quinta-feira, 1 de outubro de 2020

A descoberta da penicilina e o conselho ignorado de seu criador

 



O gesto era quase automático entre  bacteriologistas. Ao perceber que as placas com  culturas se apresentavam com  mofo, simplesmente as descartavam. Mas um  bendito acaso levou o  biólogo  escocês  Alexander  Fleming a esquecer as lâminas  com micro-organismos em seu laboratório  londrino. Quando retornou , o cientista viu que uma  cultura  de  estafilococos tinha sido contaminada por  bolor, e que , ao redor destas colônias , não havia mais  bactérias. Começava ali a descoberta do primeiro  antibiótico , a penicilina , responsável por salvar incontáveis  vidas  ao  redor  do  mundo desde então. Ora, se  Fleming tivesse procedido como sempre , uma  “grande  e  humanitária  descoberta” teria sido postergada  “ indefinitivamente “ , conforme publicou O Globo no dia catorze de julho de hum mil novecentos e quarenta e quatro  numa reportagem com os detalhes da façanha ,que rendeu ao  cientista  o  Nobel  de Medicina em  hum mil novecentos e quarenta e cinco.

“ É deveras  admirável que, em minutos apenas, um  germe, caído não se sabe donde, em um lugar onde era o menos desejado, viesse a apresentar tão  extraordinários  resultados“ disse o  escocês ,segundo o depoimento publicado  na edição do jornal de 7l anos atrás. A distração que levou à grande   revelação acontece em hum mil novecentos e vinte e oito , só que mais de dez anos foram necessários até o medicamento chegar ao mercado em larga escala , no início dos anos quarenta , e revolucionar  a  indústria  de  remédios . A partir de então, durante algumas das muitas entrevistas que concedeu sobre o assunto,  Fleming destacou que as pessoas não deveriam abusar de penicilina, sob o risco de torná-la ineficaz. Hoje, décadas mais tarde, cientistas dão conta que a  humanidade não seguiu esse conselho

O uso exagerado de  antibióticos ,derivados ou não da  penicilina , causou o surgimento  das chamadas  superbactérias, micro-organismos resistentes a todas as drogas disponíveis no mercado que são uma das maiores ameaças ao  futuro  da espécie  humana , segundo especialistas . Um relatório  britânico estimou que será preciso investir cerca de trinta e sete bilhões de dólares para criar uma nova  geração  de antibióticos capazes de parar o avanço das  super bactérias. Elas podem, de acordo com o documento, matar no futuro cerca de l0 milhões de pessoas  por ano. Na semana passada, a Organização  Mundial da Saúde ( OMS ) aprovou a criação de um plano de ação para enfrentar o perigo. 


DESCOBERTA  EM   MOMENTO  OPORTUNO 

Mas, décadas atrás, o problema era outro. Não havia armas  químicas eficazes contra  bactérias e outros micro-organismos. O  fungo que apareceu nas  placas  de  Fleming foi identificado como do gênero  Penicillium , e daí o nome da substância. Fleming passou , então, a empregá-la em seu laboratório para selecionar  bactérias e eliminar das culturas as espécies  sensíveis a sua  ação. Mas, dada a peculiaridade das características  ambientais que levaram ao surgimento do bolor, só no início dos anos quarenta os  cientistas conseguiram produzir com fins  terapêuticos e em escala industrial . Foi um momento oportuno .

- O mundo estava em plena Segunda Guerra .O  antibiótico era, então, muito devotado para o tratamento dos feridos, pacientes que chegavam com algum fragmento de bala,  de bomba ,de explosivo ,com amputação de membros - explica o infectologista Carlos Kiffer , pesquisador do  Laboratório  Especial  de  Microbiologia  Clínica  da Universidade  Federal de São Paulo  ( Unifesp) . - Havia uma dificuldade de produção naquela época . O processo era  lento e demorado , e as quantidades produzidas eram pequenas .

Por sua conhecida e revolucionária eficácia , a penicilina  e a  linha de antibióticos desenvolvidos a partir dela , foram cada vez mais utilizados , até chegar ao que , hoje , cientistas ao redor do mundo chamam de exagero. A infectologista Marisa Gomes , do Laboratório de  Pesquisa em Infecção Hospitalar do Instituto  Oswaldo  Cruz  (Fio  Cruz) , conta que ,atualmente , médicos receitam  antibióticos como a amoxicilina,por exemplo , para curar infecções simples ou mesmo se na dúvida sobre a causa  da enfermidade . Além disso , antibióticos também estão presentes na agricultura e na pecuária .

- Com o uso indiscriminado  dos  antibióticos , as  bactérias passam a apresentar a resistência , e há necessidade de usar ainda mais  antibióticos nos tratamentos - diz Marisa . - O resultado é que precisamos voltar a utilizar drogas que já tinham saído do mercado. 

O alerta sobre esse perigo ,exaltado por  Fleming até mesmo em seu discurso no Nobeltambém foi antecipado no GLOBO  com um aviso do diretor do Serviço Nacional de Fiscalização do Exército de Medicina , Roberval Cordeiro de Férias .A matéria , do dia 7 de julho de hum mil novecentos e quarenta e quatro , tinha como título " Nem  tudo pode  ser  curado  pela  penicilina " . Nela , ele frisou que é muito importante que " o público " , e muito especialmente a classe médica, tenham conhecimento das indicações e contraindicações da  penicilina, com o que se poupará tempo preciso, evitar-se-ão dispêndios inúteis e, sobretudo, decepções tão  desagradáveis.


Fonte  -   Jornal  O GLOBO   - Acervo (na WEB )  - pág vinte 

Segunda-feira , 0l/06/dois mil e quinze  - CONTANDO  HISTÓRIAS 

ANTONELLA  ZUGLIANI

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