O signo da brasilidade
É este quadro cultural que dará origem ao que hoje é
considerado um som dos mais belos espetáculos da terra - as escolas de samba , as quais
, para além do espetáculo que oferecem
, representam uma importante forma organizativa das camadas
populares.
O termo “escola “ é
polêmico: o compositor e sambista
Ismael Silva teria declarado ser o criador da primeira Escola de Samba , no Estácio de Sá. Inicialmente bloco , depois teria denominado “ escola “ por sua
proximidade com a Escola Normal , antiga Escola Normal da Corte. Outra interpretação é que o nome “ escola “
derivaria não só da popularidade das vozes de comando dos tiros de guerra (
Escola , sentido! ), como da
circunstância de se aprender e cantar o samba. Outra versão , ainda é de que
as escolas de samba teriam nascido para
“ ensinar o samba “ e há , ainda aqueles que acreditam que naqueles
espaços haveria verdadeiros “ mestres do samba “ , o que explicaria o nome “
escola “
.
A origem das escolas de samba no Brasil já foi objeto de
muitos estudos. Há unanimidades e
divergências e isso se explica pelo fato de que é muito recente o registro
sistematizado desses fatos: eles fazem
parte da trajetória dos marginalizados,
que não detêm o poder sobre os rumos da história oficial publicada ou sobre a
visão que os meios de comunicação transmitem. Alguns trabalhos tiveram que ser organizados principalmente a partir
de dados recolhidos da memória oral
e, por isso, é compreensível que exista algumas
divergências quanto a nomes, datas, etc. Entretanto, todos os autores
são unânimes em afirmar que quem dará início as escolas de samba será a
população muito pobre que habita nos morros em torno dos bairros mais ricos ou
nos mangues do fundo da baía da Guanabara
.
As escolas de samba vão aproveitar vários elementos
estruturais dos ranchos: sua forma
processional , o abre-alas , as alegorias , a porta-estandarte e o mestre-sala , o enredo e os “ tenores “ , atuais “ puxadores de samba “ . A diferença entre as duas formas será
fundamentalmente o samba : o ritmo , a
ginga , as evoluções , o número de figurantes e a poderosa bateria
em substituição à pequena orquestra
convencional dos ranchos . As escolas de samba suplantarão os ranchos de
tal forma que estes começam a desaparecer na década de 40 .
Na verdade , o samba
surge predominando sobre todas as formas carnavalescas anteriores: se o carnaval estava constituído por
elementos de origem africana e origem européia , os primeiros predominarão
visivelmente , apesar de
minoritários : alguns traços totêmicos
no rancho , e principalmente a beleza e
força da música e da dança . Mesmo
minoritários , os traços africanos são
hegemônicos e comandarão desfiles , bailes , etc . Na escola de samba , a bateria torna-se a “ alma “ , de onde
emana o comando para o resto do agrupamento.
Queiroz considera que, através do tempo, a dominante européia do Carnaval brasileiro
cedeu o passo à africana. Assim , o que a torna reconhecida pelos brasileiros
como obra autenticamente sua , a
brasilidade da festa , o que a
identifica perante os estrangeiros é a mistura afro-européia, mas com o comando do elemento cultural
africano que ritma e lhe dá colorido
e , se excluído , faz a festa perder a sua personalidade
própria . Esta é uma verdadeira inversão
da pirâmide social: na escola de
samba , os traços europeus do desfile
são a base e os traços africanos definem e comandam a festa .
A Primeira escola de samba foi a
Deixa Falar , do Estácio de Sá , e não tinha, evidentemente , a mesma composição social do rancho Ameno Resedá
e outros - onde se reunia a chamada
elite cultural de ascendência baiana. A
Deixa Falar era ainda identificada com marginalidade e vadiagem . No Estácio de Sá vivia uma comunidade de
ex-escravos e descendentes : eram
artesãos , engraxates , estivadores e
trabalhadores ocasionais , considerados
os “ bambas “ do Estácio e responsáveis pelo nascimento do samba carioca , que surge e cresce influenciado pelo
ambiente cultural do centro da cidade,
habitado pelos negros iorubas da Bahia e pelos ranchos . Entre os fundadores estava Ismael
Silva , Alcebíades Barcelos , Nilton Bastos , “ Brancura “ etc. Nei Lopes descreve:
“ Era ( a Deixa Falar ) uma mistura dos ritmos da Cidade Nova - conjuntos de pau e corda , piano de Sinhô e batuques baianos , com um tipo de criação bem sua .. diferentes ... dos sambas amaxixados de Sinhô
e do pessoal da Tia Ciata “ .
Sua fundação ocorreu no ano de
1928 , mas somente em 1936 as escolas de
samba adquiriram direito a desfilar no centro da cidade .
Entretanto , ter direito de
desfilar não significa estar plenamente inserido socialmente , pois o local cedido , inicialmente foi a Praça Onze , próxima à zona de meretrício. Na década de 20 , freqüentar a Praça Onze
ainda era coisa de quem praticava o “ samba pesado “ , diretamente originário
da “ batucada “ , que quase sempre acabava
em confusão . Muniz Jr., referindo-se a uma descrição do
compositor Heitor dos Prazeres , diz por
volta de 1870 , a Praça Onze era uma espécie de África em miniatura . Ali se reuniam “ chorões “ para as
serenatas e , mais tarde , afoxés , cucumbis e ranchos. Mas
, depois que os ranchos deixaram a praça
, só ficaram os blocos de samba de batuqueiros ou samba pesado. Devido
ao preconceito racial e cultural , quem praticava o “ samba de roda “ também
sofria as conseqüências da perseguição policial. É desta época a famosa figura do “ malandro “ – também chamado “
valente “ – tão decantado em verso e prosa: era o batuqueiro que,
recusando-se a ir preso , enfrentava a
polícia . Havia conflitos até entre os
próprios “ valentes “ : seu tipo era conhecido pelo andar gingado, chapéu tombado, olhar dormente , fala com gírias , chapéu listrado , calças largas , sapato de bico e , evidentemente , a navalha. Não eram criminosos, mas ,
cuidando da imagem pessoal, cultivavam
a fama para impor “ medo e respeito “ , exercendo certo poder com esta
atitude. Na verdade , o “ malandro “ era o resultado do
desenvolvimento desordenado do capitalismo brasileiro que relega a maioria da
população ao desemprego e à marginalidade.
Muito próximo da Praça Onze , na rua Visconde de Inhaúma , ficava a casa
da Tia Ciata , onde reuniam-se músicos
da importância do Pixinguinha , João da
Baiana , Sinhô , Donga
etc.
Estavam criadas , então as condições para o florescimento do
samba . Junto com a Deixa Falar surgiram
mais escolas em outros redutos de sambistas : Mangueira , Salgueiro , Madureira
, Osvaldo Cruz que , nesta época , ainda não apresentavam nos desfiles uma estrutura
mais complexa como o enredo e somente respeitavam as cores da bandeira.
No período inicial das escolas de
samba predominou a improvisação , tanto
no desfile quanto na organização da escola
. O caráter das associações era temporário e , no restante do ano , permaneciam num estado de latência
social.
Na época imediatamente precedente ao carnaval, principalmente nos morros e locais de
samba, havia um clima de festa e
batucadas diárias, mas a escola ativava-se
especificamente para o desfile de carnaval. Vale destacar que , nesta
época , o carnaval apresentava um quadro
de violência que será cantado em vários sambas: brigas, turbulência,
assassinatos combatidos e ao mesmo tempo provocados pelos mais antigos “ acompanhantes públicos “ dos negros: a polícia e a repressão. Apesar das transformações em nível
legal ( a aquisição do direito de
desfilar ) , o samba continuava perseguido
e , sendo considerado marginal , alvo da intolerância e do menosprezo
social. Alguns sambistas da Mangueira
atestam que ir ao centro da Cidade no
Carnaval era um ato de coragem e o simples ato de portar um pandeiro podia ser
motivo para prisões. Esta perseguição
explica a necessidade do sambista de criar uma imagem pública positiva de
respeitabilidade e credibilidade, que
contribuísse para transpor as ásperas barreiras dos preconceitos sociais e
raciais .
Estes fatos contribuem para
explicar muitas das características das escolas de samba: luxo, organização, preocupação com
trajes e com presença social. Exemplo
desta preocupação é a marginalização que sofreram alguns “ desordeiros “ em seu
próprio ambiente, como o compositor
Cartola , da Mangueira , que
inicialmente não foi aceito nos “blocos de família “, tendo que criar o seu próprio “ Bloco dos
Arengueiros “, e as infindáveis
recomendações de Paulo da Portela quanto ao cuidado que os sambistas deveriam
ter com sua apresentação pessoal.
Além do divertimento em si e da
afirmação da cultura negra , outro
objetivo das escolas de samba era conferir um certo status aos seus
componentes , não só diante da opinião
pública na qual predominavam os valores veiculados pelas classes
dominantes , geralmente de origem
européia, como diante do próprio
grupamento social a que pertenciam. A
participação da agremiação garantiria ao indivíduo uma integração social, o pertencimento a um grupo . A escola se definiria assim como “ um indicador de identidade grupal “ , como assinala Leopoldi .
Esta necessidade de inserção e
projeção social é inserida historicamente
. Segundo Octavio Ianni , o
crescimento urbano e industrial em franco desenvolvimento nas primeiras décadas
do século XX origina nas classe populares a “ consciência de mobilidade “ , ou
seja , a população pobre e marginalizada
começa a ter um comportamento individual e grupal voltado para a consolidação
de posições mais favoráveis na escala social. Este desejo de mobilidade projeta-se também nas escolas de samba, que passam a ser um fator de expansão da
imagem do negro para fora de seu grupo específico . Se a mobilidade não é econômica , ela é , ao menos
, social , impulsionada pelo
aspecto de afirmação cultural . Alguns
teóricos acreditaram que a urbanização e a industrialização contribuiriam para
o fim do carnaval. Mas o que se
observará, na história do carnaval, é que o desenvolvimento de suas formas
organizativas vai evoluir com a crescente industrialização e urbanização do
país e que estas vão adquirindo novas configurações condizentes com o momento
histórico em que se situam. E torno do
samba aglutinaram-se , então , a partir da década de 20, as camadas populares , geralmente de origem negra . Queiroz
, aponta que no Brasil , a
industrialização foi acompanhada de uma urbanização vigorosa, descontrolada e anárquica intensificando a
mistura de nacionalidades e etnia , e não
foi suficientemente organizada para dar lugar ao surgimento de uma aparelhagem
política e reinvidicativa que se enraizasse nas camadas inferiores . As escolas de samba representaram , então
, um lócus organizativo . E como
o grande carnaval das elites era , na
verdade , um “ carnaval de brancos “ e
de camadas superiores , as camadas
inferiores “ efetuaram a conquista da
festa de rua como se fosse uma tomada de bastão opressor por grupos
oprimidos “ .
O samba urbano carioca daquele
momento pode ser dividido em duas categorias
, como assinala Leopoldi : a
primeira , o “ samba de morro “ , derivado do batuque negro primitivo , angola-conguês e do escravo brasileiro das
plantações e da mineração , criação de setores mais empobrecidos da sociedade , do qual derivaria a verdadeira origem do
samba atual . Vale ressaltar que há
depoimentos revelando que , no Rio de
Janeiro , “ antes de ter morro habitado já havia samba “ , mas a convenção “ samba de morro “ permanece
, pela expressividade que este adquire a partir do incremento do morro
como local de moradia . O morro
significava , inclusive , um refúgio para os sambistas perseguidos
por fazerem samba , como revela este
depoimento citado pro Leopoldi :
“Para fazer a festa , minha mãe
ia buscar o alvará na polícia . Lá o
chefe dava conselho , pois na opinião da
polícia , negro só se reunia para brigar , fazer malandragem . Mesmo com a autorização , a polícia não deixava a gente em paz . Quando a polícia “ apertava “ a gente num
canto , a gente ia para o outro . Nós fazíamos samba na planície . Quando a polícia vinha , nós nos escondíamos no morro .
Antes de ter morro habitado já havia samba . O morro era penas um esconderijo do
sambista da cidade , da planície “ .
Morro-refúgio ou morro-moradia , é evidente seu papel na
garantia de proteção aos sambistas .
A segunda categoria de samba
consiste naquele criado por compositores populares de renome na época . Esta segunda modalidade pode ser
denominada “ samba de asfalto “ , aproveitando a terminologia utilizada nos
meios específicos do “ Mundo do Samba “
. Esta divisão em duas modalidades tem fim apenas classificatório : na verdade , houve intenso trânsito de
informações e contatos entre o que se convencionou chamar de sambistas “ do morro “ e “ do asfalto
“ , como denotam as “ compras
de samba . A casa das “ tias “ negras era também freqüentada por intelectuais
brancos , como Mário de Andrade , e por “ sambistas de asfalto “ de qualidade indiscutível , como Noel Rosa . Ali ocorriam os contatos re o intercâmbio
cultural entre os “ do morro “ e os “ do asfalto “ , resultando num caldo
cultural de qualidade insuperável .
Com a comercialização , tem início o circuito concorrencial do
samba . A autoria passa a ser valorizada
em função do no esquema das gravadoras .
O fenômeno da “ compra de samba “ – já aqui discutido anteriormente - era uma prática legitimada por um ambiente
paralelo , o “ Mundo do Samba “ , o que
demonstra que aquele não era ainda considerado uma obra de arte , com valor mercadológico e a mística que a
sociedade ocidental dedica a esta .
Ocorre que , convivendo com este recém-iniciado
circuito comercial do samba , existe a
prática anterior da criação anônima ,
coletiva , produzida artesanalmente . O
resultado da convivência destes dois esquemas é o fenômeno da “ compra “ :
cantores brancos e já consagrados “
subiam o morro “ para comprar os belos sambas que aí eram produzidos pelos
compositores negros . Os primeiros
ofereciam seu nome , trânsito nas
gravadoras e no “ mundo do disco “ e ainda algum dinheiro em troca de poder
gravar o samba assinando a sua autoria .
O sambista do morro recebia alguns trocados pela música vendida e algum
eventual registro de seu nome como parceiro no disco .
Raramente isto significou um crescimento profissional e econômico do
compositor do morro , como explicitamos
anteriormente : mesmo algumas vezes
tendo “ descido para o asfalto “ para tocar em boates refinadas e apesar de ter
vendido muitas obras , a projeção que
conseguia em geral não era suficiente para alçá-lo ao “ mundo da fama “ , ou
mesmo melhorar significativamente sua situação financeira . Isto porque a estrutura .Isto porque , a estrutura social e econômica
discriminatória das classes populares de origem negra não se alterava
substancialmente pelo pequeno destaque de que o sambista lograva : ao contrário , muitas vezes seu talento foi
capitalizado pelos mecanismo da indústria cultural com retorno em geral
insignificante para o artista .
Não se pode negar , entretanto
, que todo este movimento ocorrido com a progressão do samba na década
de 20 representou uma tentativa de abrir um espaço de ascensão profissional do
negro . Pereira analisa que o fato de
comercializar empresarialmente a música traz vantagem de enriquecer a estrutura
ocupacional , dando status profissional
a atividades até então desempenhadas em termos de diletantismo e marginalizadas
dos circuitos comerciais .
Entretanto , este alargamento da
estrutura ocupacional , além de
lento , foi mínimo e não pode se
generalizar no plano das oportunidades individuais . O maior ganho deste processo foi a expansão
da visibilidade social da cultura afro-brasileira .
Fonte -
O SAMBA CONQUISTA
PASSAGEM - CRISTINA
TRAMONTE
As estratégias
e a ação educativa das
escolas de samba
págs 34 a 41
IDENTIDADE BRASILEIRA Editora
VOZES Petrópolis 2001
O DESFILE
1 . A ESTRUTURA
E COMPOSIÇÃO DO
DESFILE
Os desfiles na atualidade
, com suas mutações anuais ,
geram , em conseqüência , a dependência
de formas externas para que aconteçam .
Culturalmente só guardam uma experiência
: o saber como dançar . Como o
modo de desfilar , com a ação de vários
tipos de investidores , tornou-se extremamente
complexo , os componentes deixam escapar
tensão e insegurança imediatamente antes do desfile , que são sanadas , felizmente , pelo apito do samba . Durante nossas investigações , ainda existia o apito , hoje a direção da
RIOTUR o substitui por uma sirene.
O momento da “ concentração “ reflete menos alegria e
descontração do que tensão , nervosismo
e medo .
Na “ concentração “ de 1976
, era desta forma que a percebia
: perdida num emaranhado de fantasias , adereços e lantejoulas , tento captar as emoções que os componentes
sentem antes do desfile . Os rostos
denotam cansaço motivado pelas possíveis últimas noites insones , quando cuidavam dos preparativos finais das
fantasias . A maioria sentada , adereço de mão encostado num canto ,
chapéu de plumas caído de lado de fora da cabeça , no chão
, calçados um tanto sujos ,
salpicados de lama , fantasias sem
prumo , ante o desleixo do corpo , rosto com pinturas escorridas , irritação no olhar , quase agressão na
voz . Expressões mais próximas do
desânimo que da alegria pressentida durante o desfile .
Este momento é quebrado pelo anúncio vai entrar na
avenida , dado pelo apito ; daí para
frente é para não pensar se a fantasia não ficou bonita , se o sapato está
apertado ou se a roupa rasgou um pouco .
Não há como esperar , os batuques clamam
! Mesmo alguns esquecimentos sérios como a bandeira da escola , ou um instrumento importante , tem que ser
remediado . Nesse momento parece haver
um milagre : ao som do apito que chama ,
todos levantam-se , rostos carregados de
emoção , corpos tremendo , samba-enredo
na boca ... vai começar .
Para que um desfile saia perfeito , a colocação exata de cada participante no
seu lugar específico é primordial . A
orientação determinando o lugar dada e cada um é dada através do desenvolvimento
do tema-enredo . A colocação de cada
alegoria , de cada detalhe obedece
rigorosamente à elaboração da estória que se deseja contar durante o desfile da
escola . Essa responsabilidade fica a
cargo do carnavalesco . Entretanto no
transcorrer do desfile , existe o risco
de , com as evoluções que o samba
permite , um ou outro elemento atrasar-se ou adiantar-se ao todo da
escola ; para essa fiscalização a
responsabilidade fica a cargo de toda a ala
, chamada Ala da Harmonia , que
não se apresenta fantasiada , antes
uniformizada , e que velará para que
cada um mantenha seu lugar .
Uma escola de samba ,
quando desfila , conta com os seguintes
elementos , por ordem de desfile :
alegoria , comissão de frente , destaques
, alas , passistas , mestre-sala e porta-bandeira , grupos , baianas ( que são tradicionais ) e
a bateria . Esses elementos se
distribuem repetindo-se de acordo com a necessidade do enredo , alterando-se por sexo e mantendo cada grupo
e cada ala as mesmas fantasias .
Normalmente o desfile vem dividido em partes relacionadas à estória do
enredo .
2 . OS
ELEMENTOS DESFILANTES
As alas - as alas se
caracterizam com certa autonomia dentro
da escola de samba e por terem um nível elaborado de organização . Espécie de subunidades das escolas , servem como ponto de inserção do componente
individual na escola como totalidade . Não tem tempo determinado de existência , sua vida útil varia de acordo com o
interesse do integrante : algumas só
duram um carnaval , outras permanecem
por longo tempo , diferenciando-se umas
das outras permanecem por longo tempo ,
diferenciando-se umas das outras pela posição e encargos que terão durante o
desfile e por seus nomes sempre bizarros
: “ As Caprichosas “ , “ E Daí ? “
, “ Depois Eu Digo “ etc.
Consequentemente , suas fantasias também se diferenciam . As alas tem funções diferentes no corpo do
desfile . Cada uma se constitui ou se
constitui de acordo com certas necessidades da escola : a ala da harmonia , que citamos acima , desfila sem sambar , seus integrantes com roupas iguais , sem se constituírem em fantasias , semelhantes a ternos coloridos ( cor da escola ) , andam durante o desfile entre os outros
componentes e outras alas , para manter a harmonia do desfile , isto é
, para que os sambistas encontrem o seu lugar . Ultimamente
, com a descoberta das escolas de samba pela sociedade dominante , surge a ala dos estudantes , caracterizada pela rotatividade entre as
escolas . Algumas alas podem ser
incorporadas como um todo nas escolas ,
são chamadas de “ grupo “.
Além das alas existe a “ comissão de frente “ , normalmente
composta por figuras masculinas , sobriamente vestidas , representada pelos
antigos fundadores . Na ansiedade de
inovar a qualquer preço , o Salgueiro
apresentou nos anos 60 uma comissão de frente
formada só por mulatas belíssimas
, as chamadas “tipo exportação “ . Algumas escolas copiaram o feito no
ano seguinte .
Os passistas . Os
passistas , masculinos ou femininos ,
tem a obrigação de “ dizer no pé “ ,
isto é , sambar propriamente dito . Apresentam-se com roupas luxuosas , sumárias
, que dêem suficiente liberdade aos movimentos . Um fato a registrar nesses casos é quase
total inexistência de elementos brancos entre os passistas . Podem vir desfilando individualmente , aos pares ou em grupos . Existem alas inteiras de passistas .
Os passistas começam seu “ treinamento “ precocemente e é
possível observar-se , durante o desfile , alguma escola com passistas mirins : crianças que desenvolvem
obras- primas na arte de sambar . Talvez
por isso , a infiltração de outros
segmentos seja bem menor .
A bateria . É o grupo
responsável pela instrumentação da música que acompanhará o desfile . Tem grande importância no corpo do
desfile , que se apresentaria sem o menor brilho se
viesse sem bateria . Assim como toda a
festa , também a bateria sofreu
transformação .Seus instrumentos se modificaram ou foram substituídos por
outros . O regulamento que limita a
forma , estrutura e o tempo de
desfile , contém alguns itens
relacionando os instrumentos que devem constar do desfile .
“As primeiras escolas de samba apresentavam , na sua bateria , apenas tamborins , surdos , reco-recos ,
pratos de cozinha , pandeiros , cuícas e
cavaquinhos . Hoje elas exibem mais de
vinte instrumentos diferentes , alguns
até adaptados inconvenientemente ao
samba , como o prato metálico ".
Acompanhando a escola , as baterias cresceram ; enquanto no
início dos desfiles se apresentavam com dez elementos , em 1960 já contavam com 190( Portela ) e hoje o número cresceu
assustadoramente .
“ A maioria dos instrumentos tem origem africana , outros
podem ser adaptados ao carnaval como o
reco-reco , cuja aparição se deu junto
com o nascimento da primeira escola de samba- a Deixa Falar , do Estácio
- segundo depoimento do famoso Betinho ( Adalberto Ferreira ) , diretor
de bateria da Portela , um dos mais
antigos bateristas de escola de samba “
.
O prato de cozinha ,
que contrasta com o som do surdo , que tem um som grave , apareceu na Bahia , no tempo das umbigadas .
“ É um instrumento fácil de fazer : basta raspar a borda do prato de cozinha
até torná-la áspera . O som é produzido
pelo atrito do prato com uma peça metálica que pode ser até uma faca . “
“ Outros instrumentos
, como o chocalho e a cabaça , embora de origem africana foram
escolhidos para o samba com êxito “ .
“ As frigideiras de cozinha
, introduzidas pela Império Serrano
, foram rejeitadas pela Mangueira e Portela “ .
No início composta exclusivamente de homens , as baterias hoje são mistas .
Seu lugar do desfile foi alterado : antes vinham atrás , depois passaram vir à frente , hoje ficam no meio . “ O diretor de bateria que usa apito é
geralmente o melhor baterista ou o que tem maior conhecimento musical . O valor da bateria é proporcional ao valor
do diretor “ . Alguns ficam famoso como o “ Mestre André “ , da Mocidade Independente
de Padre Miguel , que , por sua atuação , tem seu grupo mais valorizado que a própria
escola a que pertence . Esta escola
sempre alcançava nota máxima em bateria pela atuação do mestre .
As baianas ( ala especial
) . A ala das baianas congrega as pastoras mais idosas da escola , é tradicional , obrigatória nos desfiles ( no
regulamento consta a exigência desta ala ) e suas fantasias não se modificam
muito . É comum encontrar-se as baianas
mirins , que são crianças que desfilam
ao lado das caboclas .É um espetáculo
muito bonito , a chega das negras sambando
, sorridentes e ainda apesar da idade
.
Fonte - SAMBA NEGRO
págs 99 , 100 , 104 , 105 e
106
Ana Maria Rodrigues
Editora Hucitec
Um oásis intelectual
em meio aos
desvarios do Momo
Segundo a maioria , foi Paulo da Portela o primeiro
compositor a fazer em 1939 , um samba
para o concurso de carnaval , cuja letra descrevia a ideia abstrata
proposta pelo enredo “ Teste ao samba
“ - enredo que também seria
representado por alegorias , adereços e fantasias usados durante o desfile . Paulo teria criado , assim
, um novo gênero de samba : o
samba-enredo .
Esse foi um dos muitos pioneirismos de Paulo da Portela , que não pode ser desmerecido . Todavia
, dos pontos de vista poético e musical
, aquela obra não diferia estilisticamente dos demais sambas da
época , chamados depois de “ sambas de
terreiro “ , composições livres , produzidas ao longo do ano , sem vínculo com o carnaval . Não se tratava , naquele momento , da constituição de um gênero , por não haver nenhum elemento
distintivo .
Na década seguinte , em função dos áridos enredos inspirado
na Segunda Guerra Mundial , os
compositores desenvolveram uma linguagem mais épica , embora ainda estivessem presos à estrutura
clássica dos sambas comuns ,
constituídos por duas partes onde predominava o verbo heptassílabo , ou
seja , a redondilha maior , típica da poesia popular ibérica .
Em 1948 , um dos
sambas da Mangueira ( na época as
agremiações apresentavam dois sambas ) ,
composto por Cartola e Carlos Cachaça
para o enredo “ Vale do São Francisco “
, com desenho melódico original que imitava o próprio curso do rio , deu um grande passo para que os sambas de
desfile se distanciassem do modelo canônico
. Até que , em 1951 , Silas de Oliveira faz para o enredo “
Sessenta anos de República “ do Império
Serrano , primeiro “ samba –lençol “
poema em versos sem métrica e disposição estrófica pré-definidas , com melodia adequada a seu caráter
narrativo .
Depois de Silas ,
portanto , é que o gênero samba de
enredo passa a existir . Só com Silas o samba de enredo , o samba de desfile , se torna uma forma inconfundível de
samba , cujas características se prestam
especificamente ao préstito carnavalesco das escolas . Assim
, o samba de enredo invertia , de
modo singular a história do gênero lírico
- quando em todas as literaturas conhecidas o que se deu o fenômeno
oposto .
Quando nos anos 1960
, os enredos deixaram de insistir nos temas ligados a grandes
personagens e eventos históricos ,
passando a incorporar as mitologias indígenas e africanas e todo espectro da
cultura popular , o samba de enredo
atingiu o ápice da sua expressividade épica
- invertendo também ( e este é seu maior feito ) a própria lógica do carnaval .
Porque o desfile das escolas de samba , embalado pelos sambas de enredo , não simboliza nem a alegria alienada nem a
subversão da ordem , como se dá na
tradição carnavalesca ocidental . É ,
antes um momento de catarse ; e de reflexão . É um oásis intelectual em meio aos
desvarios de Momo .
Só poderia acontecer
no Rio de
Janeiro .
Fonte - Jornal
O GLOBO pág
6 - Segundo Caderno
Domingo , 27/11/2016 - 100 ANOS
DE SAMBA
Alberto Mussa é
autor , com Luiz Antonio
Simas,
“ Sambas de enredo - História e arte “
“ Sambas de enredo - História e arte “
( editora Civilização Brasileira
) .
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