Costumamos pensar a Amazônia como sendo o estado do
Amazonas. Mas a Amazônia é muito
mais. É todo território latino–americano, inserido na Bacia
Amazônica, isto é, são terras banhadas pelo sistema
fluvial Amazonas-Solimões–Ucayalli. Por isso a Amazônia é pan–americana. Já foi chamada de “ Eldorado “, por suas
imensas riquezas de “ Inferno Verde “ e de “ Pulmão do Mundo “. Água e floresta ali construíram uma
estreita e desafiante relação. A maior
parte desse território fica no Brasil,
formando a Amazônia Legal Brasileira.
A Amazônia Legal
Brasileira está formada por dez estados: Acre, Amapá, Amazonas, Goiás, Pará, Rondônia, Roraima
e Tocantins, e partes do
Maranhão e de Mato Grosso.
O primeiro ex-voto que encontrei, vindo da Amazônia, caracteriza muito bem o problema da
devastação de nossa floresta: uma tora
de madeira de lei, sendo sangrada por
serrote e moto serra. O autor é
desconhecido, mas se identifica muito
bem com os milhares de amazoninos,
prejudicados por madeireiras inescrupulosas que devastam essa região.
Outros ex-votos,
também anônimos, são esculturas de
lindas aves, naturais de Mato
Grosso. Também essas aves são objetos da
cobiça de predadores que as caçam para um comércio ilegal, ou da ave, ou das penas tão bonitas. Que
o digam as escolas de samba do Rio de Janeiro. Embora proibidas, ostentam
magníficas plumagens em seus carros alegóricos. A procedência desses ex-votos é identificada com poético nome TERRA DOS DIAS APAIXONADOS.
A riqueza maior da Amazônia é traduzida em seus povos e seus valores. Uma sociedade pluriétnica ( diferentes
raças ), pluricultural e
plureligiosa. Povos diferentes e
religiões diferentes convivem, às vezes
em conflito, nessa imensa região. Desses povos, dos indígenas e seringueiros, Chico Mendes disse: “Enquanto houver indígenas e seringueiros
na Floresta Amazônica, há esperança de
salvá-la “. Em 1989 foi celebrada a Aliança dos povos da Floresta, entre os
povos Indígenas e os povos extrativistas, os seringueiros, contra os
grandes projetos de destruição da Amazônia. O ritual contou com a troca do COCAR, representativo das culturas indígenas, e da PORONGA, representativa
da vida dos seringueiros. É com a
poronga que o seringueiro extrai o látex da árvore da borracha. Da Sala das Promessas foram levados para o
Museu do Santuário cocares e uma poronga, deixados ali como ex-votos.
Com exceção dos indígenas, a população da Amazônia é formada, na sua maioria, por
migrantes. O ciclo da borracha atraiu
para a Amazônia um processo migratório de migrantes do nordeste brasileiro. Além da migração de comerciantes
turcos, sírio-libaneses e judeus, muitos missionários estrangeiros para cá
vieram e continuam chegando.
Religiosos e religiosas desempenham um papel no qual a
mística da opção pelos pobres levou muitos deles a deixarem um primeiro mundo e
tentarem concretizar uma Igreja com rosto amazônico. Nessa busca, alguns imigrantes religiosos derramaram seu sangue, oferecendo suas vidas pelo projeto do
reino. Alguns deles: Padre João Bosco Burnier, Padre Josimo Moraes Tavares, nosso ex-aluno no Seminário Bom Jesus de
Aparecida; e Irmã Doroty Stang que
compõe o painel das mulheres da Igreja,
na ala norte do Santuário Nacional.
Para esses imigrantes religiosos, ofereço a mensagem deixada pelo ex-voto, vindo da Amazônia: “Na história de cada imigrante há sempre
um navio partindo de um porto distante“.
Fonte - REVISTA DE
APARECIDA págs 12 , 13
200 7 -
SALA DAS PROMESSAS
ZILDA RIBEIRO
O testemunho de DOROTHY
Há dez anos,
a chuva da Amazônia levava para as
entranhas da terra o sangue de Irmã Dorothy Stang. Cinco balas alvejaram a religiosa, tentando barrar a luta por justiça numa terra sem lei dominada pela
destruição da floresta e dos mais pobres.
A PRIMEIRA bala
cruzou o caminho de Dorothy em 1970, quando em Coroatá – MA grupos de mulheres que se organizavam para
sair da exploração dos sete grandes fazendeiros que oprimiam os pobres da
região. Ela não foi atingida e seguiu
sem medo as missão. Mais de 30 anos
depois, outro fazendeiro mandaria outros pistoleiros. Cruzam novamente o caminho da freira, agora sozinha, vítima que tomba como as árvores da Amazônia.
Dorothy Mae Stang nasceu em 1931. Desde 1950 pertencia à Congregação das
Irmãs de Notre Dame de Namur. Ingressou
jovem na vida religiosa em sua terra Natal, Ohio, nos Estados Unidos.
Atuou sobretudo no campo da educação,
em diversas escolas, e sempre se
distinguiu pela solidariedade.
Chegou ao Brasil em 1966, com os bons ares do Concílio
Vaticano II e no início dos anos de chumbo
, que estavam se abatendo sobre o Brasil depois do golpe de 1964 . Ela e mais cinco religiosas estudaram no
Centro de Formação Intercultural (
CENFI) em Petrópolis – RJ por seis meses para aprender a língua, a história, a cultura e os desafios da
nova missão.
Da Cidade Maravilhosa foram a Coroatá – MA, ajudar dois padres italianos que viviam na
cidade com 12 mil habitantes e atendiam mais de 100 mil pessoas da região. A assistência religiosa no interior do
Maranhão era feita por meio das “ desobrigas “, visitas que os padres faziam às localidades para administrar os
sacramentos. As Irmãs de Notre Dame da
pequena comunidade ficaram surpresas pela maneira como a Igreja se
organizava, e logo começaram a
implantar as atualizações trazidas pelo Concílio Vaticano II que propunha o
protagonismo do leigo e a maior articulação da Igreja com a sociedade.
A experiência anterior de Dorothy como professora foi
fundamental para a sua missão. Formava
líderes, ajudava na alfabetização, na organização dos trabalhadores e fundou
sindicatos. Ajudava as pessoas a se
organizarem, montou um laboratório para
diagnosticar verminoses e fez curso de obstretícia. Coroatá reconheceu na pequena freira uma
alma grandiosa e lhe conferiu o título de cidadã honorária do município, em 1974.
Entre o mais
pobres
A abertura da rodovia Transamazônica arrastou as pessoas
mais pobres em busca de oportunidades.
Havia a ideia de que o progresso passaria pela rodovia iniciada em 1970 e nunca
concluída. Em 1974, Dorothy seguiu o caminho de esperança que
os pobres estavam trilhando e foi para a cidade de Marabá - PA.
Continuou sua ação, sobretudo
nas Comunidades Eclesiais de Base ( CEBs ) , refletindo com grupos a Palavra de
Deus para iluminar a realidade.
Em 1982 , o coração de Dorothy sentia que era hora de bater
com o coração da floresta. Partiu para
as margens do rio Xingu, para leste da
Transamazônica, onde o bispo de Xingu, Dom Erwin Kräuler a
recebeu na prelazia.
Ali conviveu com as pessoas mais pobres e foi acolhida em
uma família que viva em um barraco de chão batido com dez filhos. Por dois anos pousou ali a caixa com seus
pertences e desenvolveu intenso trabalho na formação crítica das consciências e
na organização para o trabalho.
Começou a trabalhar no povoado de Anapu, no sul do
Pará, e fez muito pela sua emancipação
em 1995. Fundou a Associação Pioneira
com os lavradores e posteriormente o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Isto proporcionou maior união entre os
agricultores que criaram meios para escoar a produção e conseguir insumos de
maneira mais acessível.
Em 1998, Dorothy foi mais dentro da floresta, partilhando
a vida dos assentados em Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS). As terras devolutas de Anapu foram entregues pelo governo a 600 famílias que
tiveram que lutar contra grandes fazendeiros pela posse da terra.
Calvário
Anapu, às margens do
Xingu e da Transamazônica, recebeu o desmatamento para a exploração de madeira
e criação de gado como se fosse progresso. No ano 2000, a cidade contava com duas serrarias e mais de 9 mil
habitantes. Em quatro anos, as serrarias eram 23 e mais de 20 mil
pessoas tinham sido atraídas a Anapu.
A luta de Dorothy se voltou para ajudar as famílias
assentadas nas terras do PDS. Dialogava
com servidores públicos, promotores de
justiça e políticos. Ela conversou
com a Ministra do Meio Ambiente sobre a
situação das famílias da floresta e sobre as ameaças de morte que respirava no
pesado ar do Xingu. Esteve em
Brasília - DF, visitou deputados e senadores, falou com o presidente do Instituto
Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA ) e mostrou o destino trágico que se
desenhava para os assentados , para a floresta e para si mesma.
Em 2004 , a Ordem dos Advogados do Brasil ( OAB ) conferiu a
Dorothy a Medalha Chico Mendes, e a Assembléia Legislativa do Pará a declarou
cidadã honorária.
Muitos perseguidos
O artista plástico
Claudio Pastro colocou
a figura de Dorothy nos azulejos
que enfeitam o Santuário
de Nossa Senhora Aparecida
como uma das santas mulheres.
Além da pintura artística, ela representa os perseguidos da
Amazônia.
Fonte - Revista
O MÍLITE
págs 35 a 38 Atualidade
2015
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