Trinta mil quilômetros , fome e terríveis doenças para buscar pimenta,cravo, gengibre e uma pitadinha de açafrão . Pode parecer uma receita salgada demais , mas valia a pena . Lucros de 21000 % esperavam os portugueses que,nos séculos 15 e 16 ,se aventuravam a atravessar o mundo em busca de especiarias na Índia. Pimenta e companhia eram produtos de primeira necessidade para disfarçar o gosto de carne salgada ou defumada ( e às vezes meio podre ) que os europeus eram obrigados a consumir durante o inverno . É que a falta de pastos os forçava a matar todo o gado no outono e depois não havia como conservar tanto bife .Por isso , quando navios abarrotados de especiarias chegavam ,os navegadores eram bem recompensados . E eles faziam por merecer . Além da miséria em alto-mar , eles penavam em terra ,pois no Oriente eles não eram recebidos como semideuses , como aconteceu no Brasil . Na primeira viagem de Vasco da Gama a Calecute ( hoje Calcutá ) , em 1498 , sua tripulação teve que mendigar c omida e por várias vezes foi espezinhada pela corte indiana .
Com a ajuda de um “ língua “ ( um tradutor ) , o capitão-mor português se apresentou na Índia como embaixador do rei de Portugal , entregando duas cartas de dom Manuel ao samorim , o soberano que controlava a produção de especiarias . Ele contou uma desla-vada mentira : disse que orei português era senhor das terras e possuidor de infinita quan- quantidade de ouro e prata . Atática funcionou. O indiano firmou um termo de paz , mas logo percebeu a real condição financeira dos portugueses . Em troca da pimenta , Vasco da Gama enviou à corte indiana quatro capuzes , seis chapéus , quatro ramos de coral , um fardo de bacias e quatro barris cheios de azeite e mel.A reação dos indianos,diante das quinquilharias que fariam alegria dos nativos da América , não poderia ter sido pior.
Os emissários do samorim começaram a gargalhar ao ver as bugingangas , dizendo que aquilo não se igualava à oferta do mais pobre mercador de Meca . Os portugueses tentaram consertar a imagem de Santa Maria . Diante do objeto , ele teria perguntado com desdém a santa era feita de ouro . Único referencial que regulava o incenso que regulava o intenso comércio do oceano Índico ,o metal era escasso aos portugueses .
Um massacre só não aconteceu porque os indianos não perceberam uma ameaça nos estranhos esfarrapados .O soberano indiano autorizou os portugueses a negociarem o que traziam pelo melhor preço que conseguissem , mas isso não ajudava muito . Além de suas mercadorias não valerem quase nada frente às especiarias , a tripulação lusitana estava morrendo de fome . Para garantir o sustento de seus homens , Vasco da Gama ordenou que todos os tripulantes da armada fossem à terra e comprassem o que quisessem com recursos próprios .Sem dinheiro , os portugueses foram tratados como pedintes . Esfarrapados , desnutridos , feridos e mal pagos , falando uma língua estranha , os orgulhosos servidores da Coroa ( a mesma estirpe que dois anos depois descobririam o Brasil ) , foram alimentados pela generosidade daqueles que olhavam com penapara o seu estado lastimável .
Com uma boa conversa , muitas promessas e explorando as inimizades regionais,os portugueses conseguiram um acordo com líderes rivais do samorim para retornar a Lisboa levando especiarias.
Vasco da Gama retornou à Índia , em 1502 , para acertar os acordos que fez . Logo ao chegar ,enforcou 50 pescadores que encontrou nas redondezas .Mandou esquartejá-los , cortou seus pés e suas mãos , e enviou tudo ao samorim com uma carta que dizia ser aquele um presente que sinalizava o pagamento que faria por mais especiarias . Em seguida , abriu fogo contra Calecute , mostrando que não estava brincando . Foi um estrago . Vasco da Gama conseguiu um acordo vantajoso que garantia o fornecimento de especiarias . E os portugueses passaram de mendigos dignos de pena a temíveis inimigos .
Fonte - Revista Aventuras na HISTÓRIA - PAPIRO - pág 82
Agosto de 2014 - Por FÁBIO PESTANA RAMOS *
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