Dona de uma rica trajetória que se confunde com a história do samba, a cantora e compositora tornou-se, por mérito, estrela das celebrações do gênero.
Garantido em qualquer lista séria dos melhores sambas enredo de todos os tempos. Os Cinco Bailes da História do Rio embalou o desfile do Império Serrano no Carnaval de 1965. Silas de Oliveira ( 1916-1972 ) dividiu a autoria do clássico com o amigo Bacalhau e uma pioneira: ao entrar na parceria, Dona Ivone Lara notabilizou-se como a primeira mulher a integrar a ala de compositores de uma escola da elite do Carnaval – e a primeira a emplacar um samba na avenida. Essa é uma das muitas proezas acumuladas pela cantora e compositora. Filha de João, violeiro amador, e de Emerentina, cantora do rancho flor de Abacate. Yvonne ( o Y e o N dobrado posteriormente sumiram do nome artístico ) perdeu o pai aos 2 anos e a mãe aos 16. Não teve vida fácil, portanto.
Em seus tempos de internato, na escola Orsina da Fonseca, a jovem órfã passava os fins de semana na casa do tio Dionísio. A música então atacava em duas frentes. No coro das alunas , o registro de contrato da menina chamou a atenção da professora Lucília Guimarães, mulher do maestro Heitor Villa-Lobos. Em Inhaúma, no quintal do tio, a diversão vinha de rodas animadas por bambas como Pixinguinha e Jacob do Bandolim . Entre o orfeão do mestre Villa e os festejos do fim de semana, venceu o samba. À vontade no ambiente masculino dos compositores de quadras e terreiros, Dona Ivone Lara saiu-se melhor do que muito marmanjo, mesmo desdobrando-se em tripla jornada. Por décadas, ela dividiu a música com as tarefas de dona de casa – mulher do ciumento Oscar, mãe de Odir e Alfredo - e o trabalho de carteira assinada.
A enfermeira e assistente social Ivone atendeu pacientes ao lado do psiquiatra Nise da Silveira na Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá. “Ela era uma pessoa boa . Seus ensinamentos me orientaram até hoje“, contou. Em 1977 , após 37 anos , aposentou-se . Na segunda metade dos anos 70, já havia gravado em coletâneas e conquistado prestígio como compositora. Músicas com seu maior parceiro, Delcio Carvalho ( 1939-2013) , estouraram em discos de nomes como Beth Carvalho, Clara Nunes e Roberto Ribeiro, Sonho Meu, famosa criação da dupla, entrou no repertório Álibi (1978 ), o primeiro LP de Maria Bethânia a ultrapassar a marca de 1 milhão de cópias vendidas. Em 1978, aos 56 anos, aposentada e viúva, Ivone Lara gravou seu primeiro disco solo, Samba , Minha Verdade , Samba , Minha Raiz. O resto é história, uma bela história, muito apropriadamente comemorada junto ao centenário do samba. Na cadeira de rodas, companhia constante, a artista esteve em Brasília em 7 de novembro para receber a Ordem do Mérito Cultural em rara cerimônia descontraída realizada neste ano no Palácio do Planalto. Na última terça, 6 , foi aplaudida de pé no anúncio dos Cariocas do Ano celebrados por VEJA RIO. “Gosto de festa desde criança" ela diz. Sobre seu pioneirismo e seu talento , desconversa . “Não penso nisso , não . Eu tive vontade , quis fazer , fui lá e fiz“. Não tem meu pé me dói: o samba é mulher e se chama Ivone Lara.
Revista - VEJA RIO pág 46
14 de dezembro , 2016 - Pedro Tinoco
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