Ele ganhou projeção com o sucesso no filme Orfeu do Carnaval. A preocupação com as origens e a cultura negra vieram na década de 70. De lá para cá, Zózimo Bulbul dedicou a carreira ao resgate do que chama de africanidade através do cinema com os filmes em que atuou e dirigiu, como em Ala no Olho, Terra em Transe ( de Glauber Rocha ) e as Filhas do Vento ( de Joel Zito Araújo). Foi o primeiro protagonista negro de uma novela brasileira e manequim de uma grife de renome.
Há cinco anos criou o Centro Afro Carioca de Cinema, local destinado a exibir filmes de diretores africanos e afro-brasileiros, além de ser um espaço de encontro e reflexões sobre arte do cinema. Para 2012 foram abertas oficinas.
Aos 74 anos, Zózimo Bulbul fala sobre a sua carreira, política, negros, os desafios e trabalhos para o próximo ano.
Jornal Copacabana: Esse ano você realizou o 5° Encontro de Cinema Negro Brasil África & Caribe, sendo o curador do evento. Obteve os resultados pretendidos com a ideia que teve desse encontro ?
Zózimo Bulbul: O encontro foi criado para alavancar o cinema negro. Vem sendo uma expectativa proveitosa. Sinto que tenho essa resposta a cada ano. Cada vez há mais interesse com o assunto.
Cada ano é uma surpresa, um desafio que peguei para a minha vida porque 70% dos brasileiros são afrodescendentes, miscigenados e afins, como digo! ( risos ). Mesmo assim, ainda se nega a cultura africana nesse país.
O cinema hoje é moderno, rápido, ele acontece !
Cheguei da África há pouco tempo e percebi que lá, o continente está se comunicando, se encontrando através do cinema. Com o projeto tento resgatar a “ africanidade “ dos brasileiros.
J.C.: Pretende unir os negros americanos com a participação do Caribe ?
Z.B.: Trouxe o Caribe, também para o festival, porque nós, brasileiros, ficamos isolados da América Espanhola por causa da língua, eles interagem entre eles, precisamos estar nesse circuito também. Não podemos mais ficar isolados. Foi muito importante agregar o Caribe ao Festival.
J.C . : Quais serão as atividades do Centro Afro Carioca de Cinema no próximo ano ?
Z.B . : A casa existe há cinco anos e agora temos o certificado de Ponto de Cultura por isso, no próximo ano estaremos para dar cursos de tudo ligado à cinema não temos a definição , mas estamos esperando como será.
J.C. : Você marcou época como ator na novela Vidas em Conflito ( 1969 ), quando foi par romântico de Leila Diniz.
Z.B. : Nessa época a TV Excelsior me chamou para o papel e foi mesmo uma revolução ! (riso). Eu fazia um professor de vestibular e ela uma moça de família italiana tradicionalista. A novela saiu do ar porque, além dela começar a namorar um negro, um absurdo naquela época, ela ficava grávida, mesmo sem nenhum beijo. Coisas da ditadura.
J.C . : Além de protagonista, você foi o primeiro manequim negro de uma grande grife brasileira?
Z.B. : Nessa época da novela, aproveitando o gancho de protagonista fui chamado pelo Dener para desfilar a marca dele. Fui capa de revista, foi um sucesso! Só que eu queria mais do que ser apenas um rostinho bonito, minha base foi no Centro Popular de Cultura da UNE , nos anos 60. Não me conformaria em ser um ator vazio.
J.C. : Você sempre foi engajado nas causas políticas e negras, né ?
Z.B. : Desde 1970 , ano que o Brasil estava em ebulição , tinha acabado de acontecer o AI5 (Ato Institucional n° 5, em 1968 ) nós brigávamos contra os militares.
J.C . : Politicamente, hoje, o que falta ao negro ?
Z.B . : Está muito difícil escolher um partido. Discuto sempre sobre a negritude. Acho necessário que haja respeito ao contingente africano que veio construir e dignificar o país. Precisamos ser respeitados como os brancos são. É importante que haja incentivos para que o negro possa conhecer a África de alguma forma, nem que seja através do cinema, para que haja esse resgate cultural, para que conheça a sua cultura.
J. C . : Como a juventude de hoje pode ajudar nesse resgate da “ africanidade “ através do cinema ?
Z. B . : Jovens , negros e brancos que quiserem podem estimular as pessoas a assistirem os filmes negros, que representa a cultura negra na telona. Seria fantástico ver novamente os Cineclubes ( que estimulavam os participantes a verem, discutirem e refletirem sobre o cinema ). Hoje, com essas TVs de Led... “ Aquilo “é quase uma tela ! ( risos ) . Coloca a tv na esquina, chama as pessoas e faz acontecer o encontro de cultura. Já para fazer cinema, realmente é mais difícil, faltam incentivos e é muito importante buscar conhecimento. Uma dica: mais importante do que a imagem que via passar na telona é o a história escrita. Leia bastante e aí escreva antes de fazer cinema. Escreva a história, o cinema vem depois !
J . C . : Vamos falar de Copacabana. Qual a sua relação com o bairro ?
Z. B . : Sou morador de Botafogo e tive uma ligação quando servi no Forte de Copacabana.
Sei que vou cair no lugar comum , mas Copacabana é a Princesinha do Mar... É charmosa... Todo estrangeiro que vem aqui, levo para conhecer a orla de Copacabana.
J . C . : E com relação aos cinemas do bairro ?
Z . B . : Primeiro vou registrar que amo o filme Copacabana Me Engana, Antônio Carlos da Fontoura , é uma linda obra ! Sobre os cinemas, O Metro Copacabana era uma charme. Era um bairro com muitos cinemas, lamento que o número tenha sido tão reduzido, mas comemoro o retorno do Joia ! Se eu pudesse resgataria os cinemas do bairro! Não só de Copacabana, mas de todos que vem perdendo as salas ao longo dos anos.
J . C . : Deixe seu recado para os leitores do Jornal de Copacabana ?
Z. B . : Adoro a população residente de Copacabana e respeito muito, até pela persistência em continuar morando no bairro, já que a moda agora é ir para a Barra. Sigam assim, orgulhosos de Copacabana !
Fonte - Jornal COPACABANA pág 19
FALA VIZINHO - Por Renata Moreira Lima
A abolição do gueto
“Morro de fome, mas não faço motorista de madame“ , sustentava o ator Zózimo Bulbul, em meados dos anos 70. Negro , não conseguia ganhar papel de protagonista no cinema. Ouviu até que era “bonito demais “ para interpretar bandido. Assim teve início a carreira do cineasta, que acabou fazendo os próprios filmes. Aos 70 anos , orgulha-se de poder apresentar - apesar do atraso de duas décadas – Abolição, que fez em 1988, um documentário em que entrevista personalidades que atuam em favor da questão racial. Premiado em Havana e Nova York, só hoje estreia oficialmente no país. As condições não mudariam muito: para conseguir exibi-lo no Brasil teve de montar o próprio festival. - Festival não, encontro - corrige, numa fala mansa entremeada por longas pausas, na sala de cinema recém – inaugurada para o I Encontro de Cinema Negro Brasil-África, em cartaz até quarta-feira , em diversos espaços do Centro. – É impressionante que, 120 anos depois da dita Lei Áurea, só agora aconteça o primeiro encontro de cinema negro no Brasil.
A ideia surgiu depois que Zózimo participou de evento semelhante em Toulouse , na França , em março .
- A cidade só falava em cinema africano, no bar, nos debates, nas tendas. Eu pensei: tenho que levar isso para o Brasil - conta.
Zózimo é mais conhecido no exterior do que no Brasil – conta, apesar de ter participado de ícones da cinematografia nacional, como Terra em transe ( 1967 ), de Glauber Rocha, do episódio de Leon Hirszman em Cinco vezes favelas ( 1962 ) , Ganga Zumba ( 1964 ), de Carlos Diegues , e , mais recentemente , Filhas do vento , de Joel Zito Araújo.
Uma história do inícios dos anos 70 pode explicar o porquê: um dia saía de seu apartamento, uma cobertura na Avenida Vieira Souto, em Ipanema, para ir à praia, quando “tomou uma dura “ de dois policiais militares. “Mora aonde , crioulo ? Tá fazendo o que aqui ? “ perguntaram. Quando apontou a cobertura em que morava com a cineasta e artista plástica Vera Figueiredo, foi preso por desacato.
- Já melhorou , mas ainda há muito preconceito no Brasil.- atesta .
Para tentar abrir à força o mercado e a plateia para africanos e afro-descendentes, Zózimo convidou para o encontro cineastas do porte de Antônio Pitanga , Antonio Pompeo, Joel Zito Araújo, entre os brasileiros; Abderrahme Sisako, da Mauritânia; Olá Balogun, da Nigéria ; Zezé Gamboa, de Angola; e Newton Aduaka, da Nigéria.
Jorge da Silva – Zózimo é um apelido de infância e Bulbul significa rouxinol em javanês, explica - cospe fogo quando perguntado se a iniciativa não pode ser interpretada como uma segmentação ainda mais evidente da questão racial.
- Não é possível que 90% dos cineastas da Bahia sejam brancos! Onde estão os cineastas negros ? – indigna-se ele , que se tornou um estudioso da causa , depois de tratá-la com paixão nos filmes Almas no olho ( 1974 ) e Dia de alforria ( 1980 ) , que serão exibidos na mostra.
E não economiza críticas na luta por um cinema que liberte o negro das amarras da “periferia“.
- De Cidade de Deus não gostei nem um pouco, este Tropa de elite ainda não vi, mas gosto do diretor, José Padilha. Se eu tiver de escolher um filme que traga esperança em relação ao cinema brasileiro, escolho Ônibus 174.
Serão exibidos títulos em diversos horários no Centro Afro Carioca de Cinema, na Rua Joaquim Silva , 40 , na Lapa; no Odeon BR e no Centro Cultural de Justiça Federal, na Cinelândia ; no Centro Cultural da Caixa , no Largo da Carioca , e numa imensa tenda com uma tela nos Arcos da Lapa . O evento homenageia Osmane Sambene, pioneiro do cinema africano, morto no ano passado, com a exibição do seu último longa, Mooladé.
Fonte - JORNAL DO BRASIL pág B 1
Sábado , 24/11/2007 - Mariana Figueiras