Ao completar 30 anos de morto . Candeia homenageado em filme , peça , livro CD e pelo Trem do Samba
Um dos melhores compositores do samba , líder natural que cantou e brigou pelos direitos do negro e contra a descaracterização das escolas e do carnaval . Antônio Candeia Filho é cultuado em todas as rodas da cidade .Mesmo assim talvez que seja, do seleto grupo de gênios do samba , no qual se Cartola, NelsonCavaquinho, Zé Keti , Martinho da Vila , Paulinho da Viola , Elton Medeiros e poucos outros , o mais sub-estimado e o que tem a história e a obra menos conhecidas . Agora que se completam - 30 anos da sua morte , no dia 16 de novembro , o fundador do Recreativo de Arte Negra e Escola - de Samba Quilombo ,o ex - policial que - reza a lenda - perseguia até os sambistas amigos e viveu seus últimos anos numa cadeira de rodas , aleijado por um tiro numa discussão de trânsito , terá sua traje-tória revista em livro , filme , shows , um musical no Centro Cultural Banco do Brasil .
“ Ele era o Zumbi dos anos 60 e 70 “ , diz Noca
A comunidade do samba aplaude a lembrança .
- Candeia era um gênio – diz Noca da Portela , que compôs “ Mil réis “ em parceria com ele e guarda outra inédita da dupla . Se o rei mandou “ ( “ Se o rei mandou , está mandado / Se o rei falou , está falado / O rei me deixou de canto chorado “ ) . - Além do poder da músicalidade , da poesia , era um líder , o Zumbi daqueles anos 60 e 70 . Tinha um poder de domínio sobre as pessoas . Quando elel cantava , era emocionante , sua voz ecoava em qualquer lugar . Era muito politizado . Tem uma frase na música que é a cara dele . “ Liberdade demais dá cadeia “ .
Noca lembra que , quando chegou à Portela , em 1966 , Candeia era o presidente da ala dos compo- positores :
- Cheguei recomendado pelo paulino da Viola e pelo Picolino , meu parceiro do trio ABC . Ele disse que eu estava bem apresentado , mas que na Portela ninguém caía de pára- quedas . Disse que eu tinha a tarde inteira para fazer um samba , em meia hora voltei com dois . Um deles era " Portela querida " .
Candeia nasceu em 17 de agosto de 1935 , em berço de sambista , e sempre lembrava que suas festas a feijão , cerveja , cachaça e música , enquanto a de outras crianças tinham bolo e guaraná .Mas ,se faltaram os doces de infância , o samba impregnou-lhe a alma .A tal ponto que , com 17 anos , vencia a primeira das muitas disputas que ganharia na Portela . E logo do mestre Manacéia ,campeoníssimo na época.
Aos 24 anos , sustentar a família , fez concurso para a polícia e se tornou detetive . Mas não um detetive qualquer .Negro ,alto , forte , destemido e bom de briga , o policial Candeia era temido até pelos amigos do samba .
- A figura dele era controversa .Muitos sambistas antigos reclamavam que ele chegava cobrando em cana quem estava em situação irregular .Consta que chegou a prender seu próprio irmão Mas outros dizem que ele estava certo . Já que era função dele - conta João Baptista Vargens , biógrafo do sambista .
Ainda menino , vargens se tornou amigo de Candeia . Após a morte do sambista , ele resolveu participar do concurso de monografias da Funarte .O resultado é o ótimo livro " Candeia - Luz da inspiração " , cuja terceira edição será lançada no dia 2 de dezembro , Dia Nacional do Samba , na Central e em Oswaldo Cruz .
Nesse dia também , ele será homenageado no principal palco sobre trilhos do trem do Samba , a festa organizada por Marquinhos de Oswaldo Cruz Sambas como " Dia de graça " , " Minhas madrugadas " , "Luz da inspiração " , Pintura sem arte " , "Filosofia do samba " e outros serão entoados em todos os vagões .
- Haverá também um show no Rival e outro na Uerj , este simbolizando o fato de ele ter sido o primeiro a cantar e a falar sobre a presença do negro na universidade .Candeia tinha uma visão acima de mundo , além do próprio movimento negro , que existe hoje - conta Marquinhos . - Há cinco anos , conheci um senador americano que visitava o Brasil e tinha vivido movimento negro americano , conhecido Martin Luther King .E ele sabia de toda a vida do Candeia . E se emocionava ao ouvir o samba dele e de Dona Ivone de Lara : " Eu não sou africano / Nem norte-americano / Ao som da viola e pandeiro / sou mais o samba brasileiro " .
Ao voltar de uma noitada , já de manhã de 13 de dezembro de 1965 , Candeia se envolveu em uma briga de trânsito no centro do Rio . Depois de bater em dois passageiros e esvaziar seu revólver nos pneus do ca-minhão que se chocara com seu carro, ele levou cinco tiros do motorista .
- Das várias histórias que rondam esse acidente , uma diz prostituta na Lapa , que lhe rogou uma praga - conta Vargens . - Mas acho que ali ele viu que a vida não era aquilo que ele pensava . Então , usou todo o seu talento para fazer a melhor parte de sua obra . Ele era completo . Excelente nas três vertentes do samba : samba -enredo , o de terreiro e o partido - alto .
Documentário e peça CCBB retratam o mestre
Candeia ainda é tema central do documentário " Eu sou o povo " , de Bruno Bacellar, Regina Rocha e Luís Fernando Couto , e da peça " Samba na veia , é Candeia " , de Eduardo Ceschin Rieche , que será encenada no Centro Cultural Banco do Brasil , em outubro e novembro . Estão ainda programados uma ex-posição de fotos na Central e um CD comemorativo da data com arranjos de Paulão 7 Cordas .
Candeia morreu pouco antes do lançamento de seu melhor disco , " Axé " , produzido por João de Aquino . Ali estavam imortalizados os versos da música- símbolo de sua obra . " Dia de graça " , em que , antes de qualquer discussão de cotas , evocava a ida do negro do samba para a sala : " Deixa de ser rei só na folia / Faça de sua Maria uma rainha todos os dias / E canta o samba na universidade / E verás que seu filho será princípe de verdade " .
Fonte - Jornal O GLOBO - pág 2 - Segundo caderno Domingo , 7 de setembro de 2008 - João Pimentel
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