Na elaboração das oito constituições básicas na história do País , a participação popular -quando houve – foi pequena .Por essa razão ,veio crescendo aspiração por uma Constituinte democrática , livre e soberana.
Constituição é a lei suprema de um Estado ,a lei regula a maneira de o país se organizar politicamente e escolher seus governantes , que define sua ordem econômica e social e discrimina os direitos políticos e culturais de seus cidadãos .
Pela sua importância ,as constituições só deveriam ser elaboradas de forma demo-crática ,com ampla participação popular .No entanto ,é comum que as constituições sejam feitas de modo autoritário . Uma Constituição é elaborada de modo autoritário quando o governo encarrega uma comissão de especialistas de redigi-la e depois a promulga sem nenhuma consulta popular .No máximo , para legitimar-se , recorre à ratificação por um Congresso enfraquecido e pouco representativo ,ou então organiza um plebiscito , em que o povo é chamado a dizer simplesmente sim ou não , mas sem nenhuma possibilidade efetiva de discutir a Constituição proposta ou reformulá-la .
Para fazer uma Constituição de modo democrático é preciso que sua elaboração seja confiada a uma Assembleia Constituinte dotada de plenos poderes , integrada por - representantes eleitos livremente pelo povo e convocada especialmente para preparar e votar a carta constitucional . A convocação especial ,a preparação através de um amplo debate e a livre eleição de assembleias constituintes é , portanto , o método democrático para elaborar as constituições dos Estados e decidir sua organização política , econômica e cultural com a participação de seus cidadãos .
Se o recurso a assembleias constituintes soberanas e livremente eleitas é o método democrático comum para a elaboração de constituições,seus resultados serão mais ou menos democráticos ,dependendo , por um lado , do nível de consciência política e de organização independente já alcançado pelo povo e, por outro lado ,das restrições que ainda sejam mantidas ao debate de ideias e à escolha de candidatos e também do poder econômico e da influência ideológica que os donos do poder antigo ainda conservem . Naturalmente , uma Constituição será tanto mais democrática quanto maior e mais livre for a participação popular na eleição e nos debates da Constituinte e quanto mais elevado for o nível de organização e consciência política do povo .
O Brasil ,por exemplo, desde que se libertou do domínio português já teve oito constituições , mas apenas três foram feitas por constituintes ; e nenhuma delas se pode afirmar que a participação das corrente populares foi decisiva .A Assembleia Consti tuinte de 1823 foi dissolvida por dom Pedro I , que promulgou autoritariamente a Constituição Imperial de 1824 . Após a proclamação da República , coube a uma Assembleia Constituinte elaborar a nova Constituição , mas a representação popular nessa Assembleia praticamente inexistia . A Carta de 1891 foi revogada pelo movimento revolucionário de 1930 e só em 1934 o País conquistaria uma nova Constituição ,ainda
desta vez preparada por uma Assembleia Constituinte.Teria vida curta , porém,a Constituição de 1934 .Em 1937 ,um golpe de inspiração fascista a revogaria , instituindo autoritariamente uma nova Constituição ,redigida por Francisco Campos .
Em 1945, o Estado Novo viria abaixo e , no bojo do movimento democratizador , foi convocada uma Assembleia Constituinte que elaborou e votou a Constituição de 1946. Essa foi a Constituinte brasileira que contou , até hoje , com a maior participação das correntes populares e nacionalistas . Ainda assim , as correntes liberais -conservadoras , representativas dos grandes empresários e fazendeiros , detinham nítida hegemonia ; e estavam representados na Assembleia até setores políticos vinculados ao regime ditarial que acabava de ser deposto . Tal composição refletia o estágio de consciência política e de organização das camadas populares e decorria também das condições ainda restritivas em que a Constituição foi eleita .Em consequência,a Constituição de 1946 traria a marca da Assembleia que a elaborou . O traço predominante era conservador, mas ela não pode deixar de acolher algumas medidas em defesa de independência nacional e dos direitos dos trabalhadores .
Após 1964 , a Constituição de 1946 começou a ser revogada parceladamente e terminou sendo substituída , em 1967 , por uma nova Constituição , promulgada por Castello Branco , depois de ter sido submetida a referendo rápido e formal por parte de um Congresso muito enfraquecido em seus poderes e bem pouco representativo .
Durou pouco, no entanto , a Constituição de 1967. Já em 1969 era substituída por uma nova carta , a chamada Emenda Constituicional , outorgada pela junta dos ministros militares , quando nem o Congresso estava reunido.
Para agravar ,a nova Constituição , em vigor até 31 de dezembro de 1978 ,continha um original artigo o de n° 182 , em que se suspendia a si mesma , pois mantinha em vigência o Ato Constitucional n° 5 , que revogava muitas das normas constitucionais e funcionava , portanto , como a verdadeira lei superior do País .
Mas ,de 1967 até 1984, o País praticamente não viveu sob o império de uma Constituição , e sim sob o domínio dos atos constitucionais . No dia 9 de abril de 1964 foi promulgado pelos militares o Ato Institucional que depôs o presidente ,cassou mandatos e alterou os poderes do Executivo e do Congresso .Este primeiro ato , que seria o único e portantonúmero , deveria vigorar apenas até 13 de janeiro de 1966 , data da eleição direta de um novo presidente . Em outubro de 1966 , no entanto , após a vitória da oposição nas elei-ções no Rio eem Minas , foi editado o Ato Institucional n° 2 , que limitou os direitos e garantias individuais e dissolveu os patidos políticos .O AI -2 vigorou até 15 de março de 1967 , quando tomou o posse o general Costa e Silva .De março de 1967 até 13 de outubro de 1968 ,quando foi editado o AI- 5 , o País viveu sob o regime da Constituição de 1967 ; de outubro de 1968 até o fim de 1978 , " a lei suprema do País " , como dizia o então senador Paulo Brossard , foi o AI-5 , aplicado por decisão por decisão exclusiva do presidente da República e dos altos comandantes militares . Sob a proteção desses atos foram decretadas ,editadas ou votadas inúmeras leis , como a Lei de Segurança Nacional a Lei de Impressa ,a Lei de Greve , a Lei dos Dissídios Coletivos , o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Foram tantas as leis que alguns juristas definem o direito atual como uma " selva jurídica " . Para os trabalhadores , uma das mais nocivas foi a Lei de Greve , de 1° de julho de 1964 , estabelecendo condições que tornaram o exercício legal desse direito secular praticamente impossível em nosso país .
O último ano de vigência do AI-5 foi em 1978. Em 1977 , o então presidente Ernesto Geisel tinha fechado o Congresso Nacional, que se recusara a aprovar uma reforma do Judiciário que o tornaria ainda mais centralizador . Com o Congresso fechado , o general-presidente aproveitou , então , para impor também um conjunto de medidas que , supunha , iriam garantir o poder nas mãos das forças que haviam participado do movimento de 1964 até perto do fim do século: suspendeu as eleições diretas para governador previstas para 1978;introduziu no Senado um terço dos senadores escolhidos pelo processo indireto -que se tornariam popularmente conhecidos por " biônicos " ; e modificou as regras das eleições do presidente da República , mantidas como indiretas , de modo tal que o partido do go-verno pudesse "eleger" o presidente de 1978 e 1984 , mesmo sofrendo , como se
via ,grande derrota nas eleições de 1978 e 1982 .
A 20 de setembro de 1978 é votado o projeto de reformas políticas do governo Geisel , que revoga o Ato Institucional n° 5 e institui no seu lugar , um plantel de poderes de arbítrio a serem concedidos ao presidente da República durante o " Estado de Sítio " , situação excepcional prevista em quase todas as constituições brasileiras , e as " Medidas e Estados de Emergência ", novidades na legislação brasileira .
Constituinte : quem convoca ?
O governo tentou vender as reformas sendo um avanço decisivo no processo de reconstitu-cionalização do país . O fim do AI - 5 deveria ser um argumento decisivo . O País deixado , então , de viver sob o regime de arbítrio , ditatorial - no qual o presidente tudo podia , mediante a simples assinatura de atos institucionais .A partir de 1° de janeiro de 1979,passaria a ser governado por uma Constituição , à qual o próprio primeiro mandatário deveria curvar-se . A uma diferença seriam os poderes excepcionais de "emergência " . Estes , porém ,seriam indispensáveis , dizia-se , a um Estado moderno .
A oposição ,no entanto , não aceitou o argumento . seu partido , o Movimento Democrático Brasileiro ( MDB) , votou maciçamente contra . Alegou , com razão , que as mudanças significavam enfiar parte do A I- 5pela porta dos fundos da Constituição , pois permitiam ao presidente a censura à imprensa, à correspondência e às comunicações ; a suspensão dos di-reitosde reunião e associação ; e a busca , aprensão e intervenção nas entidades de classe e representativas . Para maior flexibilidade do arbítrio , os " estados de emergência " , com as mesmas restrições de direitos podem ser aplicados em áreas restritas como um estado , um município , ou mesmo um prédio ou repartição. As situações em que os poderes ditatoriais são permitidos , de tão vagas - instituições ameaaaçadas gravemente por " fatores de subversão " nas entidades de classe e representativas .Para maior flexibilidade do arbítrio , os " estados de emergência " , com as mesmas restrições de direitos podem ser aplicados em áreas restritas , como um Estado , um município , ou mesmo um prédio ou repartição . As situações em que os poderes ditatoriais são permitidos , de tão vagas - instituições ameaçadas gravemente por " fatores de subversão " , por exemplo - , admitem que o presidente as invoque de modo igualmente arbitrário . O tempo em que se pode aplicar a exceção estende-se até por meio ano, ainda prorrogável. E os conselhos para decisão das " emergências se resumem em última instância ao próprio presidente : para decretar o " estado de sítio " , o presidente deve ouvir o Conselho de Segurança Nacional , formado pelos ministros de Estado e representantes dos órgãos de segurança - ou seja , pessoas nomeadas por ele . Para aprovar as " "emergências " foi criado um " Conselho Constitucional ",formado pelo presidente , o vice , os presidentes do Senado e da Câmara, o ministro da Justiça e um representante das Forças Armadas . Ou seja , como era o caso ainda em 1978 , homens afinados totalmente com o presidente , por serem todos de seu partido , a Arena.
Provas de que a oposição tinha razão se acumulariam logo a seguir . Em agosto de 1982 , o Jornal do Brasil fez um balanço das leis aprovadas desde janeiro de 1979 : dos 6.400 projetos apresentados pelos parlamentares , nenhum foi convertido em lei ; e dos 390 apresentados pelo Executivo , apenas um - o que vetou as sublegendas para as eleições de governadores - foi rejeitado .
Ou seja , o regime ditatorial persistia : o Legislativo estava brutalmente restringido por mecanismos estabelecidos : não podia baixar leis sobre finanças , segurança , despesa pública ; não tinha fórmulas para rejeitar as leis vindas do Executivo , pois este podia aprová-las sempre pelo instituto do chamado " decurso de prazo " ; e quando ameaçava decidir segundo os interesses populares - como no caso de sucessivas votações de emendas propondo eleições diretas para presidente no início de 1984 , via-se ameaçado pelos poderes de arbítrio do primeiro mandatário .
Daí a reclamação de setores sociais cada vez mais amplos pela normalização constitucional do País . E o caminho para isso não podia ser outro senão a elaboração de uma nova constituição , por uma Assembleia Constituinte soberana e livremente eleita .
Fonte - Revista Retrato do BrasilGoverno Franco Montoro - Secretaria da Educação
Fundação Liveo Escolar - Diretor de Redação - Mino Carta - Editora Política - 1984
Distribuição Gratuita - POLÍTICA / REGIME : história das constituições e constituintes brasileiras - págs 3,,4 e 8
Constituição e Constituinte
A lei máxima do País - a Constituição - só deveria ser feita com a máxima participação de todos . Não tem sido assim , na nossa história . mas é o que se pretende . E é o que explica o vigor da luta por uma Constituinte livre e soberana .
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