terça-feira, 25 de outubro de 2016

Sidney Poitier repassa a vida e vira “best-seller“


Na  nova autobiografia, ator  subtrai as  passagens  e   fala da  dura  tarefa  de sobreviver num mundo hostil
  
Aos 80 anos, Sidney Poitier está na lista de best-sellers do “ New York Times  “ . O livro que conquistou o grande público americano, com aplausos entusiasmados da apresentadora de TV  Oprah Winfrey, é “ The measure of a man “ , editado pela Harper Collins. E a surpresa foi tanto maior porque é sua segunda autobiografia, sem grandes novidades em relação à primeira, e nem revelações bombásticas. O que levou à lista de best-sellers  ? É que ,  neste livro  , Sir Poitier  - o ator, que nasceu em Cat Island, uma das ilhas da antiga colônia inglesa das Bahamas, recebeu da rainha Elizabeth II o título da cavaleiro do Império Britânico – fez mais do que autobiografia: escreveu um balanço da vida, um acerto de contas com sua própria trajetória, em tom de conversa com seus leitores, para descobrir sua própria “medida “ como ser humano, a mesma de milhões de outros. Poitier subtrai o que é excepcional em sua trajetória e vai simplificando.
- Muitos anos atrás, escrevi um livro sobre a minha vida, que era em grande parte sobre a minha vida em Hollywood. Recentemente, decidi que queria escrever um livro sobra a vida, sobre o que aprendi vivendo mais de 70 anos... Queria falar da minha experiência e, mesmo sem ter consciência disso, daquilo que eu tinha aprendido da experiência dos meus pais.

O  que  conta  são  cenas 
Da  infância e  de  solidão  

Mais do que os grandes feitos do homem que ganhou o primeiro Oscar de melhor ator entre os negros nos EUA, o que está em destaque é o retrato do artista como um ser humano qualquer diante da dura tarefa de sobreviver num mundo hostil. O que conta são as cenas marcantes da infância e os momentos de profunda solidão. As lembranças da falência do pai, plantador de tomates  em Cat Island, quando os EUA decidiram embargar tomates vindos do Caribe, e a mudança da família para Nassau, capital das Bahamas, onde seu passaria a vender cigarros de bar em bar.
- Quando eu era bem pequeno, ia à praia com meus pais no Caribe. Minha mãe costumava me atirar na água e ficava imóvel vendo eu me debater para não afogar. Quando eu estava quase me afogando, sentia a mão do meu pai me fisgar e me jogar nos braços de minha mãe. Então ela me jogava de  novo...
Essa mãe, quase muda, o que mal trocava meia palavra com a família, é talvez a figura mais dura e mais presente na vida de Poitier. Ao lado dela, um pai sofrido de ver comida escassa no almoço, numa casa que não tinha luz elétrica nem telefone. O aprendizado da sobrevivência, para o ator, passavas então por esta estranha capacidade de entender os pais apenas pelos gestos ou pelas expressões faciais.
- Minha mãe era tão desarticulada que praticamente só se comunicava com meu pai. Mas a quieta atmosfera da minha infância me levou a compreender a linguagem do corpo. Era assim que eu entendia o que meus pais queriam e o que eles realmente estavam exigindo de mim. Isso foi a base da minha “inteligência emocional“, a capacidade de perceber o que se passava além das palavras.
Esse aprendizado da silenciosa arte da sobrevivência seria precioso  em sua adolescência, para enfrentar a escola no Harlem com seu sotaque caribenho, já tendo sua família migrado para Nova York. Mais do que remodelar o sotaque nos primeiros anos na Broadway e em Hollywood, ele conquistou seu lugar pelo porte, que transpirava dignidade. Assim, viu-se abrindo caminho para os negros, no período em que a luta pelos direitos civis recrudescia nos anos 50 e 60. Sua resistência a integrar o elenco de “Porgy and Bess“, por considerar a ópera de George Gershwin era, naquele momento, inoportuna, por apresentar negros pobres, ignorantes e subservientes, seria pouco diante da reação ao seu tremendo sucesso em 1968, emplacando três das maiores bilheterias do cinema do ano, com “ Ao mestre com carinho “ , “ No calor da noite  “ e “ Adivinhe quem vem para jantar “.

“ Teste social  “ para  “ Adivinhe Quem vem para jantar “

- Na época, o “ New York Times  “ publicou um artigo intitulado: “ Por que os brancos gostam tanto do Sidney Poitier?“. Todos me perguntavam por que eu não estava revoltado e nem partia para o confronto com os brancos, num momento em que muitos afro americanos faziam isso. Diziam que era um “ Pai Tomás “, o negro da senzala, que não criava problemas para as plateias brancas. E muitos ativistas diziam: “Qual é a mensagem desses filmes  ? Quer dizer que negros só serão aceitos pela sociedade branca se forem duas vezes mais brancos que os brancos   ? “ 
O ator se viu em cheque naquilo em que mais acreditava: personagens negros deveriam ter dignidade no palco para ser afinal assimilados socialmente. Só assim o cinema poderia muar o mundo... E dignidade  , para ele , era sinônimo de ausência total de subserviência. Poitier conta que foi convidado par um jantar com Spencer Tracy e Katherine Hepburn para ser avaliado pessoalmente antes de ser chamado para “ Adivinhe quem vem para jantar “. Era um “teste social“, para medir a postura de Poitier. Não importava que já tivesse um Oscar de ator, isso poderia eliminá-lo do filme.
- Mesmo sendo famosos queriam avaliar pessoalmente os riscos de fazer um filme que questionava preconceitos diante do casamento inter-racial. A postura de atores liberais e esclarecidos, na elite de Hollywood   não era diferente do restante da indústria na hora de administrar os riscos para a carreira.
Bem mais duro do que enfrentar esse outro preconceito foi voltar para as Bahamas e observar a pobreza de seu país:
- Descobri que aquela não seria jamais a minha casa outra vez. Quando ia a jantares em Hollywood, eu me sentia a mesma pessoa do tempo em que tinha que fugir dos tiras de Miami, nas constantes batidas policiais. Mas voltar às Bahamas depois do conforto da vida nos EUA me fez ver que a pobreza havia deixado marcas na minha vida para sempre. Eu sofria do que chamo de “síndrome da miséria“, um pânico de voltar a viver em condições miseráveis. Por mais dinheiro que eu tenha hoje   sou muito cuidadoso na hora de gastar, ainda conto dinheiro, com medo de um dia acordar e me ver naquela vida que eu tinha. A miséria pode matar de fome, mas o conforto é ainda mais perigoso  ele rouba a sua alma, altera a sua sensibilidade. 
Poitier abriu caminhos, trabalhou muito, deu o melhor de si, defrontou-se com a morte ao passar por uma cirurgia de câncer de próstata e descobriu que o que importa são as relações de afeto. “ The measure of a man “ não tem auto-elogios. É a história de quem viveu sem se deixar vencer pelo medo e pela amargura. E, ao reexaminar a vida, revive boa parte da História recente dos EUA. Ele ainda emociona, defendendo a dignidade negra, num tempo em que Martin Luther King é um herói do passado e o maior nome da causa negra chama-se Barack Obama. Talvez seja isso que, aos 80 anos, Sidney Poitier está na lista dos best – sellers.

Fonte  -  JORNAL    O  GLOBO     Segundo  Caderno  pág  2
Sábado, 21/07/2007                    Marília  Martins 


Ensino de qualidade, um sonho antigo não realizado



Sociedade

Um ensino público de qualidade, abrangente e com valorização de professores é sonho antigo no país. As demandas atuais, constantemente na origem de manifestações de professores e alunos, vêm, pelo menos, do início do século passado. No dia 28 de março de 1932, O GLOBO  publicou uma matéria sobre o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova no Brasil, assinado por intelectuais como Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Roquete Pinto e Cecília Meirelles. Dirigido ao povo e ao governo, o documento destacava a importância de se resolver os problemas do ensino no país e elencava necessidades que, quase um século depois, ainda aparecem como metas do Plano Nacional da Educação  (PNE), aprovado no Congresso no ano passado. 
Na hierarchia dos problemas nacionaes, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrucção nacional“, disse o manifesto, logo em suas primeiras linhas exatamente como reproduzido no jornal da época. Em seguida, o texto faz uma crítica: “Se depois de 43 annos de regime republicano, se der um balanço ao estado actual da educação pública no Brasil, se verificará que (...) não lograram ainda crear um systema de organisação escolar a altura das necessidades modernas do paiz“.

O documento expressa a necessidade de dar aos professores "formação e remuneração equivalentes que lhe permitam manter, com eficiência no trabalho, a dignidade e o prestígio indispensáveis aos educadores". A antiga demanda continua não atendida.

Segundo uma das 20 metas estabelecidas pelo PNE, até junho deste ano o Brasil deveria ter 100% dos professores da educação básica com ensino superior completo. Em 2013, o percentual ainda era de 75 %. Outro objetivo do plano é, até 2020, garantir que o rendimento médio dos professores da educação básica seja equivalente ao das demais profissões com nível universitário. Em 2013, professores recebiam, em média, apenas 57 % do verificado na média das demais carreiras.

Ao voltar os olhos para o passado e vislumbrar as demandas dos educadores que confeccionaram o Manifesto pela Educação Nova, especialistas dizem que o Brasil perdeu o  bonde da História ao nunca dar prioridade à educação.

- O manifesto é de 1932  e, de lá para cá, os problemas continuam os mesmos sem solução. Provavelmente, daqui  há 50 anos também serão os mesmo. Com toda certeza, a educação ainda não é o objetivo de primeira ordem das autoridades do governo de modo geral  - comenta o educador Arnaldo Niskier.

O ensino integral, outro desejo dos 26 intelectuais que assinaram o manifesto em 1932, é um gargalo até hoje. Tanto que o PNE  estipula que 25 % dos alunos da rede pública devem estar estudando em tempo integral  até 2024. Hoje, o percentual é de 12 %. A tão sonhada universalização do ensino para todos os brasileiros em idade escolar, reivindicada tanto na carta de 1932 como no plano nacional em vigor, é outro desafio. Segundo dados oficiais, 2,9 milhões de crianças e adolescentes de 4 a 17 anos ainda estão fora das salas de aula.

Niskier é cético em relação às propostas atuais para reverter tudo isso. Para ele, em comparação com o manifesto, o PNE  tem pouca credibilidade
- O manifesto foi assinado por educadores aclamados; O Plano Nacional é produto de anônimos, destinado ao fracasso, porque antes dele deveria existir uma política educacional.
Para o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, apesar de cada documento ser fruto da sua época, as demandas parecidas revelam o atraso do Brasil. De acordo com ele, na ocasião, o país perdeu a oportunidade de acompanhar um movimento internacional de valorização da educação:  - O manifesto tem muitos méritos, mas é fruto de uma  época. Naquele momento não existia a possibilidade de construção de um documento que envolvesse todos os setores sociais, como aconteceu com o PNE. Ainda assim, é um documento avançado, que o Brasil não teve a capacidade de tirar do papel. A gente perdeu o bonde da História, porque a educação nunca foi prioridade. Outras nações, que na época tinham documentos até menos avançados, conseguiram implementar a agenda da educação pública de qualidade. Nós  não. 
Presidente da Associação Brasileira de Educação ( ABE ) à qual pertenciam muitos dos signatários do documento, João Pessoa de Albuquerque acredita que o problema extrapola as fronteiras do poder público. Não valorizar a questão é, na opinião dele, um problema cultural da sociedade como um todo:
- A força cultural é tão forte que muitas vezes leva um país não dar prioridade à educação. Desde 1500 nunca a colocamos em primeiro lugar. A grande marca do manifesto era exatamente a universalização do  ensino; a escola nova é uma escola que deveria abrir suas portas para todas as classes socioeconômicas, e isso infelizmente ainda não aconteceu.

Fonte    -   Jornal    O  GLOBO    pág 14     Domingo  ,  31/05/2015     
 ACERVO     O  GLOBO    O  Manifesto da Educação  , divulgado em 1932 



CECÍLIA  MEIRELLES  
Vida  -  “Entre  o  Efêmero e o  Eterno"

A própria  Cecília Meirelles nos conta de seus primeiros contatos com a vida e a morte.
Nasci aqui mesmo no Rio de Janeiro, três meses depois da morte de meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais, mas, ao mesmo tempo, me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a Morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o eterno  ( ... ) . Em toda a minha vida nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou sentimento de transitoriedade de tudo é o fundamento mesmo da minha personalidade."

Aqui, a presença  da  “área mágica da infância“: 
“Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida. 
Área mágica onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do olhar. Mais tarde, foi nessa área que os livros se abriram, e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida   unidos como os fios de um pano.“ 

Estudou canto e violino. Formou-se professora. Em 1919, publicou sua obra de estréia  - Espectros. Empenhou-se na carreira universitária e na renovação da Educação, tendo organizado a 1ª Biblioteca Infantil do país.
Entre 1934 e 1935 esteve na Europa , a convite do governo português. Em 1935, o suicídio do marido força-a a ampliar as suas atividades de professora e jornalista, para educar as filhas.
Em 1938 seu livro de poemas  Viagem, publicado no ano seguinte, é premiado pela Academia  Brasileira de Letras. Em 1940 casa-se novamente, agora com o professor Heitor Grillo. Inicia-se um período de intensa atividade profissional e literária e de freqüentes viagens ao exterior: Estados Unidos, México  , Argentina, Uruguai e mais tarde  Ilhas dos Açores, França, Bélgica,   Holanda ( onde escreve os Doze Noturnos de Holanda  ).
Em 1953, após anos de minuciosa pesquisa histórica vem à luz o Romanceiro da Inconfidência. Pouco depois parte para a Índia, onde toma parte de um simpósio sobre Gandhi. Desse contato com o Oriente surgem os Poemas Escritos na  Índia e parte das crônicas de Giroflê, Giroflá, além de Elegia a Gandhi, traduzida em várias línguas. Conhece ainda a Itália  , Israel e Porto Rico.
Em 1958 acompanha a edição de sua Obra Poética. Publica ainda outros livros  , falecendo em 1964, em plena atividade literária . Em 1965 a  Academia concede-lhe  , “post-mortem“ o Prêmio Machado de Assis, pelo conjunto de sua obra.  É a consagração definitiva do projeto que norteou toda a obra de Cecília Meirelles
                         
“Acordar a criatura humana dessa espécie de sonambulismo em que tantos se deixaram arrastar.  Mostrar-lhes a vida em profundidade. Sem pretensão filosófica ou de salvação -  mas por uma contemplação poética afetuosa e participante.“ 

Obras:
(A) Poesia

Espectros  (1919 )
Nunca mais  ...  e Poema dos Poemas  ( 1923  ) 
Baladas para El  - rei   ( 1925 ) 
Viagem  ( 1939 )
Vaga  Música  ( 1942 ) 
Mar Absoluto ( 1945 ) 
Retrato natural  ( 1949  ) 
Amor em Leonoreta ( 1952 ) 
Doze Noturnos de Holanda e Aeronauta ( 1952 )
Romanceiro da Inconfidência ( 1953 )  
Pequeno Oratório de Santa Clara ( 1955 ) 
Pistóia , Cemitério Militar Brasileiro ( 1955 ) 
Canções  ( 1956 ) 
Romance de Santa Cecília ( 1957 ) 
A Rosa ( 1957 ) 
Metal Rosicler ( 1960 ) 
Poemas Escritos na Índia  ( 1962 ) 
Antologia Poética ( 1963 ) 
Ou isto ou aquilo  ( 1965 ) 
Crônica Trovada da Cidade de San Sebastiam ( 1965 ) 
Poemas Italianos  ( 1968 ) 

B ) TEATRO

O menino Atrasado  (1966 )

C) FICÇÃO 

Olhinhos de Gato ( s/d )

D) PROSA POÉTICA
  
Giroflê , Giroflá ( 1956 ) 
Evocação Lírica de Lisboa ( 1948 ) 
Eternidade de Israel  ( 1959 ) 

E ) CRÔNICA 

Escolha o seu sonho ( 1964 ) 
Inédito ( 1968 ) 

Considerações Gerais 
A) É a representante mais característica da vertente espiritualista ou intimista do Modernismo. Cecília parte de um certo distanciamento do real imediato e dirige os processos imagéticos para a sombra, o indefinido, o sentimento da ausência e do nada. Nas palavras da própria Cecília : “ a poesia é grito , mas transfigurado “ . A transfiguração se faz no plano da expressão.

B ) É herdeira do simbolismo, retomando aspectos temáticos e formais dos simbolistas  ( é sensível a aproximação a Alphonsus de Guimarães ). É uma poesia de “desencanto e renúncia, nostalgia do além e mística ansiedade". A fuga, a fluidez, a melancolia, a serenidade  , os tons fumarentos de nebulosidade impregnam toda a sua obra.

C ) Há três constantes fundamentais: o oceano, o espaço e a solidão. Trabalhando elementos móveis e etéreos, povoados de fantasias  - forma, som e cor, o poeta projeta a desintegração de si mesmo ou busca seu próprio reconhecimento.

D ) Expressa uma visão própria do mundo, através de um intenso cromatismo, de associações sensoriais  ( o visual – auditivo = sinestesia  ), da musicalidade, do misticismo lírico, do culto da beleza natural e da preferência pela abstração.

E ) Vale-se, de preferência, do verso curto, de ritmo leve e ligeiro, que acompanha a fluência  de impressões vagas, esbatidas.

A primeira coisa que nos chama atenção em Cecília  Meirelles, e que nos prova aliança íntima de sua poesia à música, são os títulos de seus poemas. Vejamos os seguintes exemplos de títulos, em Viagem: “Música“, “Serenata“, “A Última Cantiga“, “Canção“, "Cantiguinha“, “Som“,  Guitarra“, “Pausa“, “Valsa“, “Noturno“, “ Realejo” , “ Cantiga“, “ Cantar “, “ Marcha“, “ Assovio “.

É igualmente expressivo o título de uma das primeiras poesias da coletânea: “Música“, em que as estrofes são tercetos breves, de versos de 4 sílabas e cujo ritmo se assemelha a uma cantiga rudimentar, onde as rimas vão se sucedendo ora entrelaçadas, ora misturadas:

“Noite  perdida 
Não  te  lamento 
Embarco  a vida 
No  pensamento 
Busco  a  verdade 
Do  sonho  isento"


Fonte    -   Coleção Sistema de Métodos de Aprendizagem   - OBJETIVO 
Livro  27    - Andrade  T . Teixeira , 1940





O GRANDE CIRCO HÍBRIDO





As lonas circenses, que no Brasil começam a ser içadas durante a primeira metade do século XIX, a partir de companhias originárias da Europa, se tornam atração urbana em São Paulo a partir do início do século XX, quando circos de touros ou de cavalos são montados na região central da cidade. Na segunda década do século já é muito comum o espetáculo agregar em sua estrutura a pantomima, encenação com poucos diálogos e mais expressão corporal, realizada em geral pelos palhaços. Essa apresentação irá, a partir daí, transformar-se até se tornar, de fato, uma encenação dramática, o que chamará aqui, para efeitos de análise, circo-teatro
O circo  e  , especialmente  , o circo–teatro, encenação feita no próprio picadeiro ou num palco instalado sob a lona, vão se firmar como entretenimento popular no momento em que a cultura de massa se estabelece e cria seu discurso. Assim, o espetáculo encenado se trona obrigatório por atrair multidões e se adapta a esse público ao agregar elementos da própria cultura de massa, oriundos do rádio ou do cinema, construindo uma linguagem que será apropriada na elaboração do discurso da televisão na década de 1950.
Dois nomes despontam nesse processo e passam a ser analisados dentro do recorte de entrecruzamentos das matrizes popular, erudita e massiva: os palhaços Piolin (1897 -1973) e Arrelia (1905 -2005). 

PIOLIN: PALHAÇO  POPULAR  OU  ERUDITO  ? 

Yan de Almeida Prado informa, por meio das crônicas escritas no final da década de 1920, que São Paulo contava com duas lonas fixas que atraíam o grande público e que ofereciam um espetáculo livre do dogmatismo cultural: o Circo Alcebíades e o Circo Irmãos Queirolo.

O público comporta-se como se estivesse na casa da sogra  , grita , berra , diz piadas  , interpela “os artistas", arma a desordem à saída. Por sua vez , os palhaços e tonis não sentem peias em soltar graças tremendamente salgadas. Já se habituou o povo a considerar o circo coisa sua".

A atração principal da lona dos Queirolo é Chicharrão  ( Antonio Carlos Queirolo ), muito popular, mas que no final da década de 1910 rompe com a família e vai atuar um circo que havia acabado de chegar à capital, o Americano, de um tal Galdino Pinto, ex-herdeiro de cartório que se apaixonou por uma artista circense e virou empresário mambembe. Chicharrão foi contracenar com o filho do empresário,  Abelardo, que iniciou a carreira aos sete anos como contorcionista e se fez palhaço em 1917. Suas canela finas, que, mais pareciam barbantes , lhe renderam o apelido de Piolin. 

Os Queirolo não engoliram afronta e planejaram o troco a Chicharrão, que logo abandonou o Circo Americano para atuar no Teatro República, no Rio de Janeiro. Foi a deixa para os Queirolo elegessem Piolin como a sua principal atração  . Vestiram-no como a Chicharrão: chapéu coco, bolota vermelha no nariz, peruca de careca, boca maquiada de branco, colarinho enorme, sapatos compridos e bengala gigante. Enfim, a caracterização que se tornaria a síntese do tipo excêntrico, adotada por boa parte das gerações seguintes de palhaços. A tradição circense consagrou dois tipos principais de palhaços: o clown, de rosto branco e vestes refinadas  , e o excêntrico, que é o cômico de dupla. Enquanto o primeiro atua como escada para as situações de humor, o segundo é o desajeitado, o que destoa do real, o que se mostra, ao final, mais esperto. 

Seis anos depois, já aclamado, Piolin transferiu-se para o Circo do Alcebíades, instalado no largo do Paissandu, onde atuou por cinco anos, fazendo dupla com o clown Alcebíades (Pereira).

A origem aparentemente popular do artista circense, que geralmente adquire seus saberes dentro da estrutura familiar, somado ao fato de não pertencer a uma tradicional família estrangeira, como a maioria dos seus pares circenses, fizeram de Piolin um artista genuíno aos olhos dos intelectuais de sua época. Descoberto pelo poeta franco-suíço Blaise Cendrars em 1926, ele arrastou para as arquibancadas do Alcebíades toda a geração da Semana de 22: Antônio de Alcântara Machado, Guilherme de Almeida, Di Cavalcanti, Menotti Del Picchia, Oswald de Andrade, Sérgio Milliet, Tarsila do Amaral e Mário de Andrade, entre outros. Logo Alcântara Machado assinalava na revista Terra roxa  e outras terras

São  Paulo tem visto companhias nacionais de toda sorte. Incontáveis. De todas elas, a única, bem nacional, bem mesmo, é a do Piolin ! Ali no Circo Alcebíades ! Palavra. Piolin, sim, é brasileiro. Representa Dioguinho, O Tenente Galinha, Piolin sócio do Diabo, e outras coisas assim, que ele chama de pantomimas, deliciosamente ingênuas, brasileiras até ali.

A descoberta de Piolin descortinou um personagem sob medida para a que demandava o anseio modernista. Como escreveu Cândido Motta Filho:

Essa descoberta foi sensacional   mormente porque se tornou o instrumento mais vivo mais expressivo de nosso protesto. A arte   para o gosto requintado   para um público  seleto, era artificial e decadente. O circo era a arte voltando à sua essência, como todo que tinha sucesso popular,  como Carlito, Mutt  e Jeff ou Chicharrão.

Ele era o personagem urbano, e cosmopolita capaz de guardar em sua expressão corporal a alma brasileira, como buscavam os modernistas. Para o palhaço, foi um importante reconhecimento da sua performance como artista: “Fiz sucesso rápido devido a eles. Se interessavam por mim  e constantemente escreviam crônicas sobre meu trabalho“.

Oswald de Andrade se aproxima de Piolin atraído por sua expressão cênica. Escreve a esquete Piolin, professor de clarinete, e do palhaço retira referências para elaborar o personagem principal da sua peça  O rei da vela, também chamado Abelardo. Transforma o excêntrico no principal personagem do seu projeto antropofágico ao promover, em 29 de março de 1929, um banquete em que Piolin foi devorado pelos intelectuais.

Enfim, essa apropriação e essa troca de referências confundem os limites entre o erudito e o popular? Parece que a negociação simbólica promovida pelo palhaço avançava a alma genuína buscada pelos intelectuais e levava ao picadeiro também o terceiro problema. Piolin conta Aracy A . Amaral, no livro Tarsila, sua obra e seu tempo  : “Inspirávamos antes em comédias cinematográficas da época, em Carlitos sobretudo, além de outros pastelões que adaptávamos. Fazíamos um roteiro mas sempre com uma margem para a improvisação“. Mário de Andrade também havia percebido essa influência, assinalada na revista  Terra roxa e outras terras  , ao analisar a pantomima  Do Brasil ao far-west  , de Piolin

Outros valores que a peça contém já não o são ocasionais embora não sejam também internacionais. Aliás, a criação verdadeira nunca é intencional  [...]. Por exemplo, a mistura saborosa do elemento nacional e do estrangeiro. Se esse provém diretamente do filme cowboy, não se origina de nenhuma imitação. É utilização perfeitamente plausível, deformativa sempre e que leva o absurdo a uma tal intensidade de cômico que raramente se poderá superar".

Na década de 1950, quando a Companhia Vera Cruz buscava elaborar um produto cinematográfico que oferecesse entretenimento popular, ela procurou a referência circense. O filme dirigido pelo italiano Adolfo Celi em 1952  , Tico-Tico no fubá, que conta a biografia romanceada do compositor Zequinha de Abreu, usa o estereótipo da paixão do moço da cidade pela moça do circo. Piolin surge plenamente reconhecível na tela, em sua única aparição em cinema. O filme foi o primeiro sucesso de bilheteria do estúdio e marcou a circularidade referencial entre os dois meios, o circo e o cinema. Não foi a primeira nem a única vez em que palhaços apareceram na grande tela, mas foi a primeira vez que os meios massivos se utilizaram da popularidade de um público como ele  para legitimar um produto que pretendia conquistar o público urbano.

Piolin também estrelou um programa na extinta TV Excelsior, em 1960, em horário nobre, antecedendo a principal atração da emissora, o programa de variedades  Brasil 60, apresentado por Bibi Ferreira. A hesitação de um patrocinador fez o palhaço abandonar o projeto. Para substituí-lo, Bibi Ferreira chamou seu tio-avô, e velho desafeto de Piolin: Chicharrão, na época com quase 80 anos. Como o Largo Paissandu, a televisão também foi o ponto de encontro dos palhaços populares. 

ARRELIA: PALHAÇO  POPULAR  OU  MASSIVO  ?

A presença dos dois palhaços  mais antigos de São Paulo na televisão acontecia na esteira do sucesso do formato circo na TV consagrado anteriormente por três pioneiros. Em outubro de 1950 estreou na TV Tupi o programa Circo Bombril, comandado pela dupla Fuzarca ( Albano Pereira Neto ) e Torresmo ( Brasil José Carlos Queirolo, filho de Chicharrão  ). Um ano depois, surge na tela da TV Paulista, e , em 1953, na da Record, o Circo do Arrelia, Waldemar Seyssel criou um dos palhaços mais conhecidos do público brasileiro, isso graças não só a sua carreira no Circo Irmãos Seyssel, da sua tradicional família, mas também a essa autuação na Record.

O circo Seyssel foi fundado pelo pai de Arrelia, Ferdinando Seyssel, o palhaço Pingapulha, e seu irmão Vicente, em 1922. Depois de viajar pelo interior do Estado, o circo chegou a São Paulo em 1940. Foi quando Arrelia encontrou sua principal expressão, a comédia de picadeiro, em que o palhaço figura como personagem central. “A temporada que fizemos no Largo da Pólvora, em São Paulo, deu-se quando comecei a tornar-me popular. Fiz grande sucesso nessa temporada, interpretando peças escritas por mim e outras de autores estrangeiros, que traduzi“.

Arrelia havia cumprido uma exigência da mãe  : formar-se doutor pela Faculdade do Lardo de São Francisco, embora tenha testemunhado, muitos anos depois, que “não queria ser advogado, queria ir para a América do Norte fazer filmes“. Talvez por conta dessa formação, passou a escrever o que chamava de suas comedinhas, comédias de picadeiro, curtas e de humor escrachado, de que se orgulhava ser autor. Apesar da herança do pai, demonstrou personalidade suficiente para reinventar o estereótipo do palhaço excêntrico, abandonando as formas exageradas e optando por um tipo mais refinado.

Alto e desengonçado, quando todos os palhaços excêntricos são baixos, seus sapatos de bicos imensos e finos e sem bengalas compridas, falando difícil sem saber e errando sempre ( boa talde ). Enfim, é um tipo de rua, um misto de gente que encontrei em teatro, cinema e TV e na própria rua; um tipo que vai indo, mesmo sem instrução e metido a sebo.

Orgânico em sua formação autoral, Waldemar Seyssel foi tradicionalista no sentido de rechaçar o circo-teatro encenado no palco, que viveu seu período de ouro nas décadas de 1940 e 1950. Por tradição familiar, ele optou pelo circo tradicional. Como não pode escapar ao circo-teatro, pois este atraía público, ele fez das comédias de picadeiro sua principal expressão autoral. Para construir sua obra, contava com o recurso do improviso, o que tronava o personagem Arrelia coautor com Seyssel das comedinhas  . 
Na televisão, cada vez mais a comédia de picadeiro foi se tornando purista no sentido original da atividade circense e cada vez menos contaminada pelo circo-teatro, que ele considerava um desvirtuamento do espetáculo circense, e   cada vez mais próxima  do formato das entradas  .

[...]  mas Arrelia não tinha ilusões. Com a sua gente, ele já vinha fazendo shows no rádio e em teatros, enquanto observava caírem vertiginosamente as rendas dos circos. A crise estava instalada. Na sua opinião, começava tudo com a utilização do palco sobre o picadeiro, a introdução do teatro no circo. Para ele, [ ...] isso desvirtuara a pureza do espetáculo circense. Não levava em conta ter sido aquilo um remédio, um paliativo  para impedir a morte mais rápida do circo. Purista,  queria o espetáculo na sua forma tradicional, mas como? - perguntava-se. Onde conseguiu os milhões necessários à montagem de um circo atualmente? Como conciliar os investimentos com os necessários preços apenas razoáveis dos ingressos em se tratando de um espetáculo eminentemente popular  ? 

A passagem do picadeiro para a TV foi um caminho sem volta, como testemunha o próprio Seyssel: “Entrei para a TV Record e senti enorme emoção quando dei esse passo  , uma vez que ele representava um momento decisivo na minha carreira“. O espetáculo que no circo se destinava ao público em geral, na televisão voltou-se para as crianças. O palhaço da TV não era o mesmo do picadeiro.

O palhaço na televisão foi mais povo, pois eu estava em contato direto com as famílias. No circo   era   diferente  ,  ia  quem  queria  ir   .  Então  ,  eu tirei   todo   aquele tom   malicioso ,      todo o   duplo sentido que tinha no circo  . Com a televisão veio o sucesso e vieram os fãs, que eu adoro !

Na verdade, Seyssel, apropriando-se de comédias populares  , transformou-as em comedinhas  , ao seu modo   . A televisão  , por sua vez  , ao se aproximar da linguagem do circo  , levou Arrelia a retomar a velha tradição circense. Era o elemento de legitimidade de que o meio televiso necessitava, naquele momento de construção do discurso massivo. Arrelia, que poderia, à primeira vista, ser rotulado como palhaço massivo, faz-se a partir dos elementos populares do circo familiar, além de que se gabar dos dotes eruditos autorais. Ao mesmo tempo, busca em certo purismo idealizado de um circo essencial os elementos para construir o programa para a televisão. Com isso, promove a circularidade cultural. 

Fonte   -  Comunicação & educação  -  Revista do Curso    GESTÃO  DA  COMUNICAÇÃO 
Págs 51 a 54    ANO  XIV    n]  3     set/dez  2009 
Walter de Sousa   - Professor doutor pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade 
De  São  Paulo 

Sobre os direitos das crianças




 
Comportamento 
Sobre  os direitos  das crianças 

Amo a infância. Divirto-me e me realizo com as crianças: seus sonhos, suas criações, suas “viagens pela imaginação“. São príncipes, são sapos, dinossauros, leões, super-heróis, princesas, bruxas  , fadas . Choram por pouco, riem por muito menos... São campo virgem, são massa a ser moldada, são pequenos  a serem formados e transformados em pessoas de bem, lúcidas, sensatas. Têm direito a isso.
Elas têm o direito de serem acolhidas e cuidadas por suas famílias, vivendo uma rotina apropriada à fase em que se encontram. Têm direito a conviverem com adultos que se responsabilizem e cuidem delas decidindo sobre tudo aquilo que elas ainda não têm critérios e condições para decidir: o que e em que horário devem comer, que horário vão dormir, tomar banho, acordar, assistir TV, brincar com eletrônicos...  que  as protejam , especialmente de seus próprios desejos ainda insensatos  , exatamente porque são sujeitos em formação  , não conhecem as consequências.
As crianças têm direito a brincar com pessoas e não somente com telas. Aliás, não somente de brincar, mas também de brigar, se desentender, disputar, conviver com outras pessoas - com todas as alegrias, dores e afetos que isso possibilita. Têm direito de ter suporte para enfrentar as frustrações, as dificuldades, as novidades sem serem poupadas delas. Têm direito de descobrir se conseguem superá-las, porque são potencialmente capazes, criativas, têm apoio, são fortes  - mais fortes do que os pequenos obstáculos do cotidiano. Têm direito de se sujar na terra, de pintar com as mãos, brincar de massinha, de ter um canto onde possam sujar, limpar, organizar , desorganizar e experimentar. Têm direito de aprender a respeitar os limites, porque são colocados com autoridade, despertando o respeito. Direito de errar muitas vezes e serem corrigidas com carinho e firmeza; direito de serem conhecidas em suas características, potencialidades , limitações e defeitos. E isso só é possível com o convívio rico em tempo e qualidade.
Têm direito de sentirem-se pertencentes a uma família que os forje a partir de seus valores e princípios  . Têm direito de ser formadas por pessoas que as amem e que, por isso mesmo, ajudem-nas a adquirir as virtudes que não têm, a lutar contra os defeitos que têm e a aceitar as próprias limitações, tirando o melhor proveito delas. Assim, construirão uma auto estima positiva, que potencializa o crescimento equilibrado. Assim também aprenderão, com o tempo, a “ enxergar “ os outros, a saber que todos têm vontades, necessidades e direitos. Saberão abrir mão daquilo que puderem em benefício do coletivo. Aprenderão critérios para serem capazes de escolhas acertadas, sensatas, lúcidas – que preservem a vida delas e dos demais. Escolhas responsáveis, que visem não somente ao benefício próprio, mas o da comunidade com a qual convivem. Aprenderão a lutar pelo que vale a pena, uma vez que, desde pequenos, foram ensinados a buscar com garra o que é bom e importante. Aprenderão valores  , o que  , com certeza, é mais importante do que inglês, mandarim, etc.
Não nos esqueçamos: algumas coisas são boas, outras são fundamentais. Aprender outras línguas, praticar diferentes esportes, aprender a tocar instrumentos, é muito bom  , porém  , formar pessoas com valores e virtude é fundamental. As crianças têm esse direito e nós, pais, temos o dever de nos envolvermos nisso de corpo e alma afinal, somos responsáveis por elas.

Fonte  -  Jornal     O  SÃO  PAULO     pág  6   
VIVER  BEM     -      5 a 11 de outubro de 2016    
Simone  Ribeiro  Cabral  Fuzaro é fonoaudióloga e educadora


PAZ   PARA AS  CRIANÇAS

Não é exagero afirmar que a maior batalha da sociedade brasileira hoje é contra a violência. Diariamente, somos surpreendidos por chocantes notícias de agressões, linchamentos e assassinatos, muitas vezes em decorrência de motivos insignificantes.
Essa cruzada por um país mais pacífico para as próximas gerações está intimamente relacionada aos dados recém-apresentados do Levantamento Nacional de Álcool e Drogas, organizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Entre os dados alarmantes da pesquisa, consta que 21,7% dos brasileiros afirmam ter sofrido abusos quando criança. Este número salta 45,7% entre alcoólatras, 47,5% entre os usuários de maconha e 52 % entre os dependentes de cocaína. Resumindo:  segundo a pesquisa, vítimas de violência na infância ou na adolescência têm o dobro de chances de se tornaram dependentes de drogas ou álcool.
A pesquisa da Unifesp aponta que entre as agressões mais frequentes sofridas pelas crianças estão empurrões, beliscões ou arranhões ( 12,4% ), seguidas de perto por tapas ou socos que deixa marcas (11,9%). Ameaças com facas ou armas  (1,7%) e queimaduras (0,7%) também foram registradas. Pasmem: os praticantes de tais abusos são os próprios cuidadores dos menores.
A situação não é muito diferente nos demais centros infantis de tratamento psicológico e psiquiátrico. Estudo feito pela Academia Americana de Psiquiatria, em 2000, mostrou que 88% das crianças entre 3 e 5 anos que apresentavam quadro de depressão ou ansiedade tinham sofrido maus-tratos físicos ou morais. O estudo foi refeito recentemente e seu resultado não pé animador: este percentual cresceu para assustadores 90 %.
O cérebro infanto-juvenil é como uma esponja, que absorve e retém as mais diferentes experiências, boas e más. O aviltante vídeo do linchamento de Guarujá, que revoltou todo o país, deixa claro que entre os espectadores daquelas cenas de horror estavam crianças e jovens. As frequentes guerras de torcidas nos estádios brasileiros de futebol têm por testemunha centenas de crianças e adolescentes que lá estão em busca apenas de uma boa partida. Que recado estamos dando a estes menores que assistem tanta violência?
Diversos segmentos da sociedade têm sua responsabilidade na preservação da integridade psíquica dos menores brasileiros. Professores e profissionais de saúde devem estar alerta e em condições de detectar abusos que aconteçam na casa do menor. Ao Judiciário, cabe a celeridade no julgamento dos responsáveis pelas crianças que estão em perigo, além de facilitar o burocrático processo de adoção por parte de novas famílias impostas a recebê-las.
Segundo Albert Bandura , psicólogo canadense autor da teoria –social –cognitiva, “a criança que vê com frequência os pais sendo voluntários para alimentar indigentes pode ser no futuro próximo saber a importância de ajudar e respeitar os outros  , mesmo sem orientação direta deles . O exemplo é o que fica.” É chegada a hora de o Brasil decidir que país deseja ser a partir das próximas gerações.

Fonte – Jornal O  GLOBO            pág 17
 Fabio Barbirato é chefe do Departamento de Psiquiatria Infantil da Santa Casa do Rio
    

EDITORIAL 
Dia das Crianças: Será que temos  motivos para comemorar esta data  ?

Dia das crianças  , data em que festejam não apenas as crianças festejam e comemoram  , mas também os adultos  . Afinal de contas, a data é feriado nacional e como todo feriado é sempre bem  vinda aquela pausa nas nossas tarefas e afazeres.
Lembramo-nos desse dia como um dia especial voltado às crianças, em que todos os tipos de pais se fazem presente  ; os mais precavidos  , com os presentes já definidos e comprados.
Porém, nem tudo se resume a compra de presentes, festa e confraternização de todos os familiares e amigos nessa data tão esperada por inúmeras crianças de todos os quatro cantos deste país.
Não há como esquecer as mães aflitas empunhando em suas mãos trêmulas  , cartazes com a foto de seus filhos desaparecidos  , sem saber do seu verdadeiro paradeiro  , quando não tem apoio da mídia  , não contam sequer com o auxílio do governo  nem dos órgãos competentes na busca de informações para o encerramento do caso  , ou então  , a prostituição infantil  , que degrada cada vez mais nossa sociedade  , cenas que se repetem não apenas em um determinado Estado ou região do país  - se engana aquela que pensa isso  - que infelizmente, em todo o Brasil, por onde quer que vá, é repetida diariamente em beira de estradas, bordéis, e ainda, pais que vendem seus filhos a qualquer preço, alimentando ainda mais o tráfico infantil.
Escolas completamente sucateadas, paredes corroídas prestes a cair, carteiras em estado lastimável, quadros–negros improvisados, professores mal remunerados, ensino deturpado, verbas desviadas de merenda escolar, informatização de escolas e compra de materiais básicos, tudo isso feito através de um organizado sistema corrupto presente em quase todos os municípios  - sendo otimista para não falar, todos  - faz do Brasil, um dos países com pior qualidade de Educação do mundo.
Enfim, se olharmos por esse lado, não temos razão alguma para comemorar esse dia e tê-lo como referência às crianças, afinal, se tomarmos como exemplo apenas o nosso país, com tantas crianças em trabalho pesado e ainda por cima, escravo fazendo delas pobres indivíduos indefesos e sem ter a quem socorrê-las, uma vez que, o governo se mostra inapto em se fazer cumprir as leis, e muitas vezes, são os próprios ardilosos participantes desse governo que são proprietários de fazendas, pedreiras, mineradoras  , carvoarias, entre outros redutos de trabalho servil e infantil.
O maior presente que podemos dar a essas crianças é o respeito e a dignidade perdidos pelo abuso e pelo incessante desejo de o homem enriquecer a qualquer custo, de qualquer forma e sob qualquer pretexto.

Fonte     -     Jornal     RIO 
Editorial