A MODERNIDADE DE UM
BRASIL BOSSA NOVA
ORIGEM DA EXPRESSÃO BOSSA NOVA
. Existem várias versões para o surgimento da expressão bossa nova . Uma delas , que as pesquisas demonstram ser bastante crível , é que um show , os músicos chegaram ao local e se depararam com um quadro negro onde estava escrito : “ Hoje Sylvinha Teles e um grupo de bossa nova “ .
Ainda não se tratava do movimento , mas os adjetivos usados para marcar algo novo e com bossa , referência a como estava ficando conhecido o jeito deles cantarem . Daí em diante os músicos
incorporaram a ideia e bossa nova passou a ser o nome do movimento musical que nascia . Nos
anos seguintes , virou moda chamar de bossa nova tudo o que era considerado moderno
A PIONEIRA
CHEGA DE SAUDADE
. A canção é considerada o primeiro registro fotográfico da bossa nova . Composta por Vinícius e Tom Jobem , Chega de Saudade foi gravada em abril de 1958 , a voz era a de Elizeth Cardoso , os arranjos eram de Tom Jobim e o violão de João Gilberto . Essa versão da música foi lançada em maio de 1958 , no álbum Canção de Amor Demais , pelo selo Festa .
Memória da mídia
A bossa nova faz parte da cultura da década de 1950 , um período em que os brasileiros acreditavam a curto prazo , o futuro do país seria brilhante . Nascida em plena Zona Sul , onde viva a camada mais rica da população , a bossa alcançou projeção internacional . O estilo musical fez com que vários cantores nacionais ficassem famosos no exterior e que suas músicas fossem gravadas por intérpretes mundialmente consagrados , como Frank Sinatra . Além disso , a bossa cristalizou a ideia de um Brasil moderno , uma época que ficou conhecida como “ Anos Dourados “ .
Há várias versões de como a bossa nova surgiu . No entanto , podemos afirmar que os arredores
da Praia de Copacabana , no Rio de Janeiro , tenham sido no primeiro cenário . Era lá onde moravam alguns de seus principais artistas , que se reuniam para ouvir e criar música em seus
apartamentos ou bares . Em torno da “ romântica “ Copacabana dos anos 50 , com muito sol e mar , havia também “outra “ Copacabana em que circulavam cantores da noite e prostitutas . A juventude “ certinha “ flertava com boêmia , e as duas turmas acabaram se misturando .
Foi nesse caldo que , no final de década de 1950 , alguns músicos , insatisfeitos com o estilo rebus-
cado de grandes orquestras e das letras e temas dramáticos dos boleros , que imperavam no meio musical , inventaram um estilo mais intimista , influenciado pelo jazz norte-americano dos anos 40 . As figuras mais destacadas dos primeiros tempos da bossa foram João Gilberto e Tom Jobim .
Além da batida diferente , , tornou-se emblemático o estilo de cantar de João Gilberto , músico baiano de Juazeiro , que chegou ao Rio de Janeiro com o objetivo de fazer sucesso . Anos depois,
em entrevista à revista Veja , em 1971 , João Gilberto afirmou que havia se inspirado em Orlando Silva : “ Foi o maior cantor de sua época (…) Ele sabia falar as frases com naturalidade e não exagerava em nenhum ponto da música . Falava e não cantava a música “ . Pois foi exatamente esse “ falar a música “ que se tornou a marca registrada de João Gilberto , e a forma pela qual a bossa se diferenciava da entonação dramática do bolero , que imperava no meio musical da época . Para muitos estudiosos , o marco inicial da bossa foi em 1968 , quando João Gilberto cantou Chega
de Saudade . Aprender a batida , tocar violão ou mesmo cantar ao estilo de João Gilberto passou a ser o grande desejo dos jovens da época .
Rapidamente , o no estilo foi aglutinando um número grande e variado de pessoas . O interesse aumentou ainda mais com a repercussão na imprensa . A famosa revista O Cruzeiro , em edição de 1959, reuniu um grupo influente para uma primeira grande reportagem sobre o tema . Segundo o escritor Ruy Castro , no livro Chega de Saudade , estavam presentes : Tom Jobim , João Gilberto , Luiz Bonfá , Ronaldo Bôscoli , Carlinhos Lyra , Roberto Menescal , Sylvinha Teles , \\nara Leão Oscar Castro Neves , Alayde Costa , Nana Caymmi , Ary Barroso , entre outros . A
reportagem procurou explicar o significado da denominação bossa nova e , por meio de uma montagem gráfica inovadora , classificou o novo estilo como surpreendente , novo e cheio de atitude.
SINÔNIMO DE MODERNIDADE
A expressão " bossa nova "saiu do universo da música e passou a designar tudo o que era considerado moderno e arrojado . O consumismo , estimulado pela Guerra Fria e
pela expansão de multinacionais , afinava-se com a urbanização e crescimento dos meios de comunicação de massa .
Para desencanto de alguns de seus criadores , como Tom Jobim , " bossa nova " virou uam marca , que se espalhou do Rio de Janeiro para o resto do País , por meio da
imprensa e da publicidade . A fabricante de eletrodomésticos Brastemp , por exemplo , , lançou a geladeira " príncipe bossa nova " . que prometia ser grande por dentro e maior por fora . Além da geladeira , o mercado foi invadido por máquinas de lavar, rádios , vitrolas , enceradeiras , aparelhos de barbear , sapatos , gravatas , enfim , bens de consumo dos mais variados que se apresentavam com o nome da música .
Havia um ar de otimismo e um imaginário em torno da ideia de se viver no que posteriormente foi chamado "Anos Dourados " . Até mesmo o presidente Juscelino Kubistchek , que governou de 1956 a 1961 , era jovial e audacioso . Alimentando esse clima , o Brasil ficou conhecido no exterior graças ao futebol campeão e por construir uma nova capital , a partir do " nada " , no centro de um País de dimensões continentais .
No entanto , por trás de tanto otimismo , havia o endividamento externo e a criação de empregos , à custa do orçamento público . Mas como era possível pensar naquela época , quando éramos campeões mundiais de futebol e tínhamos até um presidente bossa nova ?
AS CRÍTICAS DA
" MÚSICA DE PROTESTO"
Após a bossa nova ter conquistado o público e se tornado uma marca , começou a ser objeto de críticas e chama de música " alienada " , que só falava de amor . Nesse momento , começou a surgir a ideia de música como forma de protesto . Dento do próprio movimento , começaram a haver discordâncias . Nara Leão , então considerada um dos nomes mais importantes da bossa nova , se aproximou do que era considerado samba de morro autêntico . Segundo Ruy Castro , foi o disco dela Opinião que rachou o movimento .
Bossa nova era um assunto que vendia , e a imprensa rapidamente procurou o papel de narradora dos acontecimentos . A revistas Fatos e Fotos entrevistou Nara Leão , que disse que não queria mais " cantar para dois ou três intelectuais uma musiquinha de apartamento " . Sylvinha rebateu e disse que a bossa era de todos , acusando Nara de
renegar seu passado d garota rica, nascida na Zona Sul carioca .
A situação ficou mais acirrada com a estreia do lendário show de Oduvaldo Viana Filho , Armando Costa e Paulo Ponte , dirigido por Augusto Boal , estrelando Nara , João do Valle e Zé Ketti . O clima já não era dos " Anos Dourados " e a ditadura militar começava a dominar o cenário . Todos os textos e canções do espetáculo falavam de miséria . A plateia foi levada ao delírio quando Zé Ketti cantou : " Podem me prender,
podem me bater/ podem até deixar-me morrer / que eu não de opinião " .
Dentro do movimento , houve uma resistência quanto às críticas dos considerados músicos de protesto . Toda uma nova geração , encabeçada por Marcos Valle ,Francis Hime , Dori Caymmi, Elmir Deodato , Nelson Motta , defendia que a música não deveria necessariamente estar atrelada às posições políticas . Enquanto isso , Tom Jobim e João Gilberto viajavam pelo mundo divulgando a bossa nova . Nessa leva , vários músicos fixaram residência no exterior , onde ainda gozam de grande prestígio . Outros se tornaram empresários e investiram no mercado fonográfico exportando o estilo .
Hoje não resta dúvida de que a bossa , além de deixar sua marca no repertório mundial , integrou um movimento de modernização que atravessou períodos emblemáticos de nossa história . Para os que gostam , não há como negar que essa
cinquentenária ocupou um espaço importante na cena cultural , e merece ser investigada , rememorada e celebrada em pesquisas e exposições .
Fonte Revista - LEITURAS DA HISTÓRIA - págs 46 e 47
Ano 2008 - Ano II n° 13 - Memória da mídia
AMARA ROCHA é doutora em História Social da UFRJ , historiadora e pesquisadora associada do Programa Avançado de Cultura Contemporânea da UFRJ.
Autora de diversos artigos sobre teoria da modernidade e do consumo , história urbana
e história da mídia e do livro Nas ondas da modernização . O rádio e a televisão do
Brasil de 1950 e 1970 . Aeroplano / FAPERJ , 2007
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