domingo, 3 de dezembro de 2023

Orgulho de ser ' brasileiro '




Portugueses  voltavam  ricos  da  antiga  colônia  e  atuavam  como  filantropos  na  terra  natal 

BRAGA  -  José Francisco Correia  não  tinha mais do que  dez  anos  quando , em 1863 , embarcou  na  terceira classe de um navio que deixou  o  Norte de  Portugal . Passou  um mês e meio à  base de  sopa e bolacha e dormindo entre malas ,até chegar a uma fábrica de cigarros em Niterói .O irmão de um padre de  São Lourenço de Saúde , sua cidade natal , contratou-o como segurança e  faxineiro .Aos 18 ,já tinha seu próprio  negócio – o  Imperial  Estabelecimento  de  Fumos  Veado .Esta  ficou  tão  famoso que , tempos 
mais tarde , mereceu uma  visita do então  presidente Campos Sales .Os louros  de Correia renderam um pacote  de  benesses para os antigos vizinhos . Ele  fundou escolas , reformou a  igreja ,doou dinheiro para tuber-culosos .Foi recompensado com o título de  Conde de  Agrolongo .Era  um verdadeiro “  brasileiro “ , como  seus compatriotas definiam  quem , a partir de  meados do século  XIX , migrava para antiga colônia nas  Américas e voltava  bem - sucedido . 

Conforme o  tráfico negreiro perdia  força , o Brasil  ganhava  cada vez  mais crédito entre seus antigos con-quistadores .Arrasado por uma guerra civil, com governo cambaleante e  economia decadente , Portugal  foi reduzido a uma  porta de saída para o  Atlântico .Na  semana passada , em um festival de  História no Norte do país , pesquisadores que  procuraram  futuro nos trópicos . Aqueles que  voltavam  endinheirados ,  os  “  brasileiros “ , colecionaram  títulos de  nobreza ,  bancaram  obras de governo e atuaram  como  mecenas e educadores .Já quem desembarcava  em  terras lusitanas de bolsos  vazios era  o  “ abrasileirado “ - em sua jornada pela  antiga colônia ,estes conseguiam apenas o  necessário para o  próprio sustento . 

- A Inglaterra , principal potência mundial ,exercia desde  810 uma  forte pressão para que o Brasil abolisse o tráfico negreiro  –  destaca  André Roberto de  Arruda Machado ,  professor de  História  da Unifesp .  -  O  imperador  Dom Pedro  comprometeu -se  a tomar esta  medida  em  1831 .  Não  o fez , mas a  entrada de escravos  caiu  significa-tivamente,até  ser proibida  em 1850 . Isso , abriu espaço para a importação da  mão de  obra europeia . 

POLÊMICA  NA  CORTE 

Os portugueses tornaram -se a  população mais  engajada em  tentar a  vida do outro lado do oceano . 

- As  crianças aprendiam a  ler , escrever  e  fazer contas e , logo  depois ,  migravam para o  Brasil – lembra  José Abílio Coelho , pesquisador  da  Universidade do Minho , em  Portugal . -  Essa mão de obra era funda-mental para bancar a  exploração agrícola daquela  terra imensa .

A  imigração em massa  provocava  reações  ambíguas  na  Corte  portuguesa . Sem  trabalhadores , a eco-nomia nacional estava  estagnada . No entanto , quem chegava ao Brasil , ou voltava  do país , patrocinava pro-jetos que , sozinho , o  estado não  tinha  condições de  manter . 

- Um  escritor da época afirmava que os  famintos portugueses , instaldos no  Brasil , pagavam as contas  do  desgoverno  português  -  conta  Jorge  Alves , professor do  Departamento de  História e de  Estudos  Po- líticos e  Internacionais da  Universidade do Porto e  autor  de  “  Brasil  , terra  de esperanças  “  ( editora  Quasi ) .

De  acordo com  Alves , o  sonho dos  portugueses  era  voltar  “  irreconhecíveis  “ , cultos e de  vestuário elegante , ganhando  respeito e  reputação que nunca teriam se não  tivessem deixado a  terra natal .

- Milhares de portugueses , após alguns anos de ausência , voltavam  transformados a tal ponto que mesmo os  pais duvidavam de sua identidade – assinala  Alves . - Assim se ampliava a imigração , os  candidatos a  “ brasileiros  “ . O  Brasil era  o país  ideal : quem  trabalha ganha uma recompensa justa .

Os  “  brasileiros  “  que  voltavam  para  as  aldeias  portuguesas  não precisavam de  muitos esforços para exibir  seus ganhos . Bastava dar  um  novo gás  à  atividade agrícola  da  família e erguer  um edifício  para o funcionalismo público .Outros procuraram as grandes cidades – Lisboa e Porto , principalmente – e  tornaram-se  sócios e acio-nistas de  bancos ,seguradoras e empresas de transporte . Em ambos os ambientes ,a posse de capital era coroada no  altar, onde os  novos ricos  selavam casamentos arranjados  com pretendentes de  famílias  tradionais da  elite .

Normalmente a troca de alianças era  feita com  trintões –  empreendedores que , apesar da pouca idade , já haviam acumulado  mais de  20  anos de riquezas na  antiga  colônia . Não era uma  regra , mas  os  ricos  de  meia-idade costumavam  ser  mais reclusos e , por  isso , resistentes a promover benevolências . Nestes casos, o trato mudava .Por  maiores que fossem suas  riquezas , se não  resultassem em  um leque de boas ações aos necessitados , o milionário era  rebaixado  ao  status  de  mero  “  abrasileirado “  . Mas estes eram exceções . A maioria estava disposta a  dividir uma  generosa parte de  suas  fortunas . 

-  ( Os  novos ricos ) compravam ou mandavam construir  magnifícos palacetes e , em  suas  terras de origem , ofereceram  estradas ,  igrejas e  capelas , assinala  Coelho .  - Com  estes  atos  filatrópicoos eles ganhavam  reconhecimento da  igreja , comendas civis , e  às vezes de  viscondes .

CONDE  CONSTRUIU  120  ESCOLAS 
 
A educação era uma  das  áreas  que mais  sensibilizaram  os  novos ricos  Semianalfabetos  em  sua chegada  ao  Brasil , eles voltaram  para Portugal dispostos a  evitar que as  novas  gerações  passassem  pelos mesmos  perrengues . Um deles , o Conde  de  Ferreira , construiu  120  escolas .

Para Coelho , um  dos  principais  quadros  na galeria dos  afortunados foi  Manuel de  Pontes Câmara . Nas-cido na  Ilha  da Madeira  território português no  Atlântico ,ele  migrou para o Brasil em  1829 , aos  14 anos. Antes dos 18 , já  havia arriscado negócios em  ramos como  louças , peixes e cereais . Não  gostou  dos re-sultados modestos . Mas foi o início de um  império comercial que , em  meio século ,desenvolveu ao lado de  40 sócios .

- Ele dedicou-se a  negóocios de  peixe fresco , cereais , fabrico de  chapéus , trapiches , tapiocas e  refinação de açúcar e botequins ,entre outros  - revela Coelho . - Mas seu  maior empreendimento foi o café .Na época, O  Brasil era o  maior exportador do  produto , que tornou - se a  bebida da  moda  em  todo o mundo .

Pontes Câmara morreu  em um  naufrágio , a caminho de  Lisboa , em 1882 ,  aos  67 anos , acompanhado de mais de 15 mil sacos de  seu  produto mais  lucrativo . Deixou  um  terço  de  sua  fortuna para  ações de cari-dade , incluindo a  construção  de  uma  capela em  Madeira .Na  época , com o  reerguimento  da  economia  portuguesa , a  figura dos  " brasileiros " era , aos  poucos - e  desmerecidamente  -  apagada da  História . 

Em determinados  meios , como os de jornalistas e  poetas , a designação  de  "  brasileiro "  era sinônimo de
agiota , imbecil , analfabeto  - condena  Coelho .  -  Mas  o tempo desconstruiu  essa imagem e hoje , quando falamos de  " brasileiros " , nos  referimos a um  grupo de  portugueses  admiráveis , dados a  enormes  gestos  de  filantropia , e  cultos muito acima da  média de  seu tempo . 

" O  repórter  viajou  a  convite  do  Festival  de  História " 

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