Ladeira da Memória
Quem atravessa o Viaduto do Chá , sobre o Vale do Anhangabaú , em direção ao
" centro novo " custa a acreditar que há pouco mais de um século esse caminho não era percorrido tão facilmente . Hoje em dia , sair da Praça do Patriarca , cruzar a Líbero Badaró e chegar ao outro lado do Vale é tarefa simples .Aliás ,se aquela enorme praça embaixo do imponente viaduto é um do vale , onde está o rio ?
O Rio Anhangabaú , afluente do Tamanduateí ,está canalizado desde o início do século XX ,e passa por baixo de todo o concreto que dá forma ao Vale do Anhangabaú. Há 100 anos , o centro de São Paulo era muito diferente . E ainda mais quando a cidade nasceu 466 anos .
Os padres jesuítas chegaram ao local onde está a Praça Pátio do Colégio , em 1554,
e fundaram uma escola , no entorno da qual se formou uma vila . O local escolhido, uma colina , era perfeito para a proteção dos religiosos contra os indígenas que habitavam a região . Em um dos limites dessa colina está o Rio Tamanduateí e no outro, o Rio Anhangabaú .
Foi nessa colina que cresceu a outrora vila e, a partir de 1711 , cidade de São Paulo . Uma pacata cidade provinciana até meados do século XIX , escolhida pelo governo imperial para sediar a Faculdade de Direito justamente por suas características bucólicas.
São Paulo era , então ,limitada pelo seu centro , por aquela colina escolhida pelos jesuítas e que concentrava toda a vida da cidade . O lento Rio Tamanduateí era dono de uma vultuosa várzea que impedia a ocupação de suas margens , e, para além do Anhangabaú , concentravam -se chácaras , onde estão , por exemplo , as Ruas Vinte e Quatro de Maio e Barão de Itapetininga .
Foi no final do século XIX que a feição do centro começou a mudar . O aumento no número de habitantes e o crescimento econômico fizeram com que novas construções surgissem , o comércio aumentasse e os limites urbanos ultrapassem a velha colina. Alguns anos depois , o centro da cidade era outro.
A natureza foi domada , os cursos d'água canalizados e escondidos , as várzeas saneadas para que pudessem ser ocupadas . Com a expansão urbana , tiveram de
ser criados acessos aos outros lados da cidade . Ainda assim , o centro continuava sendo por excelência a " cidade " . A pulsante vida urbana estava em suas ruas e casas comerciais.
Fonte - Revista EM CARTAZ - pág 72
Maio de 2009 - Natália Maria Salla
Pinheiros de ontem
A história do bairro sempre encontrou espaço na Gazeta de Pinheiros . Uma consulta aos arquivos do jornal mostra histórias curiosas , divertidas ou tristes sobre pessoas e acontecimentos do passado pinheirense , narradas por historiadores locais que as viveram ou ouviram de antepassados .
Três cronistas pinheirenses foram mais assíduos nas páginas da GP contando histórias do bairro e de sua gente : Albertino Iasi , que foi o fundador do primeiro jornal , que aqui circulou ( o Pinheirense , 1923 ) , Ambrósio de Flório Sobrinho ( o tio Ambrósio) e José Simão Filho , já falecidos. Os três assinaram colunas e artigos de sucesso na Gazeta de Pinheiros, sempre contando aos mais novos , quase sempre de forma poética , histórias do passado pinheirense .
Para recordar ,transcrevemos aqui um artigo de José Simão Filho ,publicado na edição de 15 de dezembro de 1961 , na coluna " Pinheiros de Outrora , sobre a antiga Rua do Comércio .
" A Rua do Comércio iniciava-se em frente do Mercado de Pinheiros , terminando no Butantã . Era a artéria principal de Pinheiros . A nossa rua de mais comércio . É por esse motivo que era cognominada Rua do Comércio . Era a rua de mais conveniente entrada e saída para o nosso bairro. Era a nossa grande rua . A via onde se desenrolavam os grandes acontecimentos diurnos e noturnos .
Nessa época , era a rua da lama e do pó, por onde transitavam os saudosos carros de bois que na sua marcha lenta e sonolenta , ao passo pachorrento de mansos bois , rangendo e chiando nos eixos , enchiam o ar de melancolia com a toada triste do carreiro . Desfilavam diariamente tropas de animais , boiadas que , quando passavam ,o comércio geral cerrava suas portas para evitar a investida de bois bravios. Essas boiadas procediam de lugares distantes para matança e abastecimento da Capital . Vinham também de fora , dos municípios próximos - Cotia , Caucaia , Itapecirica e Embu - os burros cargueiros , carregando em suas bruacas comestíveis destinados à venda no mercadinho de Pinheiros , conhecido como o " mercadinho dos caipiras " . Essas tropas cargueiras eram conduzidas pela besta madrinha adornada de guizos e cincerros.
Rua do Comércio , quanta saudade deixou na alma . Concentra-se nela toda a história pitoresca e picaresca de Pinheiros . Com todo seu bulício tumultuoso , não possuía linguagem , mas tinha alma , tinha vida . Durante o dia , o movimento era estonteante e dinâmico . À noite , era calma , romântica como as cidades provincianas .
Pela madrugada começava a vida ativa. Vultos apressados de operários se agitavam para tomar o bonde , rumando para a cidade em busca do labor cotidiano . Outros aguardavam a chegada do bondinho verde , " o cara dura " , em que se pagava apenas 100 réis ( um tostão ) de passagem . Quando se aproximava a tarde , o estrugido do movimento esmorecia . À noitinha , no Largo de Pinheiros , onde suavemente o rádio do ' bar do Vale ' ( Vale é irmão do conhecido humorista de rádio e televisão Nhô Totico ) fazia ouvir um tango lento ,surgiam grupos de boêmios e gaiatos que conversavam jocosamente .Próximo da Rua São Manoel estava instalado o barzinho " Buraco da Onça " ,de propriedade do sr. Carmo de Barros ( pai do velho amigo dr. José de Barros ) , antigo morador de nosso bairro no local onde estava instalado esse célebre barzinho, em tempos distante funcionou o posto policial de Pinheiros.
Era ali que se reuniam os veteranos políticos de Pinheiros , que em tertúlias políticas saboreavam a gostosa e legítima caninha de Parnaíba , recebidas diretamente , em grandes cartolas , pelo proprietário do bar. Os assíduos frequentadores eram o falecido escrivão Afonso Vaz , Pedrinho Cavalheiro , capitão Gabriel , Nestor Viasna, major Belizário e outros mais .
Adiante , pelas ruas transversais , avistavam-se grupos de namorados que caminhavam entrelaçados , em longas confidências amorosas . Aos sábados à noite , surgiam sempre grupos empunhando violões e sanfonas e que percorriam as nossas ruas , acordando as belas donzelas com as suas modinhas , em serenata errante e boêmia.
Eis aí um saudoso esboço do que foi a nossa Rua do Comércio , hoje a tumultuosa e trepidante Rua Teodoro Sampaio , que finaliza no Largo de Pinheiros .
Fonte - Jornal GAZETA DE PINHEIROS - pág 3
SUPLEMENTO ESPECIAL - 41° aniversário
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