Não, a culpa não é só dos impostos. É da infraestrutura precária de um país tão gigante quanto sua burocracia, uma nação que enriqueceu e não investiu em seu próprio crescimento. A culpa é do governo, é da indústria. E é nossa também.
Perguntaram ao ganhador do Big Brother:
- E aí? O que você vai fazer com o seu milhão?
- Vou comprar um apartamento em Brasília.
- E com o resto ?
- O resto eu financio pela Caixa!
Essa piada já rola há muito tempo em Brasília. Mas serve em qualquer lugar. De 2008 para cá, só em São Paulo , os imóveis subiram 163%. R$ 1 milhão é o novo R$ 380 mil no Banco Imobiliário da vida real. O metro quadrado na capital paulista e no Rio já está entre os mais altos do mundo. Nos bairros ricos, então, haja Big Brother: um apartamento de 100 m² no Leblon custa a mesma coisa que um em Paris – R$ 2 milhões. E já começaram a aparecer nos classificados coberturas de R$ 20, R$ 30 milhões .
Aqui embaixo, as leis não são diferentes. O Big Mac brasileiro é o quinto mais caro do mundo. Enquanto os moradores de Tóquio pagam R$ 7 por ele , nós gastamos R$ 11,25 – e olha que o Japão não é exatamente um país conhecido pelo baixo custo de vida. Em Paris , que também não está na lista das cidades mais baratas da Terra, você paga R$ 25 por uma coxa de pato. Isso no Chartier, um restaurante badalado do bairro mais fofo da cidade , Montmartre. Na nem tão fofa assim São Paulo, o mesmo pedaço de pato pode custar até R$ 70 - e não consta que o dono do restaurante pague ao pato para que ele venha voando de Montmartre até a Vila Madalena. Com o frango é diferente: ele vai voando, sim. Boiando , na verdade - congelado dentro de um cargueiro , mas vai . Daqui até a Europa. O Brasil tem de frango quase o que a China tem de gente ( 1,26 bilhão , segundo o IBGE ) . É o maior exportador do mundo . Parte desse efetivo galináceo vai para a Alemanha após a morte. E alguns desses penados possivelmente acabam no Görlitzer Park , onde os berlinenses fazem fila para comprar pratinhos de halbHãhnchen (meio frango) . Custa R$ 9,50 lá, com batata frita. No Brasil é quase R$ 20. Sem bata frita.
E não é só frango que a gente manda ao mar e que é vendido mais barato lá fora. Mandamos carros. O Gol sai da fábrica em São Bernardo do Campo (SP) e desliza de cargueiro até o México. O modelo básico lá é o 1.6 quatro portas, com ar condicionado. Aqui, um Gol assim sai por R$ 37 mil . Lá, Dona Florinda e Professor Girafales podem pagar R$ 23 mil pelo mesmo " Nuevo Gol ". Se o Quico fizer birra e quiser uma carro mais vistoso , dá até dá para pensar num Camaro. Lá custa R$ 65 mil . Aqui , R$ 190 mil. Com a diferença , dá para pagar um ano e quatro meses de diárias no Las Brisas Acapulco , um dos melhores hotéis do balneário mexicano .
Agora , quando o carro é caro mesmo, a diferença fica épica. Sigam-me os bons: o conversível mais invocado da história deve chegar ao Brasil em 2013. É o Lamborghini Aventador LP 700 - 4 Roadster. Aqui, ele vai ter uma etiqueta de preço tão grande quanto o nome: R$ 3 milhões . E pelo menos três brasileiros já reservaram os deles. Mas se você deixar para gastar estes R$ 3 milhões nos Estados Unidos, pode comprar um helicóptero, um apartamento em Manhattan e mais o mesmo Lamborghini! Olha só. E um apartamento nos Jardins então, à venda por R$ 30 milhões ? Cinco suítes , oito vagas na garagem ... Uau . Mas , com essa grana você compra um palácio na França ( 14,4 mi ), uma vila em Portugal ( 8,6 mi) , uma fazenda na Itália ( 3,4 mi), uma cobertura no litoral da Espanha ( 2,2 mi) e mais um chalé nos Alpes ( 1,4 mi) . E ainda sobra um troco para o lanche. Se for Big Mac , melhor ainda . Ele é o mais barato em todos os países.
E é isso que os brasileiros vêm fazendo, por sinal: deixar para comprar em outros países. Você sabe: Ipad, enxoval do bebê, maquiagem... Todo mundo volta carregado. O português das vendedoras de Miami já está melhor que o nosso. E tinha de estar mesmo: o gasto de brasileiros no exterior é o que mais cresce no país . O PIB travou , mas a quantidade de dólares que gastamos lá fora sobe que é uma beleza . Eram US$ 10,9
bilhões em 2009. Hoje são US$ 22 bi. Dá um crescimento de 19,5 % ao ano. O do PIB , no mesmo período , subiu 2,7% ao ano. Ou seja , estamos consumindo o PIB dos outros, já que o nosso está caro demais. Por que está caro demais ? Por que o Brasil ganhou na Mega -Sena. E está gastando tudo no bar.
A MULTIPLICAÇÃO O CRÉDITO
Nossa Mega-Sena veio nos primeiros anos deste século. Entre 2003 e 2007 , os cinco anos antes da crise de 2008 , o Produto Interno Bruto do planeta cresceu em média 5 % ao ano - com a China chegando a picos de 11% , 12 % , depois 14% . "A economia mundial vem passando por uma fase de exuberância maior ainda que nos golden years da década de 1960" , escreveu na época o economista Fabio Giambiagi , do BNDES .
Bom , Produto Interno Bruto é um dado medido em dinheiro . Mas PIB não é dinheiro. PIB são coisas concretas . Só o crescimento do PIB chinês significou a construção de 1.500 prédios de mais de 30 andares por ano no país . Xangai , que não tinha metrô até 1995, passou a ter 454 quilômetros de linhas - contra 402 km em Londres , 337 km em Nova York e 74 km em São Paulo. Era um mundo novo nascendo do zero. E o Brasil surfou nesse trem vendendo matéria -prima par o resto do mundo. Principalmente minério de ferro , petróleo e comida - commodites , como dizem os economistas . Entre 90 e 2002 exportávamos em média 50 bilhões por ano. De 2003 a 2011 , a média triplicou para US$ 155 bilhões .
Não por coincidência foi exatamente nesse período que 40 milhões de brasileiros saíram da pobreza . Entraram para a classe C . Outros 9 milhões saíram da C e subiram para A e B . Tudo porque o dinheiro das exportações azeitou os motores da nossa economia. Funciona assim : imagine um sujeito que ganhou milhões com minério de ferro. Ele se aposenta , pega o que juntou nos anos dourados e abre uma rede pizzarias . O gerente da pizzaria resolve comprar um carro . O dono da concessionária compra uma SUPER .. e nós queimamos as calorias nadando na enorme piscina de dinheiro que montamos na redação . São as engrenagens da economia .
A falta de investimento é a explicação por trás do " custo brasil" - o fato de que produzir aqui é mais caro e penoso do que em países desenvolvidos . Ferrovia , por exemplo. Ferrovia é um caso clássico de investimentos : custa caro , mas dá retorno de longo prazo , tornando os fretes mais baratos . O Brasil tem 29,8 quilômetros de linhas férreas . Dez mil foram construídas por dom Pedro II . E hoje nossas linhas não alcançam os lugares que mais precisam delas , como as regiões produtoras de soja no Mato Grosso . Nisso a soja percorre boa parte do caminho até os portos de caminhão mesmo. Resultado enquanto o custo transporte por tonelada de soja é de R$ 35 nos EUA , aqui é de R$ 160 . Já a China , sempre ela , adicionou meio Brasil em trilhos só entre 2007 e 2011 : 19 quilômetros. E hoje eles têm 98 mil . Ficam atrás dos EUA e da Rússia , outros dois países continentais , que também precisam de ferrovias para respirar ( são 226 mil nos EUA e 128 nil na Rússia ) . Lembra de algum outro país continental do mundo ? Canadá: 46 mil . Austrália : 38 mil . E a Argentina tem 36 mil, 7 mil a mais que o Brasil . Pois é .
Sem uma malha ferroviária decente, o custo do transporte vai lá para cima. E acaba embutido nos preços de tudo . Levar um carro da fábrica em São Paulo para uma concessionária em Salvador ( a 1900 km ) custa quatro vezes mais do que o frete entre Xangai e Pequim ( 1200 km ) .
Na era dourada dos anos 00, a China levantava duas termelétricas novas por semana. O Brasil , abençoado por Deus e hidrelétrico por natureza , não se preocupou tanto com a parte de energia. E agora estamos pagando a conta via custo Brasil. Produzir uma tonelada cimento , por exemplo , custa por volta de R$ 30 em eletricidade. Parece pouco , mas o consumo de cimento em 2011 foi de 65 milhões de toneladas . Dá R$ 1,9 bilhão de conta de luz . Nos EUA , a energia industrial é 55 % mais barata do que a nossa era de 2012 . Ou seja : produzir a mesma quantidade de cimento lá estava saindo por 1 bilhão a menos só na eletricidade . Metade do valor. E tome argamassa de ouro .. Por que tão caro ? Porque as companhias de energia tinham contratos de pai para filho - às vezes com reajustes anuais pelo IGPM , o índice de inflação invariavelmente mais gordo que o IPCA . Ser acionista de uma companhia de energia , até o ano passado , era dormir em berço esplêndido : muito lucro e pouca dor de cabeça com esse negócio de " investimento " . Tanto havia gordura para queimar aí que o governo renegociou seus contratos com as companhias de energia . A tarifa residencial caiu 18% e a industrial , 32 , segundo a Aneel . E o mundo não acabou, nem o Brasil apagou. Mas nossa indústria ainda paga 33 % a mais pela energia do que a dos EUA . Ainda temos muito a investir aí.
Fonte - Revista SUPER - págs 50 a 56
ABRIL 2013 - EDIÇÃO E REPORTAGEM / Alexandre Versignassi e Felipe van
Deursen
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