segunda-feira, 7 de julho de 2025

O Leviatã pega

 




Acho que já falei aqui  numa  comadre minha que diz que tudo e  trauma de  infância . Inclino-me          a concordar com ela e , muitas vezes , nem tenho de escarafunchar muito  essa  remotíssima  fase            de minha vida para descobrir a origem de certas inquietações do presente .O Leviatã é um exemplo        claro , porque  meu  medo dele vem desde  o tempo em que , no  meio  da livraria  de meu pai , eu          topava com as ilustrações de  Gustave Doré para a  Bíblia e lá estava tremendo monstro , contra  o          qual , assegurava o texto , o bronze das espadas era palha , ou seja , não adiantava nada .E devo ter misturado isso com alguma outra ilustração ,provavelmente do clássico de Thomas  Hobbes intitu -        lado Leviatã , com que também topei nessa época , tentei ler para ver se vencia o medo ,não entendi    nada , desisti e o trauma deve ter persistido , ou piorado . 

Hobbes é comumente tido,numa simplificação bastante grosseira e mesmo injusta ,como uma espécie    de teórico do absolutismo.E foi assim que me falaram dele nas escolas.Para mim o Estado hobbesiano,    onde o poder se concentra no que ele chama de  " soberano " e o súdito não tem ingerência no governo,  passou a ser definitivamente aquele monstro das ilustrações .Depois,com a leitura de 1984 e a chegada  de um tempo onde , fotografados , filmados  e gravados , estamos cada vez  mais submetidos a alguma  espécie de controle , ou pelo menos  vigilância contoladora , o bicho vem me  assombrando bastante e  devia  assombrar vocês também , porque vamos facilitando , vamos  facilitando  e daí a pouco ele nos  engole a todos .

E essa  engolição não vai ter nem c  colher de  chá  do Estado  hobbesiano . Nele , de fato o soberano      detinha todo o poder , mas também tinha o  dever básico de dar segurança ao  súdito , pois , afinal  só      ela conteria  o lobo do  homem  e era para isso que o  pacto  social existia . Aqui no  Brasil , o  nosso      Leviatã  já engole mais de um terço que ganham os pobres e remediados (e nada dos verdadeiramente  ricos )  e não  dá  segurança nenhuma . Se esta  for entendida  como  algo  além de  garantias contra a      violência e abranger , por exemplo , a saúde , sabemos que o monstro , além de comer todo o dinheiro    que pode ,obriga os súditos a contratar planos médicos privados  e nem mesmo estes resolvem ,pois o  bicho permite  que façam  o que  bem  entendam , inclusive  tungar safadamente  os que há  décadas      pagam por eles os olhos  da cara .

O  Leviatã  de  Gustave Doré , se  bem  revejo  na mente  as gravuras  da  infância , tinha tentáculos  semelhantes aos de um polvo . É uma  boa imagem para o que nos acontece hoje em dia ,a toda  hora    um novo tentáculo se estendendo sobre nós , uma chuva  de  normas , cartilhas , orientações ,admoes- tações , avisos , cobranças , proibições , restrições , instruções e assemelhados , vinda aparentemente      de  mil direções ,que ninguém conhece direito e a que todo mundo obedece  sem questionar .Sabe-se ,  mais ou menos vagamente , da  existência  de agências  hoje  muitos  ativas , tripuladas  por sabe-se      lá quem ,todas empenhadas em emitir regras para a  nossa  conduta .  Ninguém elegeu  esse pessoal  ninguém foi  nem  ouvido nem  cheirado quanto  a sua nomeação  ( via ver que alguns , ou todos  ,    foram  ouvidos preliminarmente no  Congresso , mas isso  e nada todo mundo sabe que  quer  dizer a  mesma coisa devem ter sido  indicados por deputados ou senadores) , mas  eles fazem o que  querem      e , mesmo quando  quebram a  cara , quem paga o prejuízo somos nós . 

Cabe  recordar  pela  milésima  vez , como  uma  e  dever  cívico , aquela  regulada  que deram  nos motoristas , obrigando todos a trafegar com  um tal  kit  de  primeiros socorros . Todos os   dono   de  carro  compraram  o  kit , que  só tinha  um  fabricante , o  qual , naturalmente , encheu  o  rabo  de      dinheiro , como , certamente ,outros envolvidos na operação .Concluiu-se que o  kit não valia nada e era  até  prejudicial , mas  ninguém  foi  investigado e  muito menos  punido , os  súditos  morreram        na  grana que  os  espertalhões faturaram e ficou tudo  por isso mesmo .Mais recentemente, veio o tal  assento  para crianças , que de  novo beneficia  fabricantes ,ou fabricantee , e é uma  medida de  meia      pataca porque não pode ser aplicada a  táxis ,ônibus e vans ,além de causar problemas de vários tipos . Mas  todo  mundo se  esquece  disso , compra o  raio da  cadeirinha  e  segue  obedecendo. 

Torcer no futebol já está regulamentado,mas não é cabido prever que cada clube venha ser obrigado a pagar  danos morais ao juiz chamado de ladrão por seus torcedores . Curtir com  a  cara  do perdedor ,  nem pensar . O  técnico  que ficar na beira do campo soltando  palavrões também será multado e  mal    posso esperar o dia em que emanarão do  banco instruções como  " meu anjo , vê se te deslocas mais    expeditamente ! " . E o atacante vai pedir um  cruzamento  exclamando " alça-me  o  balão  de couro ,  companheiro!" . Quanto a piadas ,não só de futebol mas quais quer outras, atualmente já proibidas em  relação aos candidatos , certamente  também serão  objeto  de  restrições  impostas  pela necessidade    de que  vivamos  numa  sociedade  absolutamente  livre de  discriminações ou  preconceitos  de toda      espécie . Não pode piada que , de alguma forma , mostre  qualquer  categoria  social ou  humana  sob    uma luz considerada  pejorativa . Ou seja , não pode piada nenhuma ,mesmo porque as que se refiram    aanimais , como as  de  papagaio, estarão sujeitas ao  crivo  rigoroso  do  Ibama , pois nunca se  sabe    quando uma piada poderá  induzir a um crime contra um animal protegido . Talvez  se  crie  -  e fica      a sugestão , é mais uma porção de cargos para preencher - uma base nacional de piadas , cadastrando todas as permitas , é só checar antes de contar . Agora que  dá para  comparar , o  mostro  de  Gustave    Dorié  não  era  tão  feio  assim , bons  tempos . 

Fonte   -   Revista   -  A  RELÍQUIA  - pág 10                                                                                            Data  - Maio  de  2012  - JOÃO  UBSLDO  RIBEIRO                                                                              Da  Academia  Brassileira  de  Letras 

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