Turbilhão
Fico escutando as quantias ( dois milhões , quatro , nove ) , e a cifra vai aumentando até que de milhões a bilhões muda apenas a consoante no início da palavra,pois pa -rece que já não se trata de dinheiro – entramos num território mais subjetivo e ina -gível.
Que grana toda é essa que saía de uma conta- corrente para entrar em outra , numa transferência que parecia uma simples jogada do banco Imobiliário ? O brinquedo da Estrela existe até hoje e é assim descrito nos sites de venda: “ Você agora poderá ser um próspero proprietário de imóveis. Ter crédito em banco , títulos e hotéis nos melhores pontos da cidade . Onde o céu é o limite ...Cabe a você investir tudo que possui para tornar-se um milionário e monopolizar o mercado. Para isso , você terá que provar que tem faro para os negócios.
Dinheiro de papel . A gente se divertia com isso. Era fácil se sentir rico. Ter o céu como limite . Em que momento a pessoa se apega a uma fantasia infantil que não consegue mais crescer ? Troca dinheiro de papel por dinheiro de verdade sem perceber que está negociando outros valores.
Ouço , leio : sete milhões , vinte e cinco milhões , trezentos milhões . E apenas uma palavra me vem à cabeça : pobreza .Que vida miserável.Não bastasse a total ausência de escrúpulos , a pessoa não consegue se contentar com o suficiente , nunca atinge um montante que sirva para apaziguar sua insignificância.A ganância é um sorvedouro, o muito é pouco , é nada para quemcarrega dentro de si um buraco profundo no lugar onde deveria haver retidão.
Dizem que todo mundo tem um preço.Qual o meu , qual o seu ? Que saldo deveria aparecer em nosso extrato para nos sentirmos seguros , satisfeitos e dizer : o.k., já tenho o que preciso,me basta.
Não é aos trinta nem aos quarenta anos de idade que a gente começa acumular bens.Nosso patrimônio é constituído bem mais cedo , antes até de aprendermos a brincar com o Banco Imobilário . O que investiram em nós, na infância ,que vai deteminar para que servirá, de verdade , o nosso faro, se para correr atrás de uma vida digna ou para enfiar nariz numa lixeira.
Se fizerem investimentos no nosso caráter na nossa inteligência , na nossa segurança emocional , seremos tão ricos , que não nos importaremos de parecer uma pessoa barata aos não gigante ,como um carro legal e não um tanque de guerra, e nos ves-tiremos com despojamento em vez de desfilar por aí feito uma árvore de Natal . Alguém tem medo de parecer barato aos olhos dos outros ?
Infelizmente , a lista é longa . Bem mais longa ...
Fonte - Revista O CLOBO - pág 8
Vinte e três de abril, de dois mil e dezessete - Martha Medeiros
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