a Puchkin. Tal discurso foi uma verdadeira apoteose para o grande poeta russo comemorado e para o grande escritor vivo, que dele fizera comovida exaltação. Mas , pouco depois, em 1881 , minado por uma enfermidade pulmonar , amorosamente assistido pela esposa e pelos filhos , morreu Fédor Dostoeivski , suscitando mágoa universal .
Considerado por muitos críticos a obra-prima de Dostoeivski. Os irmãos Karamazov foi publicado em 1879 - 1880 e vinha preludiar uma série de romances que constituíram a História de um grande pecador é do qual nos restaram poucas anotações . Os irmãos Karamazov é a história de uma família perturbada pelo desregramento e pelo ódio recíproco entre pais e filhos e a que somente Aliocha, o filho mais novo, permanece imune.
Fonte Trópico - Volume X - Enciclopédia Ilustrada em cores
Livraria Martins Editora S.A .
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