Acabou
em samba...
Artur Azevedo
exaltou o carnaval
da periferia carioca em peça
de teatro.
O resultado
foi uma comédia
contagiante
MÚSICA POPULAR, A CAPOEIRA
E A DANÇA
gingada dos mulatos ganharam o carnaval de 1908. E não foi só nas ruas
do Rio de Janeiro, mas também no palco
do teatro, com a estréia da peça "
O Cordão ", de Artur Azevedo (
1855 -1908 ). Em cena estava a maior festa popular brasileira, retratada por
um grupo de divertidos foliões dos subúrbios do Rio de Janeiro. A peça trata, com muito humor, das dificuldades econômicas das camadas
sociais mais baixas. E revela os
preconceitos das classes média e alta em relação aos pobres e seus costumes.
A obra de
Azevedo se caracterizava por mostrar os costumes brasileiros com simplicidade,
mas seus colegas o criticavam por conta da grande popularidade de seus textos e
por eles se afastarem de gêneros eruditos, com alta comédia, a tragédia e
a ópera. Havia muita ansiedade no meio intelectual para tornar o Brasil um
país tão " civilizado " quanto a Europa depois das transformações
sociais promovidas pela Abolição e pela República. Se,
por um lado, havia um refinamento
literário representado por escritores como Machado de Assis, por outro, o povo iletrado se divertia com as festas populares " O Cordão
" mostra como Azevedo conseguiu entreter o povo, retratá-lo, e também agradar a seus colegas de Academia.
A oposição
entre o carnaval dos pobres e dos ricos é apresentada por Azevedo, que divide os personagens em dois
grupos. Um é composto de pessoas
formalmente educadas, com emprego
fixo: dois rapazes, os funcionários públicos Gastão e
Alfredo; suas namoradas, Florinda e Rosa, educadas por um padrinho
general; e um conselheiro. No outro
grupo estão os participantes assíduos do Cordão Carnavalesco Foliões do
Itapuru: Remígio, o pai das moças enamoradas, e seus companheiros de folia, todos pobres e analfabetos.
Os cordões
também chamados de zé-pereira, eram os
grupos de carnaval de rua, nos quais
desfilava, democraticamente, toda a
população. Eles pulavam atrás dos
desfiles das ricas sociedades,
organizações em que os sócios pagavam mensalidades caras para saírem em belos
cortejos, com carros luxuosos. A situação lembra hoje o carnaval de rua da
Bahia, com seus caros abadás, camisetas obrigatórias para quem quer
acompanhar os trios elétricos do lado de dentro da corda, vigiada por seguranças. Quem não paga, os chamados " pipocas ", segue
os carros por fora do cordão.
À primeira
vista, sobressai no texto de Azevedo a
crítica aos costumes do grupo do cordão, expressa pelos personagens instruídos. Alfredo e Gastão, que tinham
renda fixa e representam os olhos da sociedade culta diante dos "bárbaros " do Catumbi - visão
preconceituosa sobre a população de baixa renda. Os dois rapazes participam de um ensaio do cordão carnavalesco para
observar o ambiente e retirar suas namoradas dali. As moças também desaprovam o ensaio, mas vão ao desfile porque foram obrigadas
pelo pai: "Mas eu preciso sair daqui... Imagina que papai nos leva a um cordão carnavalesco" !, é uma das falas de Florinda.
Ao chegar à
casa de Salustiano, o mulato presidente
do cordão, os rapazes se espantam com
as atitudes dos membros do grupo. Eles
bebem vorazmente cachaça pelo gargalo de uma mesma garrafa, narram brigas em que seus companheiros de folia
foram presos, dançam e cantam em ritmo alegre:
" Ai ,
ai , ai ! Eu aí !
Deixa as cadeiras
Da negra
boli " !
Ao ver o Salustiano pela primeira vez. Alfredo
expressa sua opinião nada positiva:
" A figura é de um verdadeiro cafajeste . "
Durante o
ensaio , a primeira impressão do rapaz se
intensifica. O Contato com os demais
participantes do cordão apenas reforça a opinião negativa que Alfredo e Gastão
têm ao conversar com Salustiano pela primeira vez. Cada componente do grupo reflete o modo de
ser um cidadão carioca marginalizado. A
caracterização cuidadosa dos personagens faz surgir aos olhos do espectador um
quadro vivo e animado, uma crônica da
sociedade do Rio de Janeiro de cem anos atrás.
Suas
falas, seus trejeitos , o modo como tratam uns aos outros são
retratados de maneira muito próxima da realidade . A crítica direta está presente nos olhares
e nos comentários dos dois rapazes ,
moradores de outra região da cidade ,
estranhos à vida daquelas pessoas . Essa
crítica , no entanto , não é inteiramente endossada pelo amor .
Em
diferentes momentos da peça , é possível perceber o ponto de vista das pessoas
mais humildas . Após Alfredo e Gastão
serem recebidos pelo presidente do cordão
, o primeiro componente a aparecer é o mulato Cazuza, um tipo capoeira, que fazia as autoridades tremerem na
sociedade carioca do fim do século XIX . Esses escravos ou descendentes
de escravos exibiam suas habilidades de capoeiragem pelas ruas durante o ano
todo. No carnaval a situação se agravava, pois o clima de festa e desordem tornava o
ambiente propício às exibições e às lutas
.
Na peça ,
Cazuza entra em cena " esbaforido , como que perseguido por alguém
" , e assusta Castão e Alfredo . Em
seguida, narra e encena, com gírias e golpes, uma confusão iniciada por causa de uma
mulata. A polícia interferiu e alguns
de seus companheiros foram presos ,
enquanto outros , junto com Cazuza ,
conseguiram fugir .
A reação
dos rapazes diante da extroversão do capoeira provoca risos na plateia. Eles se sentem completamente
desconfortáveis com o modo de viver e falar dos membros do cordão. Sem naturalidade , não sabem como agir . Os diálogos
são repletos de gírias :
"
Cazuza : Não houve tempo de fugir da canoa
. O miudinho , o Pan-americano e eu arresistimo. Eu dei um banho de fumaça numa praça de
polícia que coriscou rente na alegria do tombo: mas veio o reforço, e o
Pan-americano foi pegado.
Fonte -
Fundação Biblioteca Nacional
Revista págs 71, 72,73 e 74
LARISSA DE
OLIVEIRA NEVES
Das festas nas
salas das “tias “ baianas ao
pandeiro no funk, um passeio
pelo samba
ao longo das
décadas, com
suas marcas,
seus sucessos e
alguns de seus
maiores nomes
10 anos
No princípio é o samba. Ou samba. Ou que outro nome
tenham as festas de canto e dança dos baianos na Cidade Nova. Depois, samba vira gênero, tipo de
música. Cantado, como o daquele grupo que criou “Pelo telefone“. Ou dançando, nas salas da frente de,
entre outras, Ciata, demais “tias“ baianas e seus
descendentes. Nos quintais, cultos afros são celebrados com vista
grossa da polícia. O samba feito gênero, nascido da umbigada, do batuque, do lundu, da polca e de várias
outras raízes, com seus volteios e
tiradas sinuosas, confunde-se com o
maxixe, a “dança excomungada". É este samba amaxixado – como os do
Sinhô, denominado Rei do Samba, e o próprio “Pelo telefone“ - que embala o Rio de Janeiro, inclusive no carnaval, nas três primeiras décadas do século
XX.
20 anos
Se os baianos se concentram na Cidade Nova, os ex-escravos egressos das plantações de
café do Vale do Paraíba e das regiões do Rio atingidas pela reforma Pereira
Passos vão se instalando nos morros e subúrbios cariocas. Muitos dele no Morro de São Carlos , no bairro do Estácio , não longe da chamada Pequena África. Na
região e em seus arredores, eles vão
criando outro tipo de samba, de linhas
melódicas mais longas , menos festeiro , feito para desfilar e não para dançar. Ao contrário dos baianos, tais ex-escravos eram perseguidos pela
polícia em seus desfiles e batucadas.
Mas persistiram. E acabaram fazendo de
seu samba o modelo do que viria depois.
Lá fundaram a primeira escola, Deixa
Falar. E dali, do Estácio, saíram para ensinar a toda a cidade que “ samba não é maxixe “ . Seus primeiros blocos desfilaram em 1926 . E , já em 1930 ( ano da morte de Sinhô ) , o reino do samba tinha mudado de
endereço .
30 anos
Na década de 1930, a
Era de Ouro da canção popular, o samba
se estabelece como a música nacional do
Brasil. Ao mesmo tempo em que é adotado
pelos compositores da classe média branca, confere aos negros que lhe deram vida o reconhecimento devido. Parcerias inter-raciais se formam. Decreto de Getúlio Vargas permitindo que emissoras de
rádio veiculem anúncios em seus
programas dá origem aos cachês e começa a profissionalizar a classe. A novidade da gravação elétrica faz com que
cantores de voz pequena, como Mário
Reis e Carmem Miranda, cheguem ao disco, livrando o samba dos arroubos
operísticos. Logo, Reis, Carmem e outros se tornam ídolos do rádio. O desfile das escolas se oficializa. O samba
divide a marcha a preferência dos foliões do Rio. Todo compositor, novo ou consagrado, é praticamente obrigado a contribuir a cada
ano com o repertório carnavalesco.
Assim, raras vezes, no morro ou no
asfalto , fez-se tanto samba de
qualidade como naqueles frutíferos anos.
60 anos
O período é marcado pela bossa nova e pela revalorização do
samba. A bossa, a
partir da batida de violão de João Gilberto
( acompanhando sua voz pequena, mas tecnicamente perfeita
), produz a mais radical
transformação sofrida pelo gênero em seus, até ali, 40 anos de
existência. O novo estilo ( mais um
estilo do que um movimento ) mais um
estilo do que um movimento que atrai a juventude universitária da Zona Sul
carioca. Com seu ritmo, mais assimilável pelo estrangeiro do que o
samba tradicional, ele transpõe
fronteiras. Várias de suas canções, “Garota de Ipanema“ à frente, viram sucessos mundiais. Enquanto isso, o samba tradicional retorna por meio de
eventos que nada têm a ver com a bossa-nova. O primeiro é o Zicartola, casa
que por três anos ilumina de samba em sobrado da Rua da Carioca. Depois , shows históricos como “ Opinião “
e “ Rosa de Ouro “ . Grandes sambistas como Cartola , Ismael Silva e Nelson Cavaquinho voltam a
produzir. A nova geração, de Paulinho da Viola e Elton Medeiros , vem se unir a Zé Kéti . Musa da bossa-nova , Nara Leão atravessa o
túnel para conhecer e gravar gente com três vezes a idade dela, Baden Powell e Vinícius de Moraes , antes ligados à bossa nova, inventam afro-sambas.
70 anos
É a década em que o agigantamento das escolas de samba – uma
festa popular se transformando em ópera de rua “ - começa a se tornar uma realidade que até os
sambistas mais tradicionais terão de aceitar. Acaba vencendo a resistência de Candeias, Nei Lopes, Wilson Moreira e outros sambistas que criando a agremiação
Quilombo, lutam para preserva as
tradições. Com isso, o samba-enredo vai se adaptando aos novos
tempos. Só então, veteranos como
Nelson Cavaquinho e Cartola chegam ao disco, enquanto a geração pós-bossa nova
- Chico Buarque , Caetano Veloso
, Gilberto Gil - sobrevive à dos
festivais para criar obras definitivas,
incluindo sambas. Compositor, Martinho da Vila se vê transformado em
cantor para espanto dele mesmo e torna-se o primeiro intérprete, em muitos anos, a fazer sucesso com o samba. Clara Nunes abandona o bolero entra em cena
com voz e carisma para ser uma espécie de rainha , trono que com ela disputa Beth
Carvalho, outra egressa dos festivais. Pouco a pouco outros sambistas de escola
vão ganhar lugar no disco, no rádio e
até na TV. A censura, apenas insinuada
até 1968, vitima o teatro, os shows e, naturalmente o samba.
Fonte - Jornal
- O GLOBO
pág 4
27/11/2016
Segundo Caderno JOÃO
MÁXIMO
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