O problema das
favelas cariocas há muito é uma realidade no Rio de Janeiro: em 1933, o Censo Predial – o primeiro a levar em
conta as comunidades - já teria
registrado mais de 40 mil casebres. A informação é uma das muitas reveladas no
livro “Favelas Cariocas“ ( Editora Contra Ponto ), da socióloga Maria Laís Pereira da Silva. Depois de percorrer durante anos as
entranhas das principais favelas cariocas como estudante, ela decidiu aprofundar o tema, a partir da sua tese de doutorado do
Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A pesquisa faz uma revisão da bibliografia disponível sobre
as favelas do Rio de Janeiro, que
começaram a fazer parte da paisagem a partir da década de 20. Estudando o período crítico de
expansão, que se inicia em 1930 e vai
até 1964, a pesquisadora analisa
principalmente as favelas operárias,
onde se concentrava a mão-de-obra das indústrias nascentes, e descreve as relações conflituosas entre
moradores e proprietários dos terrenos.
Além disso, lembra as mobilizações dos
favelados e a ação dos políticos, desde
Pedro Ernesto até Carlos Lacerda, e
mostra a constante disputa travada entre instituições como o Partido Comunista
e a Igreja Católica. A importância do
estudo, segundo a autora, é compreender o futuro da “ questão favela
“, que permeia a cidade e ganha , a
cada dia , novos significados.
-É necessário olhar para trás, para o passado das favelas, e recuperar algumas de suas características
e relações com a cidade. Será que nada
mais existe a tratar em relação às favelas? – diz a autora.
Questões como a permanência e crescimento das favelas frente
à resistência imposta pela sociedade e a influência determinada pelo
desenvolvimento industrial são analisadas com o auxílio de fotos de
arquivo.
- A favela foi explicada, ao longo dos anos, por meio de
oposições e dualidades. Asfalto versus
morro, formal versus informal, legal versus ilegal. Tentei olhar o que
ocorre no meio, no entre, no espaço que permitiu que as favelas
fizessem cem anos - detalha.
O debate dá ênfase às fontes formadas nas próprias
comunidades, com o auxílio de
organizações não-governamentais e de grupos de moradores de favelas que
recuperam a própria história, por meio
do registro oral ou documental.
Fonte - JORNAL
DO BRASIL pág A
14
Sábado , 17 de Dezembro de 2005 CIDADE
CENTRAL DA PERIFERIA
MINHA PERIFERIA É
O MUNDO
JUSTIÇA VISUAL: EXPLORAÇÃO DO BEM
Não adianta usar a favela como tema e botar a cabeça no
travesseiro achando que tá fazendo uma grande coisa. Um filme, um livro, um CD ou um programa de TV não muda a realidade de
nada. É óbvio que ajuda a mover as
ideias na sociedade, essas sim, mudam para o bem, para o mal, mas , apesar de isso ser muito
de um lado, é muito pouco diante de
questões urgentes como a fome e a violência urbana. Pra falar de um assunto da moda, vou citar a bola da vez: Tropa de Elite. É lógico que Tropa de Elite não vai mudar o
Brasil. É até injusto botar essa
responsa numa obra cinematográfica, pois sua função é outra, é
discutir ideias e, quem sabe , de quebra
, dar uma forcinha pro cinema brasileiro ; não é resolver problemas
reais.
Quem tem que resolver problemas reais são os governos pressionados por uma sociedade atuante.
Se algum filme ou programa de TV resolvesse alguma
coisa;
“Pixote – A lei do Mais Fraco“ tinha mudado a realidade dos meninos de
rua no Brasil há décadas. Na época, o filme do Babenco foi indicado ao Globo de
Ouro como melhor Filme Estrangeiro, fez
um barulho danado, e todo mundo sabe
que não resolveu a vida do Fernando Ramos, o Pixote, que, foi assassinado por PMs na favela de
Diadema (SP) , em agosto de 1987.
A verdade é a seguinte: ou a gente troca esse disco e a periferia se impõe virando
protagonista do modo de produção desses produtos ou a favela vai estar mais uma
vez apenas sendo usada. Nem to falando
do Padilha, ok ? Não lembro de tê-lo
visto falando que o filme era um instrumento político e tal. Ele se coloca como cineasta e pronto. O problema é quando a favela é tema de
livro na Zona Sul e o autor acha que tá fazendo alguma coisa pela favela e
ainda recebe o dinheiro público para tal. Isso é que, no sapatinho a gente chama de “exploração do bem“, ou seja, uma coisa tão absurda que nem existe! Nem se trata dos asfaltistas abrirem seus coraçõezinhos (leia-se cofres abarrotados), mas de a periferia ir abrindo seu
espaço, editando seus próprios livros
ou fazendo parcerias, fazendo seus
próprios filmes, seus próprios programas de TV, ou, amigo, de boa intenção todo mundo sabe que o
inferno tá cheio.
Outro lugar que também tá chegando de gente bem –
intencionada são as coberturas ou mansões de frente para o mar. Só que o Monarco continua morando na
Mangueira. Eu não tenho nada contra as
coberturas ou mansões, tanto é que
quero a minha também, afinal a nossa
luta não é para dividir a miséria, mas
a riqueza! O lance é que quando a “intelectualidade do bem “ faz um programa de TV defendendo o samba, o Monarco coitado, fica com a merreca das
vendas. Todo mundo quer ser porta-voz
da cultura da favela, todo mundo diz
que a favela vai lucrar com essa exposição na mídia, mas o dinheiro dos produtos culturais não chega
na favela, irmão! Queria ver alguém ser porta-voz daquele
pianista fodão Nelson Freire sem ele lucrar o percentual majoritário na
parada! O barraco ia baixar nos salões
mais chiques do mundo, e com razão! O fato é que pimenta no cuscuz dos outros é
refresco.
Eu sou a favor de juntarmos as mãos para mudar a
realidade, mas sem esquizofrenia e
oportunismo. Favela , é favela
, elite é elite. E quando o
assunto for favela, não vem querer me
convencer que você entende mais do que nós. Não vai querer se dar bem em cima da nossa
foto. Porque depois de desatarmos as
mãos, ao fim de uma reunião, cada um vai pra sua casa e a vida fica bem
diferente. Faz um tempão que a intelectualidade escreve dezenas de livros, faz filmes e tem um monte de opinião sobre
o que deve ser feito. Bacana. Mas quem de fato começou a dar uma alguma
espécie de solução para a favela foi ela própria. Movimentos como AfroReggae, Nós do Morro, Observatório das Favelas, Banguçasso Cine
Periferia, MCR são reconhecidos pelo
pode público do Brasil e do mundo como iniciativas que criaram oportunidades
inéditas, nunca sequer imaginadas. E não eram, porque as “ soluções “ vinham da intelectualidade endinheirada. Hoje, essas instituições. Constroem
modelos bem–sucedidos e já começam a criar um embrião de geração de
intelectuais de favela. Isso mesmo. Temos nossos próprios protopensadores
pensando do mesmo jeito. E a solução está
vindo por aí, pelo fato de fazermos as
coisas do nosso jeito. No primeiro
ano, pode até sair meia-boca. No segundo também. Mas no terceiro dá certo e se não der, se precisamos de 300 anos, tudo bem, já começou a contar!
Essas organizações criaram arduamente o conceito “
protagonismo social “ , que significa que a própria favela se remoeu e arranjou
suas próprias soluções, e isso só foi
possível porque elas começaram a fazer as coisas do seu próprio jeito.
Resumindo : se quiser
me ajudar, irmão, deixa eu fazer meu próprio show. A favela já está bem grandinha em termos
institucionais, políticos e
estéticos, ela já pode falar por
si, e negociar com as outras
instituições de igual para igual.
Qualquer coisa diferente disso me parece e é tentativa de “ infantilizar “ a
favela no assunto mais difícil de todos: grana! Que é onde o bicho sempre
pega e o coração dos “ intelectuais do bem “ sempre aperta.
O bagulho é tão doido que o preto e pobre sempre apareceu na
TV e nada muda. A novidade mais
importante dessa história é colocar os pretos pobres fazendo TV, cinema, teatro, livros e tudo o mais. E assim
tornar essa indústria cultural mais justa socialmente. Do contrário , é enganação , não Justiça Social , é apenas Justiça Visual ou até visual de
justiça.
Fonte - Jornal O
GLOBO - RIO
pág 22
INFORME
PUBLICITÁRIO - CENTRAL DA
PERIFERIA
CELSO ATHAÍDE - é
coordenador nacional da
Central Única das Favelas
Maldição é ser
brasileiro pobre
Escritor de Cidade
de Deus não
vê milagres do
governo que salvem a favela
de sua sina: excluir
Ele ainda não decantou o olhar sobre São Paulo. Depois da viagem a Medelin no final de
setembro, a volta rápida ao Rio, outra em seguida a Bogotá e mais uma ao
México, Paulo Lins quer sentar sobre a
mala e parar. De preferência com o
filho de 4 anos à mão, que foi por isso
que ele se mudou do Rio para a capital paulista: para ficar perto do “neném“, que mora com a mãe, nativa de São Paulo. Longe da vista para o Cristo, o poeta, professor, roteirista de
Cidade de Deus, Quase Dois Irmãos, Era uma vez..., Cidade dos Homens e
Faroeste Caboclo,
afora um livro sobre samba na agulha,
está meio perdido - mas não a ponto de
não poder dar esta entrevista ao Aliás.
Aceitou conversar sobre o destino das favelas ao saber do incêndio que
desalojou 350 famílias da Diogo Reis,
no bairro do Jaguaré, no domingo.
Não que o fogo lhe seja fato novo. Cidade de Deus, onde morou dos 7 aos 23 anos, inflou a partir de moradores fugidos de
incêndios e enchentes que assolaram o Rio de Janeiro nos anos 60. O próprio conjunto habitacional esteve sob
as camas, sabe-se lá se criminosas ou não. “Não dá para afirmar , mas dá para deduzir “,
afirma, remetendo a uma concentração de
pessoas nem sempre benquista pela especulação imobiliária, mas que veio a
calhar à exclusão social. Mordaz nas
críticas. Paulo pede uma reforma
agrária na cidade, um estranhamento dos
negrados pela sociedade. E que se deixe
de lado essa coisa de praga dos deuses,
como cogitou um desabrigado da Diogo Pires. “maldição é ser brasileiro
pobre , isso é que é maldição. “
ESTOPIM
INVISÍVEL
“A favela tem um sistema de fiação horrível, não há segurança ali. Depois de um incêndio desses , não se pode dizer que a maldição ronda o
lugar. Quem é essa gente? Quem é esse favelado? São os negrados, negros
e descendentes de nordestinos. Quando você fala em nordestino, está
também falando de índio. Não são
europeus, nem árabes, nem asiáticos. É um povo invisível, para o qual a sociedade só dá atenção
temporária quando acontece uma desgraça assim, ou quando esse povo comete
violência. Enquanto está morrendo de
fome, de fogo, de frio, ninguém liga".
A NEOFAVELA
“Neofavela“ é o novo gueto, o gueto oficial. Chamo todos
os conjuntos habitacionais de neofavela. Chamo a Cidade de Deus de neofavela. No Rio, mais que abrigar os
flagelados de 1966, 1968, essas áreas
foram pensadas para “limpar “ a zona sul como se fez em São Paulo, onde os indesejáveis foram levados do
centro para a periferia. Construíram e
constroem apartamentos horríveis bem longe e largam aquele monte de pobre
junto. Aí o Estado - a sociedade também, porque tudo que o estado faz é porque a
sociedade permite - coloca armas e
drogas na neofavela. Some-se a elas a
corrupção e dá no que dá:
violência.
PROMOÇÃO ?
“Discordo do presidente quando ele diz que as favelas vão
virar bairros, e assim todos os
problemas vão se acabar. Primeiro, não adianta trocar de nome. Do dia para noite, Capão Redondo não é mais favela, é bairro. Isso vai mudar alguma coisa se
continuarem confinando os negrados ali ?
Não. Também acho uma insensatez o Minha Casa, Minha Vida. Por que não
distribuir essas pessoas na cidade? É
refazer o que já não deu certo. Fui à
Santa Marta ontem. Colocaram tanto
policial lá, o tráfico foi embora. E os bandidos? Recuperaram alguém? Deram emprego? Preferiram uma lanhouse com cem
computadores. Isso não é um investimento
sério em ensino.
NA TERRA DE
JAMELÃO
"As favelas são muito parecidas no mundo todo, mas as do Rio têm um diferencial cultural: morar na Mangueira, por exemplo, é morar na Mangueira. É terra de grandes compositores, adorados por toda a sociedade, como Cartola, Nelson Cavaquinho , Nelson Sargento, Carlos Cachaça, Jamelão... O mesmo
acontece com quem mora no Salgueiro, em
Madureira , em Padre Miguel . Em São Paulo tem a cultura do rap ainda sem
aquela tradição. Os artistas das
favelas paulistanas estão aparecendo agora, mas são muito discriminados. A
discriminação racial em São Paulo, por
sinal, é muito maior que no Rio. Aqui há muito seguranças, e se a sociedade é racista, os seguranças também são. Além disso as ruas de rico de São Paulo não são caminho de pobre. No Rio, para subir a Rocinha tem que andar em São Conrado, para ir ao Pavãozinho tem que andar
por Copacabana. Mas, em termos de racismo no País,
acho que ninguém bate a Bahia. É uma
coisa acirrada, e o preconceito é forte
por parte dos próprios negros. O filho
de uma amiga, que é branco e vive em
Salvador, às vezes diz para a mãe que queria
ser negão.
RG DE MORADOR
“Na favela moram os trabalhadores. Tem servidor público, militar de baixa patente, empregada doméstica. É o sujeito que a gente vê todos os dias
nas ruas, na portaria do prédio, é
aquele que chega para consertar a TV,
para cozinhar, para cuidar dos nossos
filhos, para entregar uma conta ou uma
pizza. Se ele pudesse morar mais
perto, seria mais feliz porque não
precisaria ficar duas horas num ônibus para bater ponto no trabalho. A cidade comporta. Tem muito lugar vazio dentro dela. Tudo bem, não vai caber todo mundo, não será uma reforma tão democrática e
ampla, mas construir casas é uma forma
de roubar. Se comprar é muito caro, a
longo prazo não vai ser. Caro é botar polícia, matar pessoas, ocupar favela para acabar com a violência porque, se aglomerar gente pobre e muni -la de
drogas e armas, vai ter violência e ressentimento. Para o favelado, a classe média é rica. Existe um rancor social. Antigamente, o sujeito assaltava e deixava os documentos para o cara pegar um
táxi, um ônibus. Hoje
mata com crueldade. E, dentro da favela, o tráfico dá segurança falsa. Há invasão de inimigos, pode sobrar bala perdida. Se os policiais sobem a favela, também. Só está seguro na
cidade quem já morreu.
O TRIPÉ DA
VIOLÊNCIA
“A polícia brasileira sempre foi corrupta. Não existe
poder paralelo, o crime está dentro do poder. Só tem violência porque tem racismo, corrupção e pobreza. É um
tripé. Não pode haver crime organizado sem corrupção. Não pode ter tráfico de armas sem corrupção. Dá para plantar maconha na favela? Dá. Dá para produzir cocaína ali? Difícil... Agora, dizer que se pode
fabricar armas na favela, isso não. Não pode.
PODER SOLITÁRIO
“Mudou muito o perfil do tráfico no Rio. Hoje não é mais negro, mas o nordestino. Em São Paulo, aliás, já é assim há muito tempo. O
negro carioca que está no morro há anos já construiu sua rede de
solidariedade, saiu da linha da
miséria. O nordestino, não. Muito migrante chega sozinho,
às vezes fica 15 anos sem ver o pai, 20
sem ver a irmã. Vem para trabalhar,
não tem dinheiro para voltar. E
felicidade é estar com a família. Então
tem muito nordestino envolvido com o tráfico. Houve um upgrade para os negros. Os nordestinos não conseguiram isso ainda, eles estão fora da terra deles.
ACONCHEGO
“Houve um tempo em que o lugar em que eu mais me sentia bem
no Brasil era no morro. Ali eu não era discriminado. Neste restaurante, por exemplo, só tem eu de negro. Geralmente
é assim nos lugares em que há pessoas de maior poder aquisitivo. Você vê a discriminação racial o tempo
todo. O problema não é a cor, o problema é a grana. Mas quem tem a grana? No Brasil não existe ascensão social. A sociedade não lhe permite isso.
Só alguns conseguem esse acesso, e por
meio do futebol, da música e da arte popular, não erudita. Então é outro
universo, totalmente inalcançável.
Quando saí da favela, eu tinha 23
anos. Entrei na Universidade, descobriu o mundo. Ainda assim, por muito tempo só me aconchegava lá. Não porque a favela seja boazinha, ela é ruim. Mas eu não era aceito do outro lado. “
Fonte - Jornal
O ESTADO DE
SÃO PAULO pág
ALIÁS J 3
Domingo , 18 de
outubro de 2009
- Mônica Manir