Agostinho dos Santos
Durante décadas , a paulista Nancy dos Santos conviveu com o sentimento de culpa que encerrou sua carreira de compositora .No dia 11 de julho de 1973 ,há exatos 35 anos ,o Boeing 707 da Varig que levava seu pai ,o cantor Agostinho dos Santos – um dos mais celebrados nomes da bossa-nova e intérprete de diversos temas de Orfeu negro , filme do francês Marcel Camus vencedor do Oscar 1960 – pegou fogo em pleno ar , matando 134 pessoas a cinco quilômetros do aeroporto Orly em Paris . Agostinho viajava para defender, num festival grego, a canção Paz sem cor , que havia com - posto em parceria com sua filha ,então com 17 anos. Como co-autora da música ,Nancy deveria ter embarcado com o pai . Mas , na última hora , acabou desistindo e só soube do desastre ao ser pro - curada por um jornalista , que se antecipara às autoridades para entrevistá-la .
- Meu pai insistiu muito para que eu fosse – lembra Nancy . - Ele achava que o festival teria grande repercussão para nossa carreira. Chegamos a ter uma discussão feia e no meu lugar acabou indo o maestro Carlos Pitta. O chão desabou para toda a minha família . Por causa dessa história , guardei uma culpa que só há pouco tempo consegui exorcizar.
Nancy não voltou a compor .Há cinco anos,refugiou-se em São Bernardo do Campo, em São Paulo, onde administra o bar Ferradura . Não falava sobre seu passado, a pon-to de quase ninguém saber de seu parentesco famoso. Tudo mudou quando um amigo roubou de seu baú uma foto de Agostinho cantando em Milão ,transformou-a em pôs-ter e pediu que Nancy o pendurasse na entrada do bar . A partir daí , uma coleção de fotos, capas de discos e outros documentos históricos começaram a ganhar as paredes do Ferradura . Que virou um espaço de preservação da memória de Agostinho dos Santos.
- Percebi que não tinha o direito de ficar calada – diz Nancy . - Não podia deixar guar-dado o legado do meu pai .
EMI relança o disco
Na opinião de Nancy,o trabalho de Agostinho ainda não recebe a atenção que merece. Trinta e cinco anos depois do trágico acidente , ela reclama do pouco espaço reservado ao cantor na história da bossa nova . Em agosto desse ano , a EMI deve relançar o disco Agostinho dos Santos , gravado originalmente em 1970 , época em que o artista já flertava o rock’n’roll , interpretando canções de Roberto e Erasmo Carlos.
Estou disposta a falar da história , mas também quero ouvir o pessoal da bossa nova falando dele-diz Nancy , lembrando que , no histórico show do Carnege Hall de 1962 foi o mais aplaudido . - Está na hora de devolver ao meu pai o lugar que ele sempre teve . Todos sabem da sua impor-
tância ,mas parecem que pulam a história e esquecem de sua participação .
Assim como Nancy ,o compositor Marcos Valle também teve um bloqueio criativo depois da morte de Agostinho . ele e seu irmão , o letrista Paulo Sérgio , eram muito ligados ao canto . Agostinho , que frequentava a casa dos Valle desde 1964, apontava a dupla como a grande promessa da chamada " bossa nova " . Definia-os como uma " turma da pesada " .
- Considero Agostinho dos Santos e Maysa como os brasileiros mais importantes pré-bossa nova - afirma Marcos Valle . - Ele veio antes de Johnny Alf . Seu estilo preparou o caminho da moderni - nidade da bossa , a maneira nova de cantar . Além de grande intérprete , era ótimo músico . Tinha modernidade e sabia exatamente o que queria.
- Em 1973 , fui à minha gravadora EMI , para tentar um contrato com o Donato , que tinha aca -bado de voltar dos estados Unidos . Mas a EMI o achava estranho e só consegui o contrato com a condição de que produzisse o disco. No primeiro encontro , Agostinho estava lá e ,enquanto eu e ele brincávamos ,ouvimos Donato cantarolando.
Eu olhei para Agostinho , com quem tinha identificação total , e na mesma hora ati-namos que Donato deveria cantar nesse disco, coisa que ele nunca havia feito antes .
Apenas 11 sobreviventes
Ainda hoje, restam pontos mal explicados no acidente da Varig que matou Agostinho dos Santos , além de outras personalidades conhecidas do país ,como a atriz Regina Léclery o iatista Jörg Bruder, o jornalista Júlio de Lamare e o senador Filinto Muller (José Sarney e sua esposa Marly tinham reservado passagens nesse vôo , mas acabaram não embarcando ) . Há ao menos três explicações diferentes para o incêndio . Para o escritor e piloto Ivan Sant'Anna , autor do livro Caixa -preta ,
que conta a história de três tragédias da aviação brasileira , o fogo teria sido iniciado por um ci-
garro jogado no cesto de toalhas de um dos banheiros. O piloto teve de fazer um pouso forçado a
um minuto da pista de Orly , enquanto a fumaça se espalhava pelo interior do avião . Sobrevi-
veram apenas 10 dos 17 tripulantes e um dos 117 passageiros .
- É um dos acidentes mais traumáticos da aviação brasileira ,porque foi o único en-volvendo um vôo internacional desde os anos 40 - avalia Sant'Anna . Outro fato que causou repercussão é que havia pessoas importantes entre os passageiros ,o que sempre ocorria em vôos internacionais na
época .
Fonte - Jornal do Brasil - capa - Vanguarda Agostinho
Sexta-feira, 11 de julho de 2008 - Bolivar Torres
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