terça-feira, 17 de dezembro de 2019

OXUM NA ACHIROPITA



Igreja  tradicional  do  Bexiga, bairro  paulistano, celebra  missas  católicas  com candomblé  e  resgata  a  mistura  cultural  de  seus  moradores.

Vivi durante 12 anos no bairro do Bexiga , em São Paulo, e decidi revisitá-lo para mostrar as celebrações de religiosidade afro-brasileiras, realizadas no Candomblé de Pai Francisco de Oxum e na Igreja Nossa Senhora Achiropita, com seus batizados, casamentos e missas de São  Benedito , da Mãe  Negra e de Zumbi  dos  Palmares. Este meu trabalho começou a ser desenvolvido durante o projeto  “Povos  de  São  Paulo  - Uma  Centena  de  Olhares  sobre  a  Cidade  Antropológica", de 2004 / 2005, do qual participei no grupo “ Cultos , Crenças  e  Misticismos”, coordenado pelo fotógrafo Egberto  Nogueira , da Imã Foto Galeria .

Ao longo dos últimos anos, continuei fotografando essas celebrações e o resultado pode ser visto na minha exposição individual  “Olha  que  Eu  Vim  Lá  de  Longe “ , exibida na Pinacoteca  do Estado de São Paulo entre novembro de 2005 e março de 2006,com curadoria de Diógenes Moura.

O  Bexiga é um bairro  sui  generis  da capital  paulista, marcado pelo encontro cultural de negros e italianos. E, mais recentemente, dos   nordestinos. Essas populações só fizeram enriquecer o  panorama  cultural  da  cidade. Ícone da presença italiana em São  Paulo – os imigrantes começaram a chegar no século XIX - , o bairro também abrigou o quilombo do Saracura Os negros antecederam os italianos na região , porém sua história é menos conhecida ,ainda que o bairro seja o berço da escola  de  samba  Vai-Vai . A convivência entre essas culturas e etnias distintas se reproduz na  Paróquia  Nossa  Senhora Achiropita, construída na  tradição calabresa  e onde são celebrados missas, batizados e casamentos afros.

A presença de elementos da cultura afro -brasileira nas celebrações  católicas  na  Achiropita  foi idealizada pelo sacerdote Antônio  Aparecido  da  Silva  , o Padre  Toninho, segundo padre   negro na paróquia  do  Bexiga. Ao assumir a função  do  pároco, ele julgou que o momento era oportuno para organizar  um grupo  pastoral na comunidade voltado para o resgate e a preservação das  raízes  afro-brasileiras. No ano de 1988 , quando foi comemorado o  Centenário  da  abolição  da  escravatura  no  Brasil, a Confederação  Nacional  dos  Bispos  do  Brasil (CNBB ) escolheu o  negro como tema  da  campanha  da  fraternidade  .

A  primeira  missa  afro-brasileira  na  Achiropita foi celebrada  no  fundo  da igreja, meio às escondidas, com a desaprovação de muitos, até mesmo  da  comunidade  negra. A novidade mostrou-se , a princípio , assustadora . Os mais conservadores chegaram a fazer um abaixo-assinado pedindo a transferência  do  Padre  Toninho . O então  arcebispo  de  São  Paulo, D. Paulo  Evaristo  Arns , porém apoiou o padre . Com isso, a maioria da população  católica  do  Bexiga acabou aprovando iniciativa. Em  1998,  D. Paulo celebrou sua última  missa  como  arcebispo  de  São Paulo na  Achiropita . Era  a  missa  da  Mãe  Negra .

A  Pastoral  Afro busca recuperar  as  raízes  do  povo  afro-brasileiro, valorizar sua cultura  e resgatar sua  dignidade. Procura estimular a comunhão  cultural, combatendo o racismo  contra qualquer  povo  ou  etnia. Padre  Renato  Scano , um dos párocos  habituais  nas  celebrações afros, um legítimo representante dessa mistura étnica existente no Bexiga – é filho de  pai  italiano  e  mãe  negra  e  tem  a sua  história  ligada  ao  bairro, - foi coroinha na  paróquia  em  1938.

Durante  a  história  do  negro  no  Brasil , a  religião  constitui-se  o traço mais forte de preservação dos seus valores. Assim, ao se organizarem, os integrantes  da  Pastoral foram buscar  no candomblé , na umbanda e no catolicismo popular os elementos culturais para suas cerimônias. Essas celebrações diferem das católicas  tradicionais  pela  liturgia, que envolve  canto  e  dança  ao  som  dos  atabaques  e  outros  elementos  da  cultura  negra, tais como indumentária, a decoração, o ofertório à base  de comida, os recipientes de barro, a água de cheiro, a reverência à memória dos ancestrais e as congadas .

Algumas de suas características mais marcantes são a descontração e a energia –  o negro  manifesta a sua fé com festa e uma alegria contagiante.  “O  negro  reza  dançando  e  dança  rezando, porque  não celebra sempre somente com a cabeça, mas com todo o corpo. Quando os atabaques tocam, o corpo mexe e quer louvar a Deus" , disse Padre Toninho em uma palestra na Pontifícia  Universidade  Católica  (PUC /SP) , em São Paulo , citada no livro  Axé , Madona  Achiropita  - Presença  da  cultura  afro-brasileira  nas  celebrações  da  igreja  Nossa  Senhora  Achiiropita ( Edições  Pulsar /Sp/2001 ) , da jornalista e socióloga  Rosângela Borges .

No livro, Padre Toninho afirmou que " a estrutura  da  pastoral  e a do  candomblé é  muito  semelhante . Há uma convivência , uma coisa  comunitária , bem próprio do candomblé . A maneira de estar e de ser das pessoas , o vínculo que se estabelece , essa coisa  de  família são muito íntimas no candomblé."

Fonte  - Revista  -   Brasileiros  - págs 54,55,56,57 e 58
Texto  e  fotos  - GISELE  MARTINS   - Especial 

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