Livro redime Moacyr Barbosa , o jogador mais injustiçado do futebol brasileiro
Durante quase 50 anos, ele amargou a condenação por um crime que não cometeu. Apontado como o principal culpado pela tragédia brasileira na final da Copa de 50, o goleiro Moacyr Barbosa, finalmente libertou-se de sua “ prisão perpétua “ há um mês, em consequência de um fatídico derrame cerebral, sofrido em Praia Grande , no Litoral de São Paulo . Em compensação , seu estigma de fracassado , que já há um bom tempo, vinha perdendo força no País, recebeu mais uma estocada justamente no mês de sua morte. Barbosa - Um gol Faz Cinquenta Anos , livro do jornalista Roberto Muylaert , ajuda a recolocar o goleiro, um dos mais injustiçados esportistas do país, no panteão do futebol nacional. “Ele era um cara legal, bem educado, fino e sempre sorridente . Mas , combalido com tantas histórias , não demonstrava nenhuma emoção “ , revela o autor, de 65 anos.
Presente no Maracanã na tarde de 16 de julho de 1950 – quando o Brasil, que precisava apenas de um empate para ser campeão do mundo, perdeu de 2 a 1 para os uruguaios – Muyalert resolveu escrever o livro após preparar um documentário sobre o goleiro para a TV Cultura , que presidiu durante nove anos. A obra , editada pela RMC Comunicação, foi o resultado de um ano e meio de pesquisa e entrevistas com Barbosa . Algumas histórias presentes nas 250 páginas jamais haviam sido contadas, como o episódio do churrasco, na década de 60, em que o goleiro queimou as traves de madeira usadas na inglória final . “Levei um susto , fiquei pensando se ele estava delirando . Depois de duas semanas , perguntei de novo , e ele me contou a mesma história , com os mesmos detalhes . Mal pude acreditar “ . confessa . Igualmente impressionante é a descrição do último jogo daquele que , embora poucos saibam foi eleito por jornalistas estrangeiros o melhor keeper da Copa de 50 e só não jogou em 54, na Suiça , por causa de uma contusão. “Foi no campo do Madureira. Enquanto saía de maca, os poucos torcedores o aplaudiam de pé. Ele dizia que essa emoção quase o fez esquecer da derrota em 50“.
Uma das preocupações do autor foi preparar uma obra que agradasse não só aos fanáticos pelo futebol como também ao público em geral , que , de alguma forma, também sofreu com o Maracanazo . ‘ A derrota derrubou o Moral de toda a Nação, que pela primeira vez havia resolver a cara ao mundo como um país respeitável“, afirma ele, que apostou num texto literário, ao contrário de muitos livros sobre o mundo da bola, essencialmente narrativos . Para o lançamento, Mulayert sonhava com um encontro com Barbosa e seu carrasco , Alcides Ghiggia, autor do segundo e decisivo gol uruguaio, em 1950. Porém , quando estava em Montevidéu para acertar o almoço com o craque da Celeste, leu a notícia da morte do goleiro e desistiu da ideia. “Sem o Barbosa, não faria sentido“.
Fonte - Revista JÁ - Memória
7/05/2000 - CELSO DE CAMPOS JR .
A violência como fator humano e social
A violência é um fenômeno social, e suas raízes são sociais, mas também é um fenômeno humano, e suas raízes também são humanas.
Ao estudarmos a história da humanidade, podemos concluir que se trata de uma trajetória de violências, sejam elas diretas ou indiretas - violências econômica , política , cultural , social , psicológica , simbólica , racial , de gênero , de opção sexual , de idade , de poder ... todas humanas, embora sempre com revestimento histórico e social.
Esse é um fator importante para se compreender qualquer manifestação de violência, em qualquer área social , até mesmo no futebol.
Praticamente todos os grandes pensadores, sejam da filosofia, das ciências ou das artes, em algum momento significativo de sua obra, falaram sobre a violência e suas práticas, denunciando sua presença constante, ameaçadora e preocupante, mas também reconhecendo como ela está entranhada no cotidiano das pessoas.
Heródoto (484 a.C. - 420 a.C.), considerado o primeiro Historiador - o Pai da História -, o pai das narrativas históricas, foi o primeiro a narrar, em um conto, o nascimento da violência, ou melhor, sua transformação na deusa Hybris. Considera-se que a própria história começa com esse conto, no qual Heródoto funda a narrativa histórica para comprovar a metamorfose da violência como dimensão humana numa deusa (Hybris).
Esse conto é uma página mais do que clássica do pensamento ocidental e está registrado no VIII Livro das Histórias. A deusa Hybris é descrita como onipresente ( está em todos os lugares ) e representa insulto , agressão , desrespeito , tortura , mutilação , morte .
Em resumo, é apresentada como violência do corpo e da palavra, bem como violência das extensões do corpo e das extensões da palavra - extensões materiais, como armas, máquinas, drogas; e extensões não materiais, como valores, símbolos, preconceitos, exclusões.
E Heródoto acrescenta com grande sabedoria: a violência do corpo e da palavra fica mais agravada quando estamos em grupo, e piora ainda mais quando estamos em grandes grupos.
Sigmund Freud ( 1856 - 1939 ), o Pai da Psicanálise , 2400 anos depois de Heródoto , analisa ( em vários pontos de sua obra ) o comportamento do indivíduo, quando em meio à multidão : " Nada há que pareça impossível ao indivíduo, quando este está inserido na multidão [ ...] . Quando uma pessoa está misturada à multidão , o seu comportamento é , via de regra , irracional . Especialmente quando se trata de jovens".
Freud prossegue afirmando que a multidão é uma coisa estranha , porque imprevisível , já que é movida a paixão . E , mesmo quando esses indivíduos não se conhecem, quando juntos ficam elétricos, barulhentos, arruaceiros, e podem, até mesmo, cometer atos de infração . Para que isso aconteça , basta liberar uma faísca de paixão , que corre pela massa como rastilho de pólvora , algo explosivo , descontrolado .
Ocultos na multidão , os humanos se tronam agressivos , violentos , e se permitem fazer o que não aceitam , ou dizem que não aceitam , quando fora de um grupo .
Agora, imaginem só: com esse potencial que as pessoas carregam dentro de si, se as instituições sociais não estiverem preparadas para lidar com multidões, como os espetáculos públicos poderão virar barbárie . Sim , porque o conceito de civilização - o controle dos excessos humanos pelas leis, pelas instituições , pela ordem ,pela palavra, pela convivência social mais ou menos pacífica - ficará para trás ou será mesmo abandonado .
págs de 51 a 53
O futebol e o Brasil: mais um pouco de história
O futebol chegou ao Brasil em 1894, mais exatamente em São Paulo, trazido por Charles Miller, brasileiro descendente de ingleses. Mas, ao contrário do que é hoje, tratava-se de um esporte de elite, para o lazer das mais altas camadas sociais. Era ainda um esporte amador, disputado pelos filhos de famílias ricas, todos brancos, cultos, elegantes com duplo sobrenome.
O Brasil , recém-saído da escravidão , em 1888, era o último país do mundo a abolir esse regime de trabalho, e nossa República, em 1889, dava os primeiros passos. O mesmo ocorria com a primeira Constituição da República Brasileira, de 1891.
O país ainda se encontrava sob influência da herança colonial e escravista, e as macroviolências sociais geradas por essa história de dominação, opressão e exploração marcaram o futebol, a princípio elitista, racista e excludente, tal como nossa sociedade. Podemos considerar que estes foram os primeiros atos violentos ocorridos no futebol brasileiro.
Porém como tudo no mundo, o futebol possuía outra face e, mesmo com essas características pouco convidativas, atraiu o gosto das populações excluídas , pobres , mestiças e analfabetas , que viam nele um divertimento barato , simples de entender e fácil de jogar .
Nos clubes dos ricos perpetuava-se o esporte tal como chegou aqui; elitista , racista, excludente . Nas ruas, nas praças pobres, na várzea , na periferia das cidades, no entanto ,era um movimento espontâneo dos desfavorecidos , que corriam atrás da bola como forma de afirmação social, uma vez que constatavam a possibilidade de serem bons em algo privativo das elites. Na época ( e, de certa maneira , ainda hoje ), essa possibilidade quase não existia em outra área da sociedade brasileira.
Esse foi o início de um longo processo de popularização e democratização, que , mais tarde , transformaria o futebol na maior manifestação da chamada cultura popular no Brasil.
As principais etapas desse processo - repleto de tensões e conflitos - podem ser resumidas assim:
- O início se deu nas ruas, entre 1910 e 1920;
- Em seguida, a prática nos clubes, partir dos anos 1920; e, mais tarde,
- O crescimento e a profissionalização do esporte, após 1933.
A partir daí, quando este esporte foi se popularizando e quebrando algumas barreiras de cor e classe, muitos clubes fecharam o que seria o seu departamento de futebol. Setores dominantes das elites brasileiras ficaram enfurecidos, com esse processo de abertura no futebol , conquistado pelas camadas mais pobres.
A história social do futebol brasileiro é um capítulo de nossas lutas sociais , políticas, culturais . A popularização /democratização do futebol , fruto da resistência e das lutas das camadas desfavorecidas da sociedade, foi consolidada nas décadas de 1940 e 1950.
Os setores pobres da população, antes impedidos de participar , foram se impondo e
trazendo para o jogo um " jeito brasileiro " , uma espécie de " estilo " , uma " marca própria " , por assim dizer .
É uma herança de nossas identidades culturais indígenas, portuguesas (principalmente do norte de Portugal, de onde saíram is maiores contingentes de imigrantes que vieram para o Brasil ) e, sobretudo, negras . No " estilo" brasileiro de jogar , as raízes culturais de nossas classes oprimidas se fizeram presentes .
Ao longo do tempo , o futebol foi se afirmando como uma das poucas instituições brasileiras que permitem o acesso democrático dos grupos mais pobres , de analfabetos ou semialfabetizadas , de mestiços , de excluídos , cujas famílias têm poucas oportunidades socioeconômicas .
Poderíamos dizer que o poder social que o futebol alcançou no Brasil tem a ver com o que passou a simbolizar entre nós: se ao povo brasileiro pobre forem dadas oportunidades , nosso país vai longe .
O futebol é um dos melhores exemplos dessa máxima , sem dúvida . E não só em relação ao jogador, o que é mais fácil de perceber, mas também em relação ao torcedor . Os jogadores de maior talento , artistas da bola , em geral , vêm de famílias mais humildes e com menos oportunidades .
Já em relação aos torcedores, chama a atenção como as pessoas mais simples, humildes mesmo, conseguiram se apropriar dos saberes e das informações do futebol. Gente muito modesta , sem escolaridade , nem status discute sobre o assunto em igualdade de condições , com qualquer outra pessoa de qualquer nível social, econômico e de escolaridade.
Gente que conquistou isso democraticamente , porque discute com propriedade e consistências o conhecimento de regras , técnicas , táticas , o mercado da bola e as políticas do futebol . Talvez por isso torça com tanta paixão e veemência , com tanta garra e força .
Consistência rima com veemência , o que soa bastante positivo . Mas , se as duas palavras forem levadas , ao extremo e em situações com poucos limites institucionais, poderão rimar também com violência . Na melhor das hipóteses , podem beirar a agressividade . E , se for mesmo assim , e parece que é , trata-se de mais um dos fatores para se entender a violência no futebol.
Enquanto nossas instituições políticas, econômicas e sociais afastam os mais desfavorecidos de sua convivência e decisões cotidianas , o futebol aproxima, incluindo em suas práticas , lógicas e sentidos ( embora não no processo decisório) esses excluídos históricos e estruturais - os pobres e humildes .
Futebol e torcidas organizadas
O melhor exemplo da interação entre Brasil e futebol, um ajudando a explicar o outro, talvez esteja mesmo nas torcidas organizadas. Nas suas origens, história e atualidade.
Historicamente , a organização dos fãs brasileiros de futebol , teve início com a fundação da Torcida Uniformizada do São Paulo , por Laudo Natel (governador de São Paulo por duas vezes, nas décadas de 1960 e 1970 ) e Manoel Porfírio da Paz , em 1940 ; e da Charanga Rubro-Negra, do Flamengo , em 1942 , por Jaime Rodrigues de Carvalho.
OLHO NO LANCE
Charanga é o nome que se dá às bandinhas de animação do interior do Brasil que , nos primeiros decênios do século XX, levaram música , principalmente as marchinhas de Carnaval, às arquibancadas.
Resultado : sucesso absoluto !
Jaime de Carvalho, presidente eterno da Charanga ( que existe até hoje ) , chegou a ser escolhido o " representante de todas as torcidas " na delegação brasileira da Copa de 1954 , na Suíça , e de outros grandes eventos esportivos - fato inimaginável atualmente.
As décadas de 1940 e 1950 viram um Brasil que " queria mostrar a sua cara " e, para tanto, apresentava a população como criadora e protagonista de manifestações culturais importantes , para afirmação da própria identidade .
Isso aconteceu na música , no cinema , no teatro , nas artes em geral e , como não poderia deixar de ser também no futebol. Neste, a motivação maior ficou por conta do processo de popularização e democratização do esporte, no qual um dos destaques foi a formação das torcidas organizadas .
Na origem carnavalizadas , as torcidas marcavam sua atuação com cânticos, cores, alegorias e festejos. Foi nessa conjuntura que as relações entre futebol e música popular no Brasil se intensificaram, aprofundando-se.
Nas primeiras décadas, até mais ou menos início dos anos 1970, havia alguns conflitos , sim , entre as torcidas , mas eram localizados, pontuais. O que predominava era um cenário de sociabilidade quase familiar.
Eis aqui uma curiosidade que ilustra bem a diferença entre as torcidas de tempos inaugurais e as de agora .
Nos primeiros anos, a torcida do time que ganhava a partida pagava - isso mesmo, pagava ! - o jantar para a torcida do time derrotado. Era uma maneira pacífica, simpática e generosa de relação intergrupal , que ajudava a diminuir a diferença própria do futebol , cuja característica é , muitas vezes , dividir as pessoas em dois grupos: vencedores e vencidos , deflagrando , por essa peculiaridade , reações violentas.
A torcida como expressão do momento político brasileiro
Os grupos de torcedores extremados , radicais , e suas práticas de violência só começaram a surgir nas arquibancadas brasileiras em princípio da década de 1970. Era o auge da ditadura militar , que tomara o poder em 1964 e se consolidou com o Ato Institucional nº 5, o AI 5, de 13 de dezembro de 1968. Passo a passo, esses setores exaltados das claques, compostos de vândalos e delinquentes , foram se institucionalizando e lentamente chegaram às páginas policiais.
O processo levou de dez a quinze anos, até o reconhecimento público desses grupos de torcedores como segmentos preocupantes e perigosos. A presença deles no noticiário policial de revistas e jornais e nas imagens da televisão foi crescente e assustadora. E o que é pior, praticamente nada foi feito , por parte das forças de segurança , para neutralizá-los .
De carnavalizadas, as torcidas passaram a ser e a atuar como coletivos militarizados , seguindo as doutrinas e padrões do militarismo então vigente, que aparecia em quase toda a sociedade, mesmo quando de modo indireto. O futebol e as torcidas organizadas não ficam fora desse jogo político.
Para reforçar a ideia de que a situação do país num determinado momento influencia também o esporte, passemos em revista a estrutura de várias torcidas, em particular dos grupos mais violentos, os que estão entre 5% e 7% dos " organizados " .
Como já dito anteriormente ,os próprios torcedores usam termos militares, auto denominando-se pelotões, destacamentos e tropas de choque , e chamam os líderes de capitães , tenentes e sargentos. Nesses casos , os símbolos são militares , como também são militarizadas as relações de poder , hierarquia interna e ações coletivas .
Esse paralelo entre o que ocorria na política brasileira e o que passou a acontecer nas torcidas de futebol ajuda a compreender várias ocorrências , entre elas , a violência nos estádios e arredores.
OLHO NO LANCE
Eis uma curiosidade que ajuda a compreender a violência no futebol e as interações e reciprocidades desse esporte com o país.
É possível que o drible, uma das características do chamado " futebol-arte " , que possui grande identificação com o futebol brasileiro, tenha sido criado entre nós, justamente para o jogador negro e pobre tentar escapar da violência. Essa é uma ideia, uma hipótese , que defendo desde 1990 .
A seguir, a explicação .
No início , quando o futebol no Brasil era racista , os negros não participavam dele. Depois que entraram no jogo, ainda meio à revelia, tiveram de evitar o confronto físico, pois para eles a punição era mais severa que para os brancos. A ginga que traziam de suas culturas corporais , como a capoeira e o samba, ajudou a criar o drible - um modo um tanto artístico de fugir das faltas e marca do chamado "estilo brasileiro " .
Mas já havia o drible desde o início , no futebol inglês ? É importante não confundir. Lá, o drible ( de to drible : pingar , gotejar , lançar ) era passar a bola . Aqui , é passar com a bola, ultrapassar o adversário, carregando-a.
Para fundamentar melhor a ideia de como o nosso futebol ( e também a sociedade brasileira ) era racista a princípio , e como a musicalidade de nossas raízes culturais e nossa ginga corporal ajudaram a construir o chamado " estilo brasileiro" , a seguir depoimentos que colhemos em nossas pesquisas: Pensei em me adiantar, avançar com a bola e ajudar o Prego [...] Quem sabe a gente até empatava [...] Aí me lembrei que eu era o único preto no time. E se sofrêssemos um gol lá atrás, sem eu ter voltado, a culpa vinha pra cima de mim.
( Fausto dos Santos [ Fausto , O Maravilha Negra ]. A Noite, Rio de Janeiro,
28 jul.1930 , p.34 )
Naquela época, nem o Pelé jogaria nos clubes ricos. Eu vi Fla-Flu sem nenhum preto em campo.
( Domingos da Guia [ Domingos , O Divino Mestre ] ,
Folha de S Paulo , Caderno Esporte , 15 jan . 1995 , p. 4 )
Ainda garoto eu tinha medo de jogar futebol, porque vi muitas vezes jogador negro, lá em Bangu, apanhar em campo, só porque fazia uma falta , nem isso às vezes [ ...] . Meu irmão mais velho me dizia : " Malandro é o gato que sempre cai de pé [ ...] . Tu não é bom de baile? " . Eu era bom de baile mesmo, e isso me ajudou em campo [...] Eu gingava muito [...] o tal do drible curto eu inventei imitando o " miudinho " , aquele tipo de samba.
( Domingos da Guia , depoimento gravado em vídeo .
Núcleo de Sociologia do Futebol , UERJ , 1995 ) .
Eu jogava bem, tinha ginga, tinha manha, a mesma do samba... Mestre-sala dribla e jogador samba... quando é craque né? Eu era... joguei no Cerâmica ... na época era muito difícil... eu sou crioulo, né? Mas joguei muito e apanhei muito. Era só vacilar. Num jogo do Cerâmica com Hadock Lobo, só porque eu fiz uma falta normal, apanhei até da polícia...
( Mestre Delegado [ Mangueira ] , gravação em áudio
Núcleo de Sociologia do Futebol , UERJ , 1991 ) .
Os jogadores de cor, quando passaram a ter livre acesso no futebol oficial, times médios inicialmente, comi o pão que o diabo amassou.
( Thomaz Mazzoni , História do futebol brasileiro ,
1950 , cp. 4, seção 120 ) .
A importância do exemplo na vida social
Para o " bem " ou para o " mal" , o exemplo é muito importante na existência das pessoas , influenciando positiva ou negativamente a atitude (predisposição interna) e o comportamento (ação concreta) dos indivíduos em sua vida social .
O exemplo ajuda , e muito , a aumentar ou diminuir a impunidade , que , conforme já comentamos , é um dos aspectos centrais para se entender a violência em geral e, de modo mais específico, a violência no futebol.
Considerado um dos mais célebres filósofos de todos os tempos, o chinês Confúcio ( 551 a.C .- 479 a.C.) defendeu que o exemplo é o elemento é o elemento mais importante da política . Se for positivo , ajuda a construir sociedades mais justas e igualitárias . Se negativo , aumenta a chance da barbárie , que significa injustiça , opressão , violência.
Em outas palavras , etocracia preconizada por ele , o governo que tem por base a ética e a moral dos dirigentes , através do bom exemplo , este ensinamento de largo alcance e tão esquecido .
Confúcio , filósofo e sábio que influenciou tantas gerações , ampliou sua reflexão para além do governo e de seus grandes poderes, alcançando qualquer instituição que pudesse servir de referência, como a família, a escola , as artes e os esportes . Era fã de artes e de esportes , e reconhecia o poder e o impacto destes sobre a vida coletiva .
Em épocas e sociedades tão individualistas , egoístas e agressivas , como as que temos hoje em dia , parece que as propostas de Confúcio se tronam mais importantes ainda .
De forma concreta , significa reconhecer que a ética do " bom exemplo " é um dos caminhos mais produtivos socialmente e que por isso deve fazer parte da formação e da consciência de líderes políticos , pais , educadores , artistas e esportistas . Resumindo, de todos aqueles que exercem direta ou indiretamente algum tipo de liderança.
Como é visível , ninguém esconde e é mais ou menos do conhecimento geral , a liderança tem lá , os seus direitos. Mas deve também ter os seus deveres e obrigações. Numa palavra: as suas responsabilidades.
No caso do futebol, uma das responsabilidades mais esperadas hoje é o envolvimento dos ídolos em campanhas de pacificação entre torcidas e torcedores . Uma palavra de um grande craque vale muito na cabeça e no coração do torcedor . Sempre que isso foi feito , os resultados foram ótimos .
Não há ninguém que os torcedores atendam mais - mesmos os violentos , embora não sejam receptivos quantos os demais - do que os craques de seu time , porque se trata de heróis , ídolos , pontos de referência .
E a campanha é em particular eficaz (exemplos anteriores já demostraram) se a participação for feita em conjunto, reunindo jogadores de equipes diferentes, e o resultado se potencializa caso a rivalidade entre os times seja grande.
Se deu certo, por que não realizar mais campanhas dessas de modo sistemático ?
Autoridades de segurança pública , confederações , federações , clubes , a mídia e mesmo os setores pacíficos das torcidas organizadas , que não são poucos , poderiam, e deveriam , assumir essas tarefas permanentemente .
Afinal, de que serve a compreensão da violência no futebol , senão para ajudar a diminuir e controlar essas práticas tão nocivas ? Se assim é ( e assim é ) , aproveitemos as experiências bem-sucedidas .
É preciso trabalhar para que tais iniciativas se tornem constantes , ganhem profundidade , circulem em rede e alcancem todos os segmentos envolvidos e com as culturas próprias das torcidas , para que os resultados sejam maiores e melhores . Maiores em quantidade ; melhores em qualidade .
Sobretudo porque o futebol vai além dele mesmo ; é mais que um esporte profissional e de alto rendimento . O futebol pode servir como ajuda para se enxergar a sociedade onde vivemos . Em outras palavras e como já dissemos , o futebol é uma metáfora , uma representação , uma síntese da sociedade , de suas raízes históricas , da formação social , de seus dilemas e contradições .
Considerando tudo isso , o futebol pode ser um exemplo para outras instituições sociais, porque é um dos maiores e mais importantes eventos da cultura coletiva , da chamada " cultura popular " - prefiro chamar de " cultura das multidões " , para fugir do debate (eterno) entre o que é " popular " e o que é " erudito " . Além disso , a expressão " cultura das multidões " ainda traz outra vantagem aponta a ideia de uma cultura de massa, e não somente de massa.
OLHO NO LANCE
- A cultura da massa pode ser entendida como uma cultura que representa as massas , as coletividades , porque nasce delas e a elas retorna como divertimento , manifestação coletiva, como sua expressão .
- Já a cultura de massa é mais ou menos imposta às massas, costuma vir " de cima para baixo " , apesar de ser popular , de agradar e alcançar um número muito grande de pessoas.
Fonte - Livro Para entender - A violência no futebol - págs de 51 a 53
e 75 a 79 ; 87 a 93; 95 a 98 .
São Paulo , 2012 Editora Saraiva - Mauríco Murad ( Coleção Para Entender )
Benvirá , um selo da Editora Saraiva
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