O começo de tudo
Quando criança , o arquiteto Giuseppe Badolato viveu a experiência de habitar uma moradia pequena e improvisada . O pai, um mecânico italiano , veio para o Brasil na década de 1940 , em busca de uma vida melhor, e, sem dinheiro , alugou a garagem de uma casa no Grajaú . Numa área de aproximadamente 18 metros quadrados , instalou a residência onde a família morou por uma década . A ideia que é possível viver com dignidade num espaço pequeno acabou servindo de inspiração para futuros projetos de Giuseppe . O conceito foi usado nas casas que ele e sua equipe desenharam quando foram convidados para planejar um novo bairro no Rio a Cidade de Deus .
- Era a ideia da casa evolutiva , chamada de embrião . Nada mais é do que você dar uma cédula mínima ,que,de acordo com as condições da família,tivesse condições de crescer com facilidade . Todos os terrenos tinham o mesmo tamanho , 120 metros quadrados , para a construção de casas de 18 a 40 metros quadrados . Os imóveis eram agrupados em unidades quadra ,que tinham no meio duas quadras e ruas de pedestres , que as famílias tivessem acesso a saneamento básico, vias pavimentadas e luz . O tamanho da cada um , eles poderiam ir aumentando aos poucos – conta Giuseppe.
A Cidade de Deus era para ele e sua equipe a primeira grande oportunidade de fazer nascer de suas pranchetas um bairro popular de qualidade . A descrição do projeto caberia perfeitamente num empreendimento mobiliário de classe média dos dias de hoje : eram unidades de um ,dois a três quar tos , instaladas em quadras com área de lazer , praças arborizadas , escolas , posto médico , farto comércio e um cinema . Nas esquinas ,casas de dois andares permitam instalação de pequenos bares e mercados no primeiro pavimento . Até hoje , Giuseppe fica ressentido quando chamam o lugar de favela.
- A Cidade de Deus nasceu com a filosofia de um bairro completo , o escoamento de água era su-perficial , não alagava , todas as ruas eram pavimentadas . Em um projeto inovador , que deveria ser modelo , para um grande programa habitacional .E não era só urbanismo e arquitetura .Previa a criação de comunidades de autogestão e de um progressivo crescimento social . A ideia era encami- nhar as pessoas que iam morar ali para cursos profissionalizantes , preparar para o trabalho – diz que ele , que conta ter recebido a missão de criar o bairro de Sandra Cavalcanti , secretária de Serviços Sociais da Guanabara no Governo Carlos Lacerda .
COMUNIDADE SUFOCADA
Criado sobre um terreno de aproximadamente 70 mil metros quadrados ,onde havia uma antiga fazenda , o desenho original previa a construção de 3.053 habitações , além de equipamentos urbanos,divididos inicialmente,duas “glebas “ . A primeira , delimitada pela Rua Edgard Werneck e pelo Rio Grande com 2.492 unidades ,e, a segunda ,na outra margem do mesmo Rio , com 561
casas . Construída pela Companhia de Habitação Popular do Estado da Guanabara e finan -
ciada pelo Banco Nacional de Habitação ,a Cidade de Deus terminou de ser implantada após o governo Negrão de Lima . Todo o projeto totalizava 990 mil metros quadrados com 5451 moradias , beneficiando cerca de 30 mil pessoas .
- A terceira e quarta glebas surgiram depois.Na terceira, já na fase do Negrão de Lima, o conceito tinha mudado e queriam construir mais unidades em menos tempo. A solução foi fazer apartamentos.No quarto terreno,eu já não participei tanto.Ao longo dos anos foram ocupando as áreas em volta ,e, o que não ocuparam , foram deixando favelizar . A Cidade de Deus , que era um bairro , foi sufocada , com uma porção de favelinhas em volta .Virou o que todos nós sabemos - lamenta o arquiteto,que antes esteve à frente da construção dos núcleos de Vila Aliança , em Bangu ; Vila Kennedy , em
Senador Camará e Vila Esperança , em Vigário Geral.
As obras da Cidade de Deus foram iniciadas em 1965 , com a construção de 1.500 casas no primeiro terreno , que deveriam ser concluídas no segundo semestre de 1966. Os moradores que receberiam as chaves , removidos de favelas da Zona Sul pelo governo Carlos Lacerda , conta Giuseppe , já haviam sido entrevistados e cadastrados por assistentes sociais.
- Mas , em janeiro de 1966 , uma grande enchente mudou tudo . Milhares de desabrigados foram alojados em escolas , no estádio do Maracanã e na Vila kennedy - recorda .
Nesta ocasião , 1.200 das 1.500 casas da primeira fase da Cidade de Deus estavam em pé , mas ainda falatavam as obras de infraestrutura . Alguém deu a ideia de colocar os desabrigados provisoriamente lá .
- E assim foi deito .O que era para ser provisório dura até hoje .A segunda gleba ainda nem tinha começado a ser feita , porque na época ainda estávamos vendo a construção de uma ponte que daria acesso ao local - critica o arquiteto.
Começava naquele momento dar abrigo a todos , conta Giuseppe , foram construídos banheiros coletivos e vagas de ocupação transitória,chamadas de unidades de triagem, que , em março de 1966 , permitiam a transferência das famílias em condições muito precárias . As ligações de água e esgoto e todas as obras de infraestrutura da primeirafase foram feitas com moradores já nas casas .
MAPAS PRESERVADOS
Aos 82 anos, Giuseppe olha os mapas e plantas do passado e tenta identificar o que foi invadido . Pelas suas contas , pelo menos dez praças foram tomadas por barracos sem contar os puxadinhos nos prédios e as mais muitas construções irrregulares que hoje mapeiam o rio e fizeram a comunidade ultrapassa sua área oriuginal . Hoje , ao ver mais uma vez o lugar no noticiário policial , ele se recorda do conceito do programa . E não consegue conter a emoção.
Comecei a querer dar uma solução dar um alerta , quando vi o filme Cidade de Deus . Eu chorei no cinema porque o sonho era propor às comunidades um grandioso plano para acabar com a questão do favelado e da ocupação irregular . Dar bairros dignos ,onde as pessoas pudessem viver como em condomínios. Muito triste o que houve, por causa do abandono . Durante muitos , estado e prefeitura não assumiram a Cidade de Deus de vez em quando .
Apesar da desfiguração de seu projeto original ,Giuseppe ainda acredita na recuperação ou urbanística do local.
- É preciso fazer uma avaliação arquitetônica, urbanística e social , para que seja possível , mesmo depois de 50 anos , reintegrar o lugar à cidade , restituindo as características originais de bairro - idealiza ele , que guarda fotos e muitas boas histórias do lugar .*
Fonte - Jornal O GLOBO - pág 31 - Design Rio
Domingo , 4.12.2006 - Simone Candida , Ludmila de Lima e Natália Boere
Histórias que devem ser contadas
DOCUMENTÁRIO
' Judeus em Nilópolis ' descortina o processo de colonização polonesa na cidade da Baixada , após 1920
Autora do livro Vivência judaica em Nilópolis ( Imago ) , a polonesa Esther London, morta em 2007 aos 92 anos , é um dos fios condutores do documentário Judeus em Nilópolis ,do jornalista tadamés Vieira , ainda sem data de lançamento . O vídeo conta a história de 300 famílias judias que se estabeleceram no município da Baixada Fluminense a partir de 1920 . As famílias , incluindo Esther ( que foi para lá assim que se casou , com um polonês , no Brasil ) , mesmo passando por sérias dificuldades financeiras , praticamente des bravaram o município , montando uma numerosa comunidade e até construindo uma sinagoga , a Tiferet Israel , fechada desde 1970 .
Um dos objetivos do documentário é chamar a atenção do poder público para a necessidade da preservação dessa sinagoga . É um prédio histórico , completamente abandonado - diz Vieira , orgulohoso de ter conseguido Esther a tempo . - Ela me inspirou muito , tinha uma memória fantástico . Falou a respeito da chegada dos judeus ao Brasil , das coisas que não existiam na Polônia . E eles foram responsáveis pelo começo da urbanização do município .Filho de Esther , o engenheiro Pedro London lembra , saudoso , da comunidade.
- Lá se falavam quatro línguas : português , polonês , hebraico e iídiche . E havia detalhes singulares - recorda . - Hoje não há judeus sapateiros ou mecânicos . Havia vários , até porque a profissão de sapateiro era valorizada na Polônia . E havia convivência entre imigrantes judeus e árabes , que também viviam na região .
A colonização em Nilópolis ocorreu quando já havia vários judeus em locias centrais do Rio a Praça ! Também havia judeus em bairros como Madureira e Méier . Mas o município da Baixada Fluminense tornou-se o epicentro dos imigrantes . Boa parte deles vinha da Polônia ,numa época em que a Rússia czarista perseguia a população judaica . Eles se estabeleceram nos arredores da Avenida General Mena Barreto , no centro de Nilópolis .
- A Praça 11 já estava super lotada . E os terrenos em Nilópolis eram baratos .Além disso ,pela linha férrea ,era o primeiro município - diz o diretor,que promoveu um encontro de ex- moradores judeus da cidade ( alguns já morando em Israel há de décadas ) que começava com uma viagem de trem . - Também lançamos em português o livro Novos Lares ,editado em iídiche em 1932 por Adolfo Kischinevisky,que mo-rava em Nilópolis .O livro foi traduzido pela Sara Morelenbaum ,mãe do (violoncelista ) Jaques Vieira, que não é judeu , mas morava em Nilópolis na época em que a cidade era habitada por muitos judeus ,pôs-se a correr atrás de personagens .Entre telefonemas e viagens internacionais , reencontrou amigos de infância , como Chaim Litewski , hoje jornalista em Nova York , e descobriu que pessoas conhecidas , como a atriz Teresa Rachel e o secretário municipal de Saúde ; Jacob Kligernnan , são judeus de Nilópolis .
- Com exceção de poucos os judeus não têm relação com a cidade desde os anos 70 - lembra Vieira . - Hoje ficaram só a sinagoga e o cemitério comunal Israelita de Nilópolis , construído em 1935 . Vieira , que teve apoio financeiro do Centro da Cultura Judaica ( da Casa da Cultura de Israel ) , aguarda a finalização do documentário . Já foram gastos R$ 100 mil na realização e falta R$ 50 mil terminá-lo . Ele crê que o filme pode servir para dirimir lugares-comuns .
- Os judeus progrdiram , sim . Mas , no Brasil , tiveram toda uma história de luta , que as pessoas não conhecem - conta.
Fonte - Jornal do Brasil - pág B7 - Caderno B
Domingo , 7 de setembro de 2008 - Ricardo Schott