Cartas de Maria Leopoldina oferecem uma visão bastante particular da
independência do Brasil
Diferente do que se afirma o dito popular , não há nada de fácil na vida de princesa .Pelo menos é isso que se depreende da leitura das 315 cartas escritas pela imperatriz Maria Leopoldin, selecio-nadas de um total de 850 documentos dispersos entre arquivos da Áustria e do Brasil e agora pu - blicados no belo livro Cartas de uma Imperatriz ( estação Liberdade , 496 págs ., R$ 72 ). Por meio das missivas é possível acompanhar o “ drama “ dessa personagem , filha do Imperador Francisco da poderosa casa d ’ Áustria , acostumada e educada segundo os preceitos das mais dicionais monarquias europeias e que ,por conta de laços matrimoniais ,acabou morando no Brasil . Aqui ,a princesa encontrou seu reino exótico – habitado pelos bons selvagens de Rosseau – , mas também um lugar e um lugar e um “ povo” que bem valiam uma independência , contanto que se mantivesse a monarquia .
As cartas funcionam ainda como uma espécie de diário que,devido à posição de sua autora , pou- co tem de íntimo .Leopoldina escreve com frequencia para sua irmã . Maria Luísa ( que se casou e se separou de Napoleão ) ,e também para seu pai ,sempre guardando sua situação de “ princesa “ e os sacrifícios e deveres que advinham de tal posição .As cartas são ,assim , peças públicas , mas que não perdem o interesse para aquele que pretende entrar nessa história pelafrestada janela .
A partir delas entendemos o medo das revoluções , que acompanhou Leopoldina ; o glamour da corte europeia ,onde a princesa conviva com Haydn e Beethoven ; o interesse pela mineralogia ; a vontade de se apaixonar pelo galante príncipe dos brasileiros - d. Pedro - ; assim como seus fu- turos dissabores na colônia .
Essa história começa , porém como um conto de fadas . A vinda de Leopoldina ao Brasil fora pos- tergado por conta da rebelião de Pernambuco em 1817 , mas a arquiduquesa Carolina Josefa Leopoldina ,apesar do espectro de Maria Antonieta - sua tia decapitada pela Revolução Francesa - , em nenhum momento pareceu dar sinais de demover-se do compromisso régio . E dentre as nego - ciações diplomáticas da regência de d. João , já em território americano ,o casamento do príncipe her- deiro d. Pedro foi uma das operações mais bem sucedidas , mesmo porque matrimônios entre reis são grandes negócios de estado , em que razões do coração pouco influem .
Data dessa época , inclusive, a simpatia que cercou a figura de Leopoldina ; caracterizada por sua instrução ,pelo trato fácil e determinação .Não que as cartas dei-xem claro tal caráter ; ao contrário , já na partida o poderoso ministro Metternich anotaria os maus costumes da princesa mimada e cheia de vontades .Leopoldina , porém ,trataria de aprumar-se e “ servir a seu novo senhor “ .Tanto que , tão logo o contrato foi fechado, a futura princesa do Brasil dedicou-se a estudar português , assim como se inteirou da história , geografia e economia do novo império . Mas nada é perfeito : se a in- teligência lhe era bem aquinhoada , pouco se falava de seus dotes físicos .
No entanto , Mrialava , o representante português na Áustria , tinha questões diplomáticas mais di- fíceis e resolver . Chegava a Viena com ordens explícitas de fazer “ boa figura “ despender muito para aparecer bem .Os gastos compreendiam a distribuição de joias de barras de ouro além da or - ganização de uma grandiosa festa , com direito a ceia para mais de 400 convidados . Lá estavam , também , os dia-mantes brasileiros ,que teriam feito a corte de Viena e Leopoldina se dobrarem em direção ao império tropical .Nas cartas ,a princesa revelava sua antiga preocupação com a idade avan- çada e com a iminência de não casar .Por isso ,o contrato de ma- trimônio com o brasileiro – cujo retrato Leopoldina teria recebido na ocasião da festa ,devidamente emoldurado por pedras do Brasil – selara definitivamente a sorte e a imaginação da princesa .
Depois de tanta solenidade , era hora da nababesca comitiva despedir-se , levando a noiva consigo a noiva . O grupo partia para Florença , onde aguardaria a chegada da esquadra portuguesa . Lá , Leopoldina pretendia ver também sua irmã , a essas alturas exilada na Itália .E se o coração do im- perador francisco oscilava diante do destino incerto da filha ,Metternich empenhou-se em não ceder aos apelos ingleses ( que queriam a permanência da arquiduques em Portugal ), garantindo que ela cumpriria o acordo , indo diretamente ao brasil . Por isso , durante muito tempo , Leopoldina pen-sou que a colônia americana não passasse de um recanto provisório ,enquanto durasse a época de revoluções .E assim enquanto viajava ,embalada pelo sonho de conhecer seu príncipe encantado ,to- do o ambiente a seu redor lembrava a tensão desses tempos nervosos .
Já no Rio , os preparativos seguiam furioosos . Se até mesmo a notícia dos desponsórios foi cele - brada com missas , repiques de sinos e ações de graça ,o que quer dizer da recepção . A tarefa fi- cou sob responsabilidade do secretário do estado dos Negó-cios do reino , Tomás Vilanova Portugal , que lidou com a questão como se fosse - e era - estragégica ao governo . O Senado , por sua vez , publicou um decreto que pedia não só para que se ornassem casas e janelas , mas que as ruas por onde o cortejo passasse tivessem " a conveniente limpeza " .Era preciso maquiar a cidade , afunde que a princesa guardasse uma boa impressão .
Leopoldina maravilhou -se com tudo que viu . Foi recebida por d.Pedro , participou de um imenso cortejo e passou por debaixo de arcos do triunfo improváveis , especialmente criados por Montygny e Debret artistas neoclássicos ,que haviam chegado da França em ( 1816 ) e postados na entrada da rua Direita .Da Ladeira São Bento até a Capela Real espalharam-se areia e ervas aromáticas e as casas foram decoradas com cortinas e flores . As atividades foram muitas e até serenata a arquidu - quesa mereceu : o príncipe d. Pedro ,a princesa Maria Tereza e a infanta Maria Isabel cantaram uma arieta e os músicos da real Capela executaram peça dramática . " São anjos de bondade " , escreveria Leopoldina , que , casada havia apenas dois dias , já se referia ao esposo como " meu querido Pedro " . Ela se acomodaria bem ao no-novo ambiente , apesar de se queixar do calor e dos mosquitos .E , como boa princesa , logo mostrou seu " novo estado interessante " ; no Brasil nas- ceria pela pri- meira vez um herdeiro real .
UMA CERTA MARQUESA
Esses foram porém ,os primeiros anos . Passado o encatamento inicial ,a princesa reclamaria , em suas cartas , do contínuo isolamento ,da falta de livros e da promessa não cumprida de ir para Por - tugal . Piores ainda seriam os dissabores com d.Pedro . dizia Leopoldina que o príncipe gostava de se divertir , mas não dava aos outros o mesmo direito , assim como sua cultura deixava a desejar . Bem que a princesa tentou cumprir com seu papel , provendo o reino com seis filhos ; após Maria da Glória , que nasceria em 1819 , teria quase um filho por ano , até sua morte em 1826 . Mas o afastamento do casal tornava-se evidente : Leopoldina escrevia que " não era amada " e que " engolia tudo em segredo " . O fato é que , com o tempo , pouco sobrava da primeira imagem ingênia do Brasil . A princesa manifestava seu desa-desapreço moral pelo Novo Mundo , " país onde tudo é dirigido por vilania " , e afirmava que na colônia " era preciso procurar mulheres vir- tuosas com o microcó- pio " .
Sua situação ficaria ainda mais crítica em 1821 , quando seria obrigada a se separar de seu " ex - celente sogro " , que , por conta da revolução do Porto , foi forçado a partir para Portugal . E é após esse evento que a atitude da princesa começa a mu-dar : Leopoldina queixa -se da sina de d. João ,assim como passa a lutar pela manutenção da monarquia no Brasil . Chamava o Brasil de " país maduro " ,julgava-se " perfeitamente contente "e pretendia " envidar esforços pelo povo" .Nas cartas que escreveu a Bonifácio ,posicionou-se a favor da independência ,antes mesmo de seu ma- rido , e insistiu com a irmã para que a ajudasse a convencer o pai com relação à propriedade da emancipação de seu " querido país " .Também relata a d .Pedro , que esta em São Paulo , sobre o estado das tropas portuguesas ,ou procura informá-lo da situação tensa que vivia na corte.Leopoldina se faz, assim ,estadista e vive um novo sonho de monarca constitucional .
Esses foram , não obstante , os momentos rápidos da independência . Após 1822 isolada nova - mente na corte , Leopoldina volta a seu regime de lamúrias e à sua antiga interpretação da " hor- rível América " .Oscila ,fala em nome do povo ,destaca seu sacrifíicio ,mas o retrato final é o de uma princesa melancólica , sem amigos ou esposo. A última carta , datada de 8 de dezembro , e endereçada à irmã Maria Luísa , é puro desconsolo , D. Pedro converte-se em " monstro sedutor " e a imperatriz não esconde mais a sua condição : " Acabou de dar-me a última prova de seu total esque-cimento a meu respeito , maltratando-me na presença daquela mesma que é a causa de to -das as minhas desgraças " .Leopoldina referia-se a domitília ,a Marquesa de Santos ,que ocupava , então ,todo o tempo do jovem monarca .Essa é , porém uma outra história ,e as cartas de Leopol- dina silenciam a partir de então. A princesa mor- ria antes de seu último filho ( o futuro soberano d.Pedro II ) completar um ano . Sua vida , espelhada nesse conjunto de cartas ,permite rever a história do Brasil a partir de um olhar inusitado : o de uma nobre austíaca que vem em busca de seu príncipe encantado escondido num reino selvagem ,mas que se vê envolvida em tramas polí-ticas e nos mistérios da coroa.
Cartas de uma Imperatriz , organizado por Betina Hann e Patrícia de Souza Lima , é livro que se lê como um romance epistolar .E,para quem quer mais , vale a pena enveredar pelos artigos intro- dutórios na Áustria , o quebra -cabeça da política internacional , os impasses pessoais de Leopol - dina e suas preocupações enquanto princesa . Mas o príncipe são as cartas escritas ao sabor des- ses " tempos inquietos " . É certo que as missivas apresentam um sólado vale a pena . Afinal , até bem pouco tempo Leopoldina não passava de um , uma coadjuvante : a esposa austríaca de d. Pedro , a mãe ilustrada de Pedro II . Suas cartas , ao contrário , revelam uma perso- personagem atormentada e que soube ironizar de sua própria situação ." Pobres princesas " . São tais quais dados que se jogam e cuja sorte ou azar depende do resultado . " Neste caso , não há como ter - minar com o velho e bom " viveram felizes para sempre " .
Fonte - Jornal O ESTADO DE SÃO PAULO - pág D 9 História Correspondência
Domingo , 5 de Novembro de 2006 - Cultura - Lilia Moritz Schwarcz - Especial
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