Editorial
Há exatos duzentos anos, um grupo de amigos, reunido na casa do poeta britânico Lord Byron, passou parte do verão lendo em voz alta estórias de terror até tarde da noite. Entre os convidados estava Mary Shelley, com apenas l8 anos. Alguém propôs que cada um dos presentes criasse e escrevesse sua própria de terror. Foi assim que, após um sonho impressionante, a autora de “ Franskenstein “ teve a ideia que deu origem ao livro.
Frankenstein foi um cientista brilhante que descobriu o segredo da vida . Foi o que lhe permitiu criar sua criatura – um verdadeiro monstro - , com pedaços de cadáveres . Mas , quando viu o que tinha feito , fugiu horrorizado . O monstro , confuso ao se ver abandonado por seu próprio criador , revoltou-se contra ele e destruiu-lhe a vida.
Mary Shelley entitulou seu livro de “ Frankenstein ; ou , o Prometeu moderno “ , em referência ao mito grego . Na versão contada por Platão , Prometeu , vendo a fragilidade natural do homem em relação aos animais ,decidiu dar-lhe o fogo e a técnica ,roubados de Hefaísto e Atena.
Assim , “ o homem obteve o conhecimento útil à vida , mas a política escapou-lhe : esta estava com Zeus .
Platão distingue entre técnica e política . É perfeitamente possível – e a história da humanidade tem confirmado isso desde , então – que coexistam lado a lado um grande avanço tecnológico e a deterioração ética e política da sociedade .
Talvez o maior mal da humanidade nos últimos séculos seja a prática da política como técnica.
A política é uma prudência, não uma técnica. Para ser prudente , é preciso possuir as virtudes morais, mas para ter técnica, não.
Uma técnica - ou , como se diz hoje , uma tecnologia - é um dos conhecimento produtivo, pelo qual o homem cria uma coisa , como uma casa ou uma pasta de dente . A técnica consiste em construir algo, conforme um projeto , como uma casa é construída seguindo o plano do arquiteto.
O arquiteto – desde que respeite certas regras para que a casa fique em pé – pode desenhar a casa do jeito que quiser.
Na técnica , a finalidade é livre , é o que estiver na cabeça do artista. Já na política , como na ética , o fim não é livre , o fim é o bem comum. Mas não é possível buscar verdadeiramente esse fim sem virtude .
No século passado, o projeto da sociedade perfeita foi a causa do maior sofrimento que a história humana jamais conhecera até então . Comunismo e nazismo foram responsáveis por dezenas de milhões de mortos. Como o monstro de Frankenstein , essas criaturas se voltaram contra a humanidade que as criou.
Mas a política como técnica continua em prática ainda hoje . A ideia da política como técnica é também o que está por trás das críticas ao “sistema “. Quando se defende, por exemplo, que o problema do Brasil é um certo "sistema", que o caminho a seguir é o de alguma reforma estrutural mirabolante ,o que se está buscando é , no fundo , uma solução técnica para um problema moral.
Platão reconheceu que a política , a verdadeira sabedoria política , não se confunde com a técnica , mas está junto à divindade . Para que a política seja praticada como prudência ,é preciso políticos melhores e mais sábios . E como os políticos refletem a sociedade , é preciso que nos tornemos nós mesmos melhores e mais sábios , com esforço e uma educação voltada para a virtude.
Fonte - Jornal O SÃO PAULO - pág dois - Ponto de Vista
Treze a Dezessete de maio de dois mil e dezesseis - Editorial
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