segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Em nome do pai - Agostinho dos Santos


Agostinho dos  Santos

Durante décadas , a paulista  Nancy dos Santos conviveu com o  sentimento de culpa  que encerrou sua carreira de  compositora .No dia 11 de julho de 1973 ,há exatos 35 anos ,o  Boeing  707 da Varig que levava seu pai ,o cantor  Agostinho dos Santos – um dos mais celebrados nomes da bossa-nova e intérprete de diversos temas de  Orfeu negro , filme do  francês  Marcel Camus  vencedor do  Oscar 1960 – pegou fogo em pleno ar , matando 134 pessoas a cinco quilômetros do aeroporto  Orly  em Paris . Agostinho viajava para defender, num  festival grego, a canção Paz sem cor ,  que havia com - posto em parceria com sua filha ,então com 17 anos. Como co-autora da música ,Nancy  deveria ter embarcado com o pai . Mas , na última hora , acabou desistindo e só soube do desastre ao ser pro - curada  por um  jornalista , que se antecipara às  autoridades para entrevistá-la .

-  Meu pai  insistiu muito para que eu fosse  –  lembra  Nancy  .  -  Ele achava que o festival  teria grande repercussão para nossa carreira. Chegamos a ter  uma discussão feia e no meu lugar acabou indo o maestro Carlos Pitta. O chão desabou para toda a minha família . Por causa dessa  história , guardei uma culpa que só há pouco tempo consegui exorcizar.

Nancy não voltou a compor .Há cinco anos,refugiou-se em  São Bernardo do Campo,  em São Paulo, onde administra o bar Ferradura . Não falava sobre seu passado, a pon-to de quase ninguém saber de seu  parentesco famoso. Tudo mudou quando um amigo roubou de seu baú uma foto de Agostinho cantando em  Milão ,transformou-a em pôs-ter e pediu que  Nancy o pendurasse na entrada do bar . A partir daí , uma  coleção de fotos, capas de discos e outros documentos  históricos começaram a ganhar as paredes do  Ferradura . Que virou um  espaço de preservação da  memória de  Agostinho dos Santos.

- Percebi que não tinha o direito de ficar calada – diz Nancy . - Não podia deixar guar-dado o legado do meu pai .

 EMI relança o disco

Na opinião de Nancy,o trabalho de  Agostinho ainda não recebe a atenção que merece. Trinta e cinco anos  depois do trágico acidente , ela reclama do pouco espaço reservado ao  cantor na  história da  bossa nova . Em agosto  desse ano , a  EMI deve relançar o disco  Agostinho dos Santos , gravado originalmente em 1970 ,  época em que o artista já flertava o  rock’n’roll , interpretando canções de  Roberto e Erasmo Carlos.

Estou disposta a falar da  história , mas também quero ouvir o  pessoal da  bossa nova falando dele-diz Nancy , lembrando que , no  histórico show do  Carnege  Hall de 1962  foi o mais aplaudido  . - Está na  hora de devolver ao  meu pai o  lugar  que ele sempre teve . Todos sabem da  sua impor-
tância ,mas parecem que pulam a  história e esquecem de sua participação .

Assim como Nancy ,o compositor  Marcos Valle também teve um bloqueio criativo depois da morte de Agostinho . ele e seu irmão , o letrista  Paulo Sérgio ,  eram muito ligados ao canto  . Agostinho , que frequentava a casa dos Valle desde 1964, apontava a dupla como a grande promessa da chamada " bossa nova " . Definia-os como uma  " turma da pesada " .

- Considero  Agostinho dos Santos e  Maysa como  os  brasileiros mais importantes  pré-bossa nova - afirma  Marcos Valle . - Ele veio antes de  Johnny Alf .  Seu estilo preparou o caminho da moderni - nidade da bossa , a maneira nova de cantar . Além de grande intérprete , era ótimo músico . Tinha modernidade e sabia exatamente o que queria. 


-  Em 1973 , fui à minha gravadora  EMI , para tentar um contrato com o  Donato , que tinha aca -bado de voltar dos  estados Unidos . Mas a EMI o achava estranho e só consegui o contrato com a condição de que produzisse o disco. No primeiro encontro , Agostinho estava lá e ,enquanto eu e ele brincávamos ,ouvimos Donato  cantarolando.

Eu olhei para  Agostinho , com quem tinha identificação total , e na mesma  hora  ati-namos que Donato deveria cantar nesse disco, coisa que ele  nunca havia feito antes . 

Apenas  11 sobreviventes 

Ainda hoje, restam pontos mal explicados no acidente da  Varig que matou   Agostinho  dos Santos , além de outras personalidades conhecidas do país ,como a  atriz Regina Léclery o iatista Jörg Bruder, o  jornalista Júlio de Lamare e o senador Filinto Muller  (José Sarney e sua esposa  Marly tinham reservado  passagens nesse vôo , mas  acabaram não embarcando ) . Há ao menos  três explicações diferentes para o incêndio . Para o  escritor e piloto  Ivan Sant'Anna , autor do  livro  Caixa -preta ,
que conta a  história de três tragédias da  aviação brasileira , o fogo  teria sido iniciado por  um  ci-
garro jogado no cesto de toalhas de um dos banheiros. O piloto teve de fazer um  pouso forçado a
um  minuto da  pista de  Orly , enquanto a fumaça se espalhava pelo  interior do avião . Sobrevi-
veram apenas 10 dos 17 tripulantes e um dos  117  passageiros .

- É um dos acidentes mais traumáticos da  aviação  brasileira ,porque foi o único en-volvendo um  vôo internacional desde os  anos 40 - avalia  Sant'Anna . Outro fato que causou repercussão é que havia pessoas importantes entre os  passageiros ,o que sempre ocorria em vôos internacionais  na
época .

Fonte  - Jornal do Brasil  - capa  - Vanguarda  Agostinho
Sexta-feira, 11 de julho de 2008   - Bolivar Torres 

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