Portugueses voltavam ricos da antiga colônia e atuavam como filantropos na terra natal
BRAGA - José Francisco Correia não tinha mais do que dez anos quando , em 1863 , embarcou na terceira classe de um navio que deixou o Norte de Portugal . Passou um mês e meio à base de sopa e bolacha e dormindo entre malas ,até chegar a uma fábrica de cigarros em Niterói .O irmão de um padre de São Lourenço de Saúde , sua cidade natal , contratou-o como segurança e faxineiro .Aos 18 ,já tinha seu próprio negócio – o Imperial Estabelecimento de Fumos Veado .Esta ficou tão famoso que , tempos
mais tarde , mereceu uma visita do então presidente Campos Sales .Os louros de Correia renderam um pacote de benesses para os antigos vizinhos . Ele fundou escolas , reformou a igreja ,doou dinheiro para tuber-culosos .Foi recompensado com o título de Conde de Agrolongo .Era um verdadeiro “ brasileiro “ , como seus compatriotas definiam quem , a partir de meados do século XIX , migrava para antiga colônia nas Américas e voltava bem - sucedido .
Conforme o tráfico negreiro perdia força , o Brasil ganhava cada vez mais crédito entre seus antigos con-quistadores .Arrasado por uma guerra civil, com governo cambaleante e economia decadente , Portugal foi reduzido a uma porta de saída para o Atlântico .Na semana passada , em um festival de História no Norte do país , pesquisadores que procuraram futuro nos trópicos . Aqueles que voltavam endinheirados , os “ brasileiros “ , colecionaram títulos de nobreza , bancaram obras de governo e atuaram como mecenas e educadores .Já quem desembarcava em terras lusitanas de bolsos vazios era o “ abrasileirado “ - em sua jornada pela antiga colônia ,estes conseguiam apenas o necessário para o próprio sustento .
- A Inglaterra , principal potência mundial ,exercia desde 810 uma forte pressão para que o Brasil abolisse o tráfico negreiro – destaca André Roberto de Arruda Machado , professor de História da Unifesp . - O imperador Dom Pedro comprometeu -se a tomar esta medida em 1831 . Não o fez , mas a entrada de escravos caiu significa-tivamente,até ser proibida em 1850 . Isso , abriu espaço para a importação da mão de obra europeia .
POLÊMICA NA CORTE
Os portugueses tornaram -se a população mais engajada em tentar a vida do outro lado do oceano .
- As crianças aprendiam a ler , escrever e fazer contas e , logo depois , migravam para o Brasil – lembra José Abílio Coelho , pesquisador da Universidade do Minho , em Portugal . - Essa mão de obra era funda-mental para bancar a exploração agrícola daquela terra imensa .
A imigração em massa provocava reações ambíguas na Corte portuguesa . Sem trabalhadores , a eco-nomia nacional estava estagnada . No entanto , quem chegava ao Brasil , ou voltava do país , patrocinava pro-jetos que , sozinho , o estado não tinha condições de manter .
- Um escritor da época afirmava que os famintos portugueses , instaldos no Brasil , pagavam as contas do desgoverno português - conta Jorge Alves , professor do Departamento de História e de Estudos Po- líticos e Internacionais da Universidade do Porto e autor de “ Brasil , terra de esperanças “ ( editora Quasi ) .
De acordo com Alves , o sonho dos portugueses era voltar “ irreconhecíveis “ , cultos e de vestuário elegante , ganhando respeito e reputação que nunca teriam se não tivessem deixado a terra natal .
- Milhares de portugueses , após alguns anos de ausência , voltavam transformados a tal ponto que mesmo os pais duvidavam de sua identidade – assinala Alves . - Assim se ampliava a imigração , os candidatos a “ brasileiros “ . O Brasil era o país ideal : quem trabalha ganha uma recompensa justa .
Os “ brasileiros “ que voltavam para as aldeias portuguesas não precisavam de muitos esforços para exibir seus ganhos . Bastava dar um novo gás à atividade agrícola da família e erguer um edifício para o funcionalismo público .Outros procuraram as grandes cidades – Lisboa e Porto , principalmente – e tornaram-se sócios e acio-nistas de bancos ,seguradoras e empresas de transporte . Em ambos os ambientes ,a posse de capital era coroada no altar, onde os novos ricos selavam casamentos arranjados com pretendentes de famílias tradionais da elite .
Normalmente a troca de alianças era feita com trintões – empreendedores que , apesar da pouca idade , já haviam acumulado mais de 20 anos de riquezas na antiga colônia . Não era uma regra , mas os ricos de meia-idade costumavam ser mais reclusos e , por isso , resistentes a promover benevolências . Nestes casos, o trato mudava .Por maiores que fossem suas riquezas , se não resultassem em um leque de boas ações aos necessitados , o milionário era rebaixado ao status de mero “ abrasileirado “ . Mas estes eram exceções . A maioria estava disposta a dividir uma generosa parte de suas fortunas .
- ( Os novos ricos ) compravam ou mandavam construir magnifícos palacetes e , em suas terras de origem , ofereceram estradas , igrejas e capelas , assinala Coelho . - Com estes atos filatrópicoos eles ganhavam reconhecimento da igreja , comendas civis , e às vezes de viscondes .
CONDE CONSTRUIU 120 ESCOLAS
A educação era uma das áreas que mais sensibilizaram os novos ricos Semianalfabetos em sua chegada ao Brasil , eles voltaram para Portugal dispostos a evitar que as novas gerações passassem pelos mesmos perrengues . Um deles , o Conde de Ferreira , construiu 120 escolas .
Para Coelho , um dos principais quadros na galeria dos afortunados foi Manuel de Pontes Câmara . Nas-cido na Ilha da Madeira território português no Atlântico ,ele migrou para o Brasil em 1829 , aos 14 anos. Antes dos 18 , já havia arriscado negócios em ramos como louças , peixes e cereais . Não gostou dos re-sultados modestos . Mas foi o início de um império comercial que , em meio século ,desenvolveu ao lado de 40 sócios .
- Ele dedicou-se a negóocios de peixe fresco , cereais , fabrico de chapéus , trapiches , tapiocas e refinação de açúcar e botequins ,entre outros - revela Coelho . - Mas seu maior empreendimento foi o café .Na época, O Brasil era o maior exportador do produto , que tornou - se a bebida da moda em todo o mundo .
Pontes Câmara morreu em um naufrágio , a caminho de Lisboa , em 1882 , aos 67 anos , acompanhado de mais de 15 mil sacos de seu produto mais lucrativo . Deixou um terço de sua fortuna para ações de cari-dade , incluindo a construção de uma capela em Madeira .Na época , com o reerguimento da economia portuguesa , a figura dos " brasileiros " era , aos poucos - e desmerecidamente - apagada da História .
Em determinados meios , como os de jornalistas e poetas , a designação de " brasileiro " era sinônimo de
agiota , imbecil , analfabeto - condena Coelho . - Mas o tempo desconstruiu essa imagem e hoje , quando falamos de " brasileiros " , nos referimos a um grupo de portugueses admiráveis , dados a enormes gestos de filantropia , e cultos muito acima da média de seu tempo .
" O repórter viajou a convite do Festival de História "
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