Tema de filme no cinema e seriado de TV ,Carlota Joaquina de Bourbon e Bragança mulher de dom João VI , continua uma personagem pouco conhecida da nossa história . A exposição na mídia ajudou muito a populariza-la mas pouquís-simo compreendê-la . Nas duas produções , os autores reproduzem a imagem da princesa do Brasil como uma mulher muito feia , ambiciosa , libidinosa ,adúltera e que ,sobretudo ,odiava o país .Mas volumosos conjuntos de cartas de Carlota Joaquina , guardados no arquivo histórico do Museu Imperial em Petrópolis ( RJ ) e nos arquivos portugueses e espanhóis , contam uma versão bem diferente .
Como parte de um acordo entre as contas ibéricas ,a espanhola Carlota foi enviada aos 10 anos a Lisboa para casar com o infante português dom João .Com o marido introvertido e depressivo au-sente do centro de poder ,recolhido nos palácios de Mafra e Viçosa ,Carlota passou a ter um papel político relevante na adolescência . Defensora do absolutismo , numa época em que crescia a influ-ência dos liberais ingleses na corte ,ela negociou o apoio da França e da Espanha para assumir o poder em Portugal .
Mas agravamento da crise política na Europa e a iminente invasão francesa – que obrigou a fa-mília real fugir de Portugal – cancelaram suas ambições políticas . Em 1807 ,a viagem para o Brasil significou para a Carlota o exílio . Longe dos pais , dos amigos e partidários políticos , da não via mesmo muitos motivos para gostar do Brasil .
Vivendo no Rio de Janeiro , Carlota recebeu , a notícia da invasão da Espanha pelas tropas de Na - poleão e a prisão de toda a família .Em 1808 ,com apoio do almi rante inglês Sidney Smith e mem- bros da elite criolla de Buenos Aires , Carlota pleiteia a regência da monarquia espanhola , para li- derar a oposição à invasão francesa e governar o império espanhol ,estabelecendo a sede da monar-quia em Buenos Aires , capital do vice-reino do Rio da Prata .
Em geral , os historiadores consideram essa interferência política fruto de sua ambição pessoal e do desejo desenfreado de poder . Entretanto , a correspondência entre ela e os intelectuais portenhos , que se tornaram defensores do " catolicismo ", mostra o contrário . " A senhora dona Carlota , prin- cesa de Portugal e do Brasil e infanta da Espanha , tem uma educação ilustrada e os sentimentos mais heróicos . É impossível ouvir falar dela sem amá-la ; não possui uma só ideia que não seja generosa : em uma palavra parece prodigiosa a vinda da digna princesa ,sua educação , suas in - tenções e demais extraordinárias circunstâncias que a adornam ; em cuja virtude não duvido , nem V.S deve duvidar que essa seja a heroína que necessitamos .
As cartas mostram que a relação com o marido ,outra fonte de polêmica , também tinha momentos de carinho . Em bilhete enviado à mulher , em 1813 , dom João se expressa de forma afetuosa : " Meu amor ,estimei infinito a tua carta por ter a certeza de que está boa e nossos filhos .Eu passo bem e nossos filhos e neto . Quanto ao que me dizes a respeito do furto dos pretos , aprovo o que fi- zeste, e adeus meu amor ".
Por que ,então, a historiografia brasileira criou essa caricatura menor para representar Carlota Joa-quina ? Ao invadir a esfera pública , espaço proibido ao sexo feminino na época , Carlota perdeu todos os predicados inerentes às mulheres , como ,feminilidade, beleza , recato e bondade . Eis o motivo pelo qual muitos artistas ao representá-la , fiéis a esses estereótipos , retratam feições marca- damente masculinas .
Além disso , há o componente ideológico . No século 19 , as interpretações do passado tornaram-se
ferramentas políticas na criação das identidades nacionais nos países que surgiam .No Brasil , não foi diferente . Carlota Joaquina ,uma rainha portuguesa que manteve a identidade espanhola , que foi contra vinda da família real para o Brasil , que que declarou sua alegria com a volta a Portugal , que se recusou a jurar a Constituição portuguesa e defendeu o absolutismo até o fim , certamente não servia para ocupar o pódio dos personagens dignos da memória nacional brasileira .
Fonte - Revista História - PAPIRO
Abril - 2004 - Por FRANCISCA NOGUEIRA DE AZEVEDO
* Professora da Univeresidade Federal do Rio de Janeiro e Autora do Livro
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