Em 1968, B. B. King foi contratado para fazer um show no
Fillmore West, lendário palco do rock
em San Francisco. Na boca, ainda tinha
o gosto ruim de uma apresentação num clube sofisticado em Chicago, anos antes, em que fora apresentado de forma debochada pelo mestre de cerimônias, como se fosse uma atração de música
caipira. Quando viu a multidão de “brancos cabeludos“ fazendo fila na frente do
Fillmore, o músico sentiu um
frio na barriga e comentou com seu empresário: “Acho que nos programaram no lugar errado“. Mas aí era tarde: o empresário Bill
Graham já o apresentava o espaço: “Senhoras e senhores, trago para vocês o
presidente do conselho, B. B. King !".
“Aí todo mundo se levantou , e eu
chorei “, recordou o músico, em entrevista à TV em 2003. “Foi o começo de tudo .”
O blues, tal qual se
conhece hoje, teve em Riley B. King o
seu grande embaixador - e seu rei, título que já nasceu com ele, por causa do sobrenome. Juntando a música de tradição rural, do interior do Mississipi ( onde nasceu )
aos ritmos negros mais agitados das grandes cidades, o guitarrista e cantor formatou um estilo
único, que foi além das fronteiras dos
Estados Unidos. “Eu queria ligar minha
guitarra às emoções das pessoas“, disse ele na autobiografia “B. B. King: uma
vida de blues “ ( Editora Évora ), numa tentativa de explicar as penetrantes
notas que arrancava de seu instrumento,
cheias de um vibrato cintilante e reforçadas cenicamente por expressões de dor
e angústia em sofridas canções como “ The thrill is gone “ – blues dobre amor e
perda, composto por Roy Hawkins, que B.B.King gravou em 1969 e que se
tornaria seu grande sucesso.
A influência do americano foi decisiva para alguns dos
maiores guitarristas surgidos nos anos 1960
, como os ingleses Eric Clapton , John Mayall e Peter Green ( artífices
de um movimento europeu de blues que acabaria por conquistar o mundo ) e os
americanos Jimi Hendrix, Johnny
Winter, Buddy Guy e Albert King. “Quero agradecer por toda a inspiração e apoio que ele me deu como músico", disse Clapton em vídeo postado no
Facebook ( em 2000, ele gravou com o
ídolo o álbum “Riding with the King“). “Não há mais tantos que consigam
tocar da forma pura como B.B. conseguia.
Ele foi um farol para todos nós que amávamos esse tipo de música“, concluiu.
B.B.King nasceu em 16 de setembro de 1925 em Berclair , no Mississipi, filho de agricultores Albert e Nora Ella
King. Depois de a mãe ter morrido e o
pai ter se afastado dele, o garoto foi
viver sozinho, sustentando-se com a colheita de algodão. Pelo rádio, em
1941 ouviu o blues do delta do Mississipi, aprendeu a tocar guitarra como
autodidata e resolveu que ia viver de música. Cantando nas ruas e passando o chapéu em seguida, começou a ganhar
mais dinheiro do que no campo. Em
1948, foi procurar trabalho como músico
no Memphis . A popularidade veio aos
poucos . Em 1951 já batizado de Blues
Boy King ( alcunha bem sonora , como
Muddy Waters, Howlin‘ Wolf, Sonny Boy Williamson e de outros astros dos blues ), ele gravou a música “ Three o ‘clock blues
“, que chegou ao primeiro lugar da parada de rhythm ‘n’blues “ e lá permaneceu
por 15 semanas.
Com o sucesso B.B.King caiu na estrada – e nele
permaneceu , até bem perto da morte . Em
1995 , uma estimativa dava conta de
que , até ali , teria feito cerca de 14 mil shows ( uma média
de 300 por ano ). Ele próprio, porém ,
celebrou o que seria seu show de número 10 mil, em 2006, com uma apresentação
no B.B.King Blues Club & Grill de Nova York.
VÁRIAS PASSAGEM PELO
BRASIL
Numa de suas muitas turnês , surgiu o nome que, viria a batizar sua Gibson ES- 355, e todas as guitarras que teria
desde então - Lucille. Com ela, apesar
de manter-se fiel ao blues do delta do Mississipi, King buscou aproximação com outros
estilos, fazendo experiências com big
bands, r&b ( como na canção “ Into
the night “, sucesso em 1985 na trilha do filme“ “Um romance muito perigoso
“ ) e com o rock ( como em 1988, quando gravou com o U2 a canção “ When love
comes town “ ) .
Rússia , China , Japão , a Europa inteira ... praticamente
não houve lugar no planeta para onde B.B.King não tivesse levado seu show. E o Brasil, claro, não ficou de fora. Foram muitas as passagens pelo país a começar, por uma em 1980, no Festival Internacional de Jazz de São Paulo. Em 1986 durante uma turnê brasileira, ele acabou travando amizade com um de seus discípulos locais: o guitarrista e cantor carioca Celso Blues Boy, morto em 2012.
Em 2004, em São Paulo durante outra de suas turnês pelo país, King
cancelou uma folga e aceitou o convite feito por um conservatório para dar uma
oficina musical a 30 de seus alunos. Ao
grupo, misturaram-se nomes de destaque
de música popular brasileira, como
Jorge Bem Jor , Jair Rodrigues , Ângela
Maria, Jair Oliveira e Paula Lima. “ Ele é uma escola para todos os
guitarristas. "É o blueseiro do século
XIX, do século XX e do século XXI“ ,
disse então , Bem Jor.
Fonte - Jornal O
GLOBO pág 2 Segundo
Caderno
Sábado ,
16/05/2015 Sílvio Essinger
100 anos do
BIGODUDO DALÍ
Olha só !
Em 11 de maio de 1904, há 100 anos, nascia Salvador Dalí, artista polêmico do século
20, na cidade catalã de Figueres. O jeito maluquinho de ser, aquele bigode enorme e a ganância foram suas marcas
registradas. Dalí sonhou em ser
cozinheiro, em seguida resolveu que
seria Napoleão, mas quando pintou pela
primeira vez, aos 6 anos, teve certeza de seu destino.
Uma série de eventos ao longo do ano tem procurado lembrar o
centenário. Principalmente na
Espanha. Além de mostras
temporárias, é possível admirar Dalí em
três instituições mantidas pela Fundação Gala - Salvador Dalí, na Catalunha, região apelidada Dailândia.
Em 1928 , influenciado pelo pintor catalão Joan Miró, Dalí mudou-se para Paris e aderiu ao
movimento surrealista. Foi nessa época
que conheceu Gala Eluard, que, além de ser a sua musa inspiradora, foi grande colaboradora.
Dalí trabalhou em parceria com o cineasta Luís Buñuel em Um cão Andaluz ( 1928 ) e A Idade de Ouro
( 1930 ). Em 1931 pintou A Persistência
da Memória, uma de suas mais famosas
obras. No final da década de 30, Dali e Gala foram morar nos Estados Unidos
por causa da 2ª Guerra Mundial. Lá se
tornou uma celebridade aparecendo até em comerciais de TV. Quando retornaram à Espanha, 40 anos mais tarde, estavam doentes. Gala morreu dois anos depois. Desiludido, o pintor resolveu se
enclausurar em seu Castelo de Pubol , em Figueres, de onde saiu só em
1984, após um incêndio que quase o
matou. Os problemas de saúde
agravaram-se, até que em 23 de janeiro
de 1989, o artista morreu de insuficiência cardíaca e respiratória.
Fonte - Jornal
O ESTADO DE SÃO
PAULO - pág P 3
Sábado , 15 de maio
de 2004 - ESTADINHO
Guarnieri não falava português
Havia vários recados na secretária eletrônica. Dizer secretária eletrônica é confissão de
idade ? Recados, hoje, são deixados na
caixa postal do celular. Isso de caixa
postal é uma coisa moderna e curiosa.
Muitas vezes faço uma ligação e entra uma gravação avisando: “Este número está temporariamente
desligado.“ Imagino que a pessoa não pagou a conta. Ou então: “Este número não existe. “
Errei na discagem ou a voz se enganou ?
Porque sei que o número existe, está na
minha agenda. Sim, tenho agenda de papel! A voz também pode me avisar que o número
está ocupado. A questão da voz
telefônica impessoal ainda precisa ser analisada por fonoaudiólogos ou
sociólogos. Como se produz a voz
artificial do computador é coisa que me fascina. Claro, são vozes sem emoções. Mas as
vozes públicas estão se despedindo das emoções. Veja os aeroportos. Sinto
saudades da sensualidade que havia na voz de Íris Letieri que provocava
arrepios nas salas de embarque. Falar de
Íris Letieri é sinal de velhice ? Há coisas
inesquecíveis, momentos que
permanecem, como a voz de Íris, as coxas de Lyris Castelani, os cabelos daquele comercial : lembra-se da minha voz ?
A voz da secretária era a de Cecília Thompson, amiga que atravessou comigo, desde os primeiros dias de minha chegada a
esta cidade. Não são muitos os amigos
cuja ligação permanece com o mesmo afeto ao longo dos 50 anos. A voz de Cecília era vaga e misteriosa. Ela sabe como usar um gancho, despertar a curiosidade. Viveu no teatro e no cinema, foi mulher do Gianfrancesco Guarnieri,
seus filhos são atores. Ela me
acenou: “Decidida a dar uma
reformulada na casa , encontrei coisas
que poderiam fazer a felicidade dos amigos. Uma delas, menina dos olhos do
Guarnieri, comprada pelo pai dele em
1934 , tem a sua cara, é sua. Me telefone. “
Acabei levando dias para telefonar por causa da chuva , por causa do trânsito , por causa do preço do sorvete. Esquibon. Já prestaram atenção nas
desculpas que inventamos pelas nossas displicências ? Cecília atendeu , não quis dizer o que era . Pediu o endereço e foi educada : “ Se não quiser , não gostar
, se não tiver, pode
devolver, tenho uma fila de amigos
querendo. “Riu com ironia. Eu disse
que iria buscar, ela foi polida: “Presente a gente manda, entrega em mãos. “ Coisas de tempos antigos , quando a cortesia existia . No dia seguinte chegou uma maleta de
viagem, pesada.
Dentro, uma coleção
completa do Thesouro da Juventude, com
18 volumes azuis. Thesouro com th
mesmo . A infância retornou e com ela o
deslumbramento que o Tesouro ( tiremos o H) provocava em minha geração. Era o correspondente ao Fantástico, ao History Channel, ao Ra – Tim – Bum , ao Globo Repórter. De tudo um pouco. Só meninos melhor situados, ($$$$) tinham
a coleção. Como os filhos de Alzira Malkomes, vizinha na frente da minha casa. Ah,
as coisas da vida! Passaram-se décadas e os meninos da dona Alzira mergulharam no
passado, perdi os três de vista. Eram célebres na rua porque, no fim da tarde, quando as mães se colocavam nos portões a
chamar os filhos para o banho e o jantar, se ouvia a voz dela chamando o Zinho, o Tarso e o Kiko. A ordem em que ela colocava os filhos nos
encantava: Kiko , Zinho , Tarso ! Devo
aos Malkomes instantes iluminados da meninice
.
Por causa do Tesouro, enquanto a molecada ia para a rua, à noite, eu me pendurava no
Livro da Terra, da Natureza, da Nossa Vida, nas Cousas Que Devemos Saber, nos Homens e Mulheres Célebres ( daí a
paixão por biografias ? ) nas Cousas Que Podemos Fazer, no Livro das Belas Ações ( uma delas era
sobre Lady Godiva e, para mim, a boa ação dela era ter se mostrado nua às
pessoas, que beleza ! ) e outras
seções. Nenhuma mais procurada que o
Livro dos Porquês: Por que crescem as
árvores até certa altura e depois param de crescer ? Caem realmente as estrelas ? Por
que balançamos os braços quando amamos ? Questões fundamentais, o que seria de nós sem tais conhecimentos ?
Nunca meu pai teve dinheiro para nos dar um Tesouro. Lemos os dos outros, em conta – gotas. Era até mais excitante. O tempo passou. Quando tinha 50 anos, uma leitora nos enviou uma coleção dos livros. Mandei restaurar com carinho.
Dez anos depois, outra leitora me
enviava nova coleção. Agora, eram duas. Para meus filhos ? Ou para Ou
para meus netos ? Então, me chega esta, a que foi do Francesco Guarnieri, amigo que percorreu estrada paralela. Confesso , é a mais preciosa de todas. Quando ela chegou , tomei uma decisão : fico com o do Guarnieri , as outras vão para meus irmãos , Luiz e João
, que lamberam os beiços pelo Tesouro e nunca tiveram. Ele nos levará , sem nostalgias , mas com encantamento à infância, ao nosso pai, à generosidade de Alzira Makomes e seus
filhos, a um mundo perdido, ingênuo que nos levava a perguntar: por que balançamos os braços ? O Tesouro, hoje, perguntaria: Por que as vozes computadorizadas dos telefones são tão chatas ?
Cecília Thompson me revelou que deu um dos volumes do
Tesouro para um dos netos ler. O
menino leu uma página, leu duas,
prestou atenção na ortografia de 1934,
viu escrito cousas, rachíticas, egualmente, affetar, apparecem, amarello,
cahir, e por aí adiante. Cecília explicou: seu avô aprendeu muito nesses livros. O neto abriu os olhos, espantados. Vovô falava português?
Fonte - Jornal - O
ESTADO DE SÃO
PAULO D 16 CADERNO
2
Sexta -feira , 30 de
março de 2007
IGNÁCIO DE LOYOLA
BRANDÃO
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