terça-feira, 26 de novembro de 2024

Para voltar ao Tempo

 



Neste  exato  instante eu  gostaria de encontrar com  meu amigo Fred e  partir  para  o supermercado , não  qualquer  um , mas o Supermercado Leão .Lá chegando ,a gente compraria  pão  francês , Coca-Cola ou  Pepsi - dependendo do Fredão - e pasta de pão  Alouette de ervas  finas , tudo para fazer san-duíche quando chegássemos na casa dele e, depois , jogarmos  um carteado daqueles de gastar à tarde, quando você tem 18  ou 19  anos de  idade e , claro , não  tem emprego nem  emprego .

Eu  queria também que  o  Gustavo nos ligasse e , de repente , aparecesse  com aquela sacola cheia de discos  que  ele  carregava , LPs  maravilhosos  e  capas  antológicas . E  tome   Kraftwerk  , Rolling Stones , Level  42 , Yes  Genesis  e  tudo mais que você  possa imaginar.  digladiassem numa  batalha  de  Atari -  Enduro , Pirfall , Space  ,  Invaders . Nunca  joguei  nada , sempre  fui  uma pereba em  di-versões eletrônicas  e nem participava , mas  gostava de ver . Sempre gostei . Geralmente a gente saía  de  lá  à  meia - noite , talvez  uma  da manhã e vinha solitariamente pela Santa  Clara , até  entrar na  Boca  do  Lobo , ganhar   o  Bairro do  Peixoto deitado  em silêncio  esplêndido , depois  voltar  para  casa . 

Acho  que  eu  queria  mesmo  era  estar  por  volta  das  seis  da  tarde  de  sábado  no  Bar  Sniff's , depois da  reunião  dos  escoteiros . A  gente sempre se reunia  por lá  para  bater  papo , trocar ideias . Os  frequentadores  mais velhos  sempre  escutavam  e  nos  davam  atenção , agente ria com  as  ga-lhofas e piadas típicas dos anos  1980 e ficava  ali até  nove ou dez  da  noite , nem  saía , era  nossa  diversão  muitas  vezes .

Sei lá , eu queria agora descer e caminhar tranquilamente pela  Figueiredo  Magalhães até chegar na ,  depois caminhar  ao lado do  Atlântico Sul até  chegar na Francisco  Otaviano , subindo toda e  enca-rando as pedras  do  Arpoador . Quantos  poetas fizeram isso , né ? Cazuza deixou  isso  registrado em  " Faz  parte  do  meu  show " . 

Há  uns  15 anos ainda  tive chance de  pegar os  últimos momentos  do Cirandinha  , lanchei lá várias  vezes com  colegas dos tempos de  escola  . A  comida era  impecável  e o ambiente  refinado . Muitas  senhoras marcavam  chás para se reunir e conversar , enfim ,  encontrar as  velhas amigas . A gente se  sentia bem em  casa , seria  bom estar lá agora . 

Quer  saber ? O que eu  queria mesmo , mesmo , bem lá  no fundo , era ser  bem pequeno  para  passar com  meu  pai  quando  ele  me  dava  a  mão .  A gente  caminhava  pela  rua  muitas vezes . Nós  não tínhamos destino , a  gente  simplesmente saía de casa , dava uma volta por  algum lugar  do  universo  Copacabana , lanchava  alguma coisa e  retornava . Foi assim que eu descobri os  nomes  das ruas , dos  prédios e  dos  lugares . Geralmente era aos sábados à  tardinha . E quando  você tem a  mão do seu pai para  segurar , viver  é  muito  mais fácil . 

Querer  tudo  isso  é  impossível  . É  voltar  ao  passado , ressuscitar  quem já  se  foi  e  ter  a  verda-deira chance  de voltar para  casa . Eu sei  que é  impossível , que  viver é  melhor  que  sonhar , mas  numa  noite melancólica e  silenciosa talvez só o  sonho  possa me  estender  os  braços .

Fonte -  Jornal  Correio  da  Manhã  -  pág 6  -  Teatro                                                                                Data  -  Sexta- feira , 26 a domingo , 28 de  abril de  2024                                                                          Paulo  - Roberto  Andel 

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