terça-feira, 14 de agosto de 2018

Dom Hélder Câmara (1909-1999)



ESPIRITUALIDADE 

A frase em destaque poderia referir-se perfeitamente a Dom Hélder Câmara, um homem amado pelos humildes e odiado pelos repressores da ditadura militar (1964-1985) e pelos capitalistas de plantão. O arcebispo de Olinda e Recife, de baixa estatura e corpo frágil, foi, ao mesmo tempo, profeta, missionário e místico. 

MEDO  ?  POR QUÊ  ? 

Sua coragem impeliu-o a uma obstinada denúncia das injustiças cometidas pelo poder e pelo dinheiro, não apenas em âmbito provinciano, mas até em nível internacional. Sua voz se levantava contra qualquer sistema econômico ou ideológico que pudesse, de alguma forma, aviltar a dignidade dos humildes. “Pobreza é suportável – repetia, mas a miséria é uma provocação à natureza humana". E ensinava que é preciso superar o medo,. “tanto o medo dos que se julgam irremediavelmente oprimidos porque nada têm; como o medo dos que muito têm e se apavoram com o perigo de perder os próprios bens"  ( “O Deserto é fértil“, Civilização Brasileira . p. 60 ) .

Na contramão de certos setores políticos, econômicos e religiosos, centrados no próprio umbigo, Dom Hélder conseguia olhar para além de todas as estruturas e chegava ao âmago do Evangelho: “Quem ama o próximo já cumpriu metade da Lei".. Detestava o assistencialismo: “Não carregues as pessoas nos ombros. Leve-as no coração “ .

Sua palavra queimava as elites até descobrir que o ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, proibira, em 1970, que todos os órgãos de imprensa de sequer citar seu nome. Fora do Brasil, porém, sua voz continuava a denunciar torturas praticadas por aqui.

Ele tinha predileção especial pelos jovens, a quem dizia: “Só se é jovem, quando se tem uma razão para viver". Discursava em Universidades, Congressos, Tribunas de Entidades Humanitárias Internacionais, das quais era membro. Vários de seus livros foram publicados originalmente em francês. Alemães, italianos e demais povos europeus, também conheceram sua mística antes de nós, brasileiros. Lamentava-se: "Se dou comida aos pobres chamam-me de santo. Se pergunto por que os pobres não têm comida, sou comunista " . 

O  PASTOR  PREOCUPADO  

A trajetória de Hélder Câmara é também marcada por um grande amor à Igreja, que, segundo ele, deveria se aproximar mais da miséria humana, se quisesse ser evangélica. "Seremos tão alienados, tão distantes e tão frios , de maneira a dar-nos ao luxo de procurar Deus em templos luxuosos, através de liturgias pomposas e não raro, vazias, sem vê-Lo, sem ouvi-Lo, sem tocá-Lo, lá onde Ele está, e nos espera e exige nossa presença: no humilhado, no pobre, no oprimido, no injustiçado, sendo nós muitas vezes, coniventes com esta situação? ..." (Op.Cit .p.25). 

Seu nome está ligado à criação da CNBB e da CF, no Brasil, e do CELAM, na América Latina, entre outras instituições eclesiásticas. Entre 1962 e 1965, participou das 4 sessões do Concílio Ecumênico Vaticano II, influindo decisivamente em suas novas decisões pastorais.  Participou e influenciou nas decisões das Conferências episcopais em Medelim (1968) e em Puebla (1979). 

UM  SER  VERDADEIRAMENTE  HUMANO

Como todo grande líder Dom Hélder Câmara era também adepto da não-violência: "O sopro do amor fará aumentar o talento, o número das minorias que desejam a justiça, mas não querem responder à violência com a violência". Não escondia a sua veia poética: "Que importa que eu seja uma choupana, se mora em meu barraco a Santíssima Trindade?" E nem sua capacidade de conhecer a alma humana: "Mais importante que escutar as palavras, é adivinhar as angústias (do povo), sondar o mistério, escutar o silêncio".

Dom Hélder Câmara viveu para servir e serviu ao máximo. Morreu mansamente na noite de 27 de agosto de 1999. As injustiças denunciadas continuam a acontecer. Não importa.  O importante é aprender com seu exemplo e não esmorecer. 


Revista   - MUNDO  E  MISSÃO   pág 19 
ABRIL  - 2006  por  Pedro Miskado 

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