segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Dissabores da vida de imperatriz



Cartas  de  Maria Leopoldina  oferecem  uma  visão  bastante particular da  

independência do  Brasil

Diferente do que se afirma o dito popular , não há nada de fácil na vida de princesa .Pelo menos é  isso que se depreende da  leitura das  315 cartas  escritas pela imperatriz Maria Leopoldin, selecio-nadas de um  total de  850 documentos dispersos entre arquivos da  Áustria e do  Brasil e agora pu - blicados no belo  livro Cartas de uma  Imperatriz  (  estação Liberdade , 496  págs  .,  R$ 72 ). Por meio das  missivas é  possível acompanhar  o  “ drama “  dessa  personagem , filha do  Imperador Francisco da  poderosa  casa  d ’ Áustria , acostumada e educada  segundo  os preceitos das mais dicionais monarquias europeias e que ,por conta de laços matrimoniais ,acabou  morando no Brasil . Aqui ,a princesa encontrou seu  reino exótico – habitado pelos  bons selvagens de  Rosseau – , mas também um lugar e um lugar e um “ povo” que bem valiam uma  independência , contanto que se mantivesse a monarquia .

As cartas funcionam ainda como uma espécie de  diário que,devido à  posição de sua  autora , pou- co tem de  íntimo .Leopoldina escreve com frequencia para sua  irmã . Maria Luísa ( que se casou    e se separou de  Napoleão ) ,e também para seu pai ,sempre guardando sua situação de  “ princesa “ e os sacrifícios e deveres que  advinham de tal  posição .As cartas são ,assim , peças públicas , mas  que não perdem o  interesse para aquele que pretende entrar nessa história pelafrestada  janela . 

 A partir delas entendemos o  medo das revoluções , que acompanhou  Leopoldina ; o  glamour da corte europeia ,onde a princesa conviva com Haydn e Beethoven ; o interesse pela mineralogia ; a vontade  de se  apaixonar pelo galante príncipe dos  brasileiros  - d. Pedro -  ; assim como seus fu- turos dissabores na  colônia . 

Essa história começa , porém como um  conto de fadas . A vinda de  Leopoldina ao Brasil fora pos- tergado por  conta da  rebelião de  Pernambuco  em  1817 ,  mas a  arquiduquesa  Carolina  Josefa Leopoldina ,apesar do espectro de Maria Antonieta - sua  tia decapitada pela  Revolução Francesa - , em nenhum momento pareceu dar sinais de demover-se do compromisso régio . E dentre as nego - ciações diplomáticas da  regência de  d. João , já em  território americano ,o casamento do  príncipe her- deiro d. Pedro foi uma das operações mais  bem sucedidas , mesmo porque  matrimônios entre reis são grandes negócios de estado , em que razões do  coração pouco influem .

Data  dessa época , inclusive, a  simpatia que cercou a  figura de Leopoldina ; caracterizada por sua  instrução ,pelo trato fácil e determinação .Não que as  cartas dei-xem claro tal  caráter ; ao contrário , já  na partida o poderoso ministro Metternich anotaria os maus costumes da princesa mimada e cheia de  vontades .Leopoldina , porém ,trataria de  aprumar-se e “ servir a  seu novo senhor “ .Tanto que , tão logo o  contrato foi fechado, a futura  princesa do  Brasil  dedicou-se a  estudar português , assim como se inteirou da  história , geografia  e economia do novo  império . Mas nada é perfeito : se a in- teligência lhe era  bem aquinhoada , pouco se falava de seus  dotes físicos . 

No entanto , Mrialava , o representante português na  Áustria , tinha questões diplomáticas mais  di- fíceis e resolver . Chegava a  Viena com ordens explícitas de  fazer  “  boa figura “ despender muito para  aparecer bem .Os  gastos compreendiam a distribuição de  joias de  barras de ouro além da or - ganização de uma  grandiosa festa , com  direito a  ceia para mais de  400 convidados . Lá estavam , também , os  dia-mantes brasileiros ,que teriam feito a  corte de Viena e Leopoldina se dobrarem em  direção ao império tropical .Nas cartas ,a princesa revelava sua antiga preocupação com a idade avan- çada e com a  iminência de  não casar .Por isso ,o contrato de ma- trimônio com o  brasileiro –  cujo  retrato Leopoldina teria recebido na ocasião da  festa ,devidamente emoldurado por  pedras do Brasil – selara definitivamente a sorte e a  imaginação da  princesa .

Depois de  tanta solenidade , era  hora da  nababesca comitiva despedir-se , levando a  noiva consigo a  noiva . O grupo partia para  Florença , onde aguardaria a  chegada  da  esquadra  portuguesa . Lá , Leopoldina pretendia ver também sua  irmã , a essas alturas exilada na  Itália .E  se o  coração do im- perador  francisco oscilava diante do  destino incerto da filha ,Metternich empenhou-se em não ceder aos  apelos ingleses ( que queriam a permanência da  arquiduques em  Portugal ), garantindo que ela cumpriria o  acordo , indo diretamente ao  brasil . Por isso , durante  muito tempo , Leopoldina pen-sou que a colônia  americana não passasse de um  recanto provisório ,enquanto durasse a  época de  revoluções .E assim enquanto viajava ,embalada pelo sonho de  conhecer seu príncipe encantado ,to- do o ambiente a seu redor lembrava a tensão desses tempos nervosos . 

Já no  Rio , os  preparativos seguiam  furioosos . Se até mesmo a  notícia dos desponsórios foi cele - brada com missas , repiques de  sinos e ações de graça ,o que quer dizer  da  recepção . A  tarefa fi- cou sob responsabilidade do secretário do estado dos Negó-cios do  reino , Tomás Vilanova Portugal , que lidou com a  questão como se fosse -  e era - estragégica ao  governo . O Senado , por  sua vez , publicou um decreto que pedia não só para que se ornassem casas e janelas , mas que  as  ruas por onde o cortejo passasse tivessem  " a conveniente limpeza " .Era preciso  maquiar a  cidade , afunde que a princesa guardasse uma  boa  impressão . 

Leopoldina  maravilhou -se com  tudo que viu . Foi recebida por  d.Pedro , participou de um  imenso cortejo e passou por debaixo de  arcos do  triunfo improváveis , especialmente criados por Montygny e  Debret artistas  neoclássicos ,que haviam chegado da  França em ( 1816 )  e  postados na  entrada da  rua Direita .Da Ladeira  São Bento até a Capela Real  espalharam-se areia e ervas aromáticas e as casas foram decoradas com cortinas e flores . As atividades foram muitas e  até  serenata a arquidu - quesa  mereceu : o  príncipe d. Pedro ,a  princesa  Maria Tereza e a  infanta  Maria Isabel  cantaram uma arieta e os  músicos da  real  Capela executaram  peça  dramática  . "  São anjos  de  bondade " , escreveria  Leopoldina ,  que , casada havia apenas  dois  dias , já se  referia ao  esposo como " meu  querido Pedro " . Ela se  acomodaria bem ao no-novo ambiente , apesar de se queixar do  calor e dos  mosquitos .E , como  boa princesa , logo mostrou seu  " novo  estado  interessante " ; no  Brasil nas- ceria  pela  pri- meira vez  um  herdeiro  real . 

UMA CERTA  MARQUESA 

Esses foram porém ,os primeiros anos . Passado o  encatamento inicial ,a  princesa reclamaria , em  suas cartas , do contínuo isolamento ,da  falta de livros e da  promessa não cumprida de ir para Por - tugal . Piores  ainda seriam os  dissabores com  d.Pedro . dizia Leopoldina que o príncipe gostava de se divertir , mas não dava aos outros o mesmo direito , assim como  sua cultura  deixava  a desejar . Bem que a princesa tentou cumprir com seu  papel , provendo o reino com  seis  filhos ; após Maria da  Glória , que nasceria  em  1819 , teria quase um  filho por ano , até sua morte em  1826 . Mas o  afastamento do  casal tornava-se  evidente  :  Leopoldina  escrevia que  "  não  era  amada " e que  " engolia  tudo  em  segredo " . O  fato é que  , com o  tempo , pouco sobrava da  primeira  imagem  ingênia do  Brasil . A princesa  manifestava seu  desa-desapreço  moral pelo  Novo Mundo ,  " país  onde tudo é dirigido por vilania  " ,  e afirmava que na colônia " era preciso procurar  mulheres vir- tuosas com o  microcó-  pio " . 

Sua situação ficaria ainda  mais crítica em 1821 , quando seria obrigada a se  separar  de seu  " ex - celente  sogro " , que , por conta da  revolução do Porto , foi  forçado a  partir para Portugal . E é após esse  evento que a  atitude da  princesa começa a mu-dar : Leopoldina queixa -se da  sina de  d. João ,assim como passa a  lutar pela manutenção da  monarquia no  Brasil . Chamava  o  Brasil de " país maduro " ,julgava-se " perfeitamente contente "e pretendia  " envidar esforços pelo  povo" .Nas cartas  que escreveu a  Bonifácio ,posicionou-se a favor da  independência ,antes mesmo de  seu ma- rido , e insistiu com a  irmã para que a  ajudasse a  convencer  o pai com  relação  à  propriedade da emancipação de  seu  " querido país " .Também relata a d .Pedro , que esta em  São Paulo , sobre o estado das tropas portuguesas ,ou procura informá-lo da situação tensa que vivia na corte.Leopoldina se faz, assim ,estadista e  vive um  novo sonho de  monarca  constitucional . 

Esses foram , não obstante , os  momentos  rápidos da  independência .  Após  1822 isolada nova - mente na corte , Leopoldina volta a seu  regime de lamúrias e à sua antiga  interpretação da  " hor- rível América " .Oscila ,fala  em  nome do povo ,destaca  seu  sacrifíicio ,mas o retrato final é o de uma  princesa melancólica , sem amigos ou  esposo. A última carta , datada de  8 de  dezembro , e endereçada à  irmã  Maria Luísa , é puro desconsolo , D. Pedro converte-se em " monstro sedutor "  e a  imperatriz não esconde mais a sua condição : " Acabou de dar-me a  última prova de seu total esque-cimento a  meu respeito , maltratando-me na  presença daquela mesma que é a causa de to -das as minhas desgraças " .Leopoldina  referia-se a  domitília ,a Marquesa de Santos ,que ocupava , então ,todo o tempo do  jovem monarca .Essa é , porém uma outra  história ,e as cartas de Leopol-  dina silenciam a partir de então. A princesa mor- ria antes de seu  último filho  ( o futuro soberano d.Pedro II ) completar  um ano . Sua vida , espelhada nesse conjunto de  cartas ,permite  rever  a  história do  Brasil a partir de um olhar inusitado : o de uma  nobre austíaca que vem em  busca  de seu  príncipe encantado escondido num  reino selvagem ,mas que se vê  envolvida em tramas polí-ticas e nos  mistérios da  coroa.

Cartas de  uma  Imperatriz , organizado por  Betina Hann e Patrícia de Souza Lima , é  livro que  se lê como um  romance epistolar .E,para quem  quer mais , vale a pena  enveredar pelos  artigos intro- dutórios na  Áustria , o quebra -cabeça da  política  internacional , os  impasses pessoais de Leopol - dina e suas  preocupações enquanto  princesa . Mas o  príncipe são as cartas escritas ao  sabor des- ses  " tempos inquietos " . É certo que as  missivas apresentam um sólado vale  a pena . Afinal , até bem pouco tempo  Leopoldina  não passava de um , uma coadjuvante :  a  esposa austríaca de  d. Pedro , a mãe ilustrada de  Pedro II . Suas cartas , ao  contrário , revelam uma perso- personagem atormentada  e que  soube  ironizar de sua  própria  situação ."  Pobres  princesas " . São  tais quais dados que se jogam e  cuja  sorte ou  azar depende do  resultado . " Neste caso , não há  como ter - minar com o  velho e bom " viveram  felizes  para  sempre " .

Fonte  - Jornal O  ESTADO  DE  SÃO  PAULO  - pág D 9  História Correspondência 

Domingo ,  5  de Novembro  de  2006  - Cultura - Lilia Moritz Schwarcz  - Especial 






Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário sobre a postagem.