Novo governador se surpreende com a miséria e a depravação da capitania de São Paulo .Os habitantes não queriam saber de trabalho
CAPITANIA ESTAVA “ MORTA “ . Esta foi a dura constatação de D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão ( 1722 – 1798 ) ao aportar em São Paulo .Recém – nomeado governador ,ele encontrou uma terra arrasada , sem produção ,cujo povo andava metido pelas matas , “ sem lei e sem fé “ , como “ feras “ . Culpa de preguiça quase doentia que acontecia todos os habitantes. Aquela gente parecia inconciliável com o trabalho .
Havia tempo que o territóorioi paulista passava por franca decadência econômica e política .As principais riquezas vinham das Minas Gerais , e seu caminho natural de escoamento era o litoral carioca . São Paulo chegou a perder seu status de capitania , incorporado aos domínios administrativos do Rio de Janeiro .Mas a crise que se abateu sobre em meados do século XVII ,com o declínio das remessas de ouro e diamantes , levou o governo a impor uma nova política para a Colônia .Uma das providências foi recriar a capitania de São Paulo e investir em sua produção . Com o povo que se encontrava ali , seria um trabalho árduo .
Para comandar o processo , o primeiro – ministro Sebastião José de Carvalho e Melo ( futuro marquês de Pombal ) nomeou o fidalgo D. Luís Antônio . Homem de vários títulos , entre eles o de morgado de Mateus - honraria hereditária ligada à posse de um território - era militar de carreira e vinha de uma fa-mília de varões que tradicionalmente serviam em várias áreas da administração do Estado .
Logo na chegada ao Rio de Janeiro , em 1765 , o português entusiasmou-se com a riqueza da Colônia e seu potencial econômico . São Paulo , no entanto ,sua primeira impressão foi a pior possível .Era uma terra “ depravada nos costumes “ . Em carta ao primeiro - ministro , afirmou que parte da culpa lastimável estado em que se encontrava a capitania era de seus próprios habitantes , que viviam “ sem sujeito ou civilidade al-guma “ . Muitos eram assassinos , e as “ parcialidades , os roubos ,a falta de justiça “ eram comuns .
Os vadios ,como eram denominados os homens livres pobres , sentiam verdadeira repugnância pelo tra-balho agrícola . Viviam de pequenas roças de subsistência , e para complementar a dieta , saíam para as matas , caçando animais e coletando vegetais . O hábito de se alimentarem de “ bichos imundos e coisas asquerosas “ , além de comprovar o caráter incivilizado daqueles homens ,preocupava o novo governador por outros motivos .Esta seria a origem dos numerosos casos do chamado mal de Lázaro já ( a hanseníase ) entre a população . Além disso , a improdutividade precisava ser combatida pelo bem da economia : falta-vam até gêneros alimentícios na capitania , e quase não havia produção agrícola para exportação .Incen-tivar a cultura de cana – de – açúcar era uma prioridade para a Coroa .Mas ,para isso, era preciso dar um jeito na índole daquela gente , que passava a maior parte do tempo sem fazer nada - “ de noite e de dia estão deitados ou balançando na rede,ou cachimbando “ .
Para as autoridades portuguesas ,o caráter deturpado dos colonos tinha uma causa : eram os malefíicios dos ares da América . Se no início do processo de colonização eles chegaram a ser louvados como sau-dáveis , com o tempo adquiriram a fama de corruptores do caráter e da boa condução física e mental dos habitantes .Isso explica por que o mal da preguiça não era privilégio dos homens nascidos na Colônia :con-tagiava também os portugueses que passavam a habitá -la . Indivíduos recém – chegados às terras pau-listas em pouco tempo tornavam - se displicentes e não de modo algum ,empregar -se em atividades pro-dutivas . Empenhavam -se , sim , em virar senhores ,comprando escravos e vivendo da exploração de seu trabalho .Diante desse risco de “ contaminação “ , D. Luís Antônio chega a questionar da vinda de mais portugueses para a América .
O desejo de assumir o papel de senhor , delegando o trabalho a outros , não tinha distinção social .Mes- mo homens pobres , assim que possível , tratavam de adquirir ao menos um ou dois escravos para o tra-balho nos campos . Os livres não queriam ser confundidos com cativos , e a forma de se diferenciar era manter as mãos limpas, longe da terra .Já os portugueses que chegavam , vindos de uma sociedade dividida por critérios de nobreza , encontravam na Colônia a oportunidade de “ dar – se ares de fidalgo “ .O que significava viver de pernas para o ar .
O governador costumava ter o cuidado de não se indispor com a elite local . Suas críticas se direcio-navam principalmente à gente de menor condição .Os “ filhos do reino possuidores de casas de negócio , fazendas ou lavras estabelecidas “ , assim como fidalgos paulistas ,mereciam sua consideração : eram “ in-dustriosos “ e donos de civilidade . Mas , às vezes , os costumes dos mais abastados também o incomo-davam .Entre eles ,o luxo excessivo das vestimentas e dos calçados , impróprios para o clima tropical . Nas ruas da capitania ,que não eram pavimentadas , esse exagero no trajar causava grandes dificuldades para a locomoção .Pompa e requintes desnecessários também se viam na alimentação : um excesso de produtos importados do reino , que , a depender dele , deveriam ser substituídos por gêneros nativos .
A Colônia portuguesa parecia desconhecer avanços que a Europa fizera no campo da agricultura . As té-cnicas de plantio utilizadas pelos paulistas eram atrasadas e precárias . Lavra-se a terra de forma extensiva e itinerante : depois de poucas colheittas ,o solo se exauria e a produtividade caía.O jeito era sair em busca de outra área em que pudessem repetir o processo . Para melhorar a produtividade , tudo o que sabiam fazer era promover queimadas de áreas florestais .A erosão e o empobrecimento do solo devastavam a capitania , o que reduzia a atividade agrícola à mediocridade , levando São Paulo à ruína e , para seu profundo pesar , impedindo o reino de se recuperar economicamente . D. Luís Antônio bem que tentou introduzir a tecno-logia do arado entre os agricultores locais . Em vão : eram gentes indolentes , presas de grande teimosia e de uma absoluta falta de iniciativa .
Para completar o quadro desesperançado , os selvagens paulistas viviam distantes da religião Como " onde falta Deus " (...) não pode haver coisa boa " , nas palavras de morgado , a difícil missão de transformar aquele povo passava por todo um novo ordenamento social .Foi isso o que propôs ,em forma de legislação . A Lei dos Sitios Volanbtes , de 176 , previa a fundação de novas vilas e pequenas comunidades , para onde deveriam ir os " vadios , facinorosos e bastardos ", acompanhados de suas fa-mílias . Essas " povoações civis " , com pelo menos 50 habitações , iriam formar uma rede e tornar-se um poderoso instrumento para reunir a população dispersa , instaurando a ordem ,a obediência , o exercício do serviço religioso e a prá-tica de uma agricultura mais racional .Também facilitariam o recrutamento militar , elemento essencial para a defesa do território português e a garantia da posse de áreas de contestação de fronteiras com a Coroa espanhola .
Assim foram fundadas as vilas de São Luiz do Paraitinga ( SP ) , São Luiz da Marinha de Guaratuba (atual Guaratuba , PR ) , São José de Moji - Mirim ( atual Mogi - Mirim , SP ) , São José da Paraíba ,( atual São José dos Campos , SP ) e prazeres de Lages ( atual Lages , SC ) .
Em defesa do governadors , vale lembrar que ele não foi o único a julgar os paulistas de forma tão negativa . Muitos dos administradores que estiveram na América acreditaram que o grande problema da Colônia era o povo . Terra de mamelucos , índios e mestiços . São Paulo sempre foi considerada quase selvagem aos olhos da Coroa .Gente traiçoeira e indigna de confiança ,os paulistas deveriam ser vigiados .Os naturais da terra , por não praticarem a agriicultura com fins mercantis , foram tachados ociosos e vagabundos .
Mas os " selvagens " bem que serviram aos interesses do reino .Não chegaram a ser completamente do-minados ,mas foram muitas vezes disputados por sua incrível capaci-dade de aturar os trabalhos mais duros e ásperos . Transformaram-se em povoadores de rincões distantes , abriram estradas , consertaram pontes e caminhos e impediram a pene-tração espanhola em áreas fronteiriças . Coisas que preguiçoso nenhum faria .
Fonte - Nossa História - págs 40, 41 e 43 - jULHO DE 2009
PAULO KNAUSS É DIRETOR GERAL DO ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO , PROFESSOR DA UFF E ORGANIZADOR DO LIVRO SORRISO DA CIDADE : IMAGENS URBANAS E HiSTÓRIA POLÍTICA DE NITERÓI ( NITERÓI LIVROS , 2004 )
Preguiçosos ontem , trabalhadores hoje
Se o governador de São Paulo atribuía aos paulistas a pecha de preguiçosos , este título foi conferido ,sé culos depois , aso cariocas . A rivalidade entre os estados , que cresceu no século XX por razões po-líticas e econômicas , acabou por estimular algumas provocações entre seus habitantes .Foram criados ró- tulos para os dois lados : paulistas são trabalhadores e carioca são ociosos .
A rivalidade que entrou para o folclore nacional , rendeu pérolas , como as frases do pernambucano mais carioca de todos os tempos .Nelson Rodrigues : " O pior tipo de solidão é a companhia de um paulista " ; ou esta , sobre os cariocas : " O carioca é um ser encantado . No Rio dois sujeitos que nunca se viram tornam -se como que súbitos amigos de infência e caem nos braços um do outro , aos soluços " .
As provocações de ambos os lados têm um fundo comum : a ideia ,difundida ao longo do século passado , de que os nascidos na Cidade Maravilhosa são naturalmente extrovertidos , dedicados ao ócio , à con-templação , à diversão , enquanto seus viizinhos da terra da Garoa são pessoas sérias , introvertidas , de- dicadas ao trabalho , são enfim , a locomotiva do Brasil
Não foi sem razão , portanto , o espanto causado por uma pesquisa do IBGE ,de 2006 , que apontava uma realidade contrária ao mito : os cariocas têm uma média semanal de trabalho de 41,6 horas , contra 41,3 dos paulistas .Ou seja , apesar da praia ,da cervejinha no fim do dia e do futebol após o expediente , os cariocas trabalham mais . ( EQUIPE RHBN ) .
Fonte - Nossa História - pág 43