A abre alas da música popular
Bela,talentosa e inteligent ,Chiquinha Gonzaga – a autora de “Abre- Alas “ - superou todos os preconceitos contra a mulher que existiam no seu tempo e construiu uma brilhante carreira musica l.O livro da pesquisadora Edinha Diniz, lançado , reconstitui a trajetória pioneira
1866 - O Brasil Imperial está em plena guerra contra o Paraguai. Sua capital, o Rio de Janeiro , ainda é uma cidade acanhada, de costumes atrasados , onde a maioria das mulheres mal tem permissão de sair à rua , exceto ir à igreja ou às festas religiosas . Neste ambiente quase feudal, uma jovem de dezenove anos , uma “ sinhazinha “ bem criada e bem casada , pertencente à família do Duque de Caxias ,acaba de tomar uma decisão muito importante : vai separar-se do marido , Jacinto Ribeiro do Amaral . O casamento não deu certo, e ela sofre com a opressão do marido, que não aceita suas atitudes independentes e tem ciúme da sua dedicação ao piano .Chegou a propor que ela escolhesse entre o casamento ou a música. A resposta da moça – Francisca Edwiges Gonzaga do Amaral – não poderia ser mais categórica :
- Pois , senhor meu marido, eu não entendo a vida sem harmonia “
Acabava ali um casamento , e começava a nascer uma das mais importantes figuras da música brasileira : a maestrina Chiquinha Gonzaga , autora de uma obra onde soube concretizar, como ninguém , a ligação entre o código erudito e a Música Popular Brasileira que começava a nascer . Conhecida até hoje pelo “Abre- Alas “ - um dos hinos do carnaval - , a sinhazinha que trocou o marido e família pela música é personagem principal do livro Chiquinha Gonzaga- Uma História de Vida, de Edinha Diniz,que a Editora Rosa dos Tempos está relançando agora( a primeira edição saiu em 1984 ) . E o episódio da sua separação sintetiza muito bem os traços principais da biografada : um apego ferrenho à música e uma sede de liberdade que desafiou todas as convenções da sua época.
Direitos autorais
Abolicionista , republicana , e feminista na prática ( embora este adjetivo nem fosse conhecido naquele tempo), Chiquinha Gonzaga sofreu horrores com os preconceitos de que foi vítima.Foi separada de três dos seus quatro filhos,lutou durante vários anos contra a fama de mulher “ligeira” e seu pai não a perdoou nem no leito de morte . Nada disso a impediu de construir uma obra extensíssima .No começo,eram polcas, tangos e maxixes que a tornaram um“ best -seller “da época; as músicas de Chiquinha Gonzaga eram vendidas aos milhares . Depois, já no final do século ,ela começou uma bem-sucedida carreira de maestrina ( título do qual tinha o maior orgulho ), musi -cando peças de teatro de revista . A maioria destes trabalhos foi sucesso de público e da crítica sempre pioneira , Chiquinha foi também a primeira pessoa a compor uma música especialmente para o carnaval- a famosa marcha-rancho “ Abre Alas “.O sucesso , entretanto , não garantiu a tranquilidade desta incansável batalhadora . Muito pelo contrário,ela começou a perceber que seus editores estavam ganhando dinheiro à sua custa , vendendo músicas suas até no exterior , sem que ela visse um centavo dos lucros. Isso em contar os plágios e “ adaptações “ de seu trabalho que corriam pelo País...Já existia uma lei para proteger os direitos dos autores , mas ela não era cum - prida. Chiquinha, mais uma vez, foi à luta, tornando-se uma das mais principais desti-nada a fundadoras da SBAT ( Sociedade Brasileira dos Autores Teatrais ) , entidade destinada a proteger os direitos dos compositores.
A autora do livro , Edinha Diniz começo a tomar contato com a obra da compositora em 1977, quando fez a pesquiusa para um documentário sobre ela.A partir daí 3+ela tomou contato com seu material inédito sobre o seu objeto de pesquisa - o acervo
da "Coleção Chiquinha Gonzaga ", composto de pesados e envelhecidos pacotes que estavam guardados na SBA .Eram basicamente recortes de jornais,fotografias,corres-pondência , libretosde peças teatrais e músicas , inúmeras partituras e composições
impressas ,manuscritas,editadas e inéditas.Até onde se sabe ,este material não chegou a ser consultado pelos biógrafos anteriores da maestrina muito preocupados em resgatar o valor da compositora , mas também em ocultar ou minimizar dados que depusessem contra a imagem da mulher .
Exemplo Feminino
É por isso que passavam em em branco fatos como o aparecimento do seu " filho" João Batista Gonzaga - na verdade , João Batista Fernandes Lage , com o qual ela passou a viver a partir de 1902 . Ninguém sabia de onde, de qual ligação teria surgido esse rebento ,de cuja existência até ali nem os mais próoximos amigos da maestrina suspeitavam . Ele tinha 16 anos na época ; ela 52 . Viveram juntos até a morte de Chiquinha , num relacionamento carinhoso e inseparável ; um amor que teve de ser
ocultado dos olhos do público , mas que nem por isso deixou de adoçar os últimos
anos da existência de Chiquinha ( ela morreu com 87 anos, em 1935).
Além de oferecer um retrato de corpo inteiro da mulher Chiquinha Gonzaga, Edinha Diniz situa muito bem - sem nunca cair em didatismos aborrecidos - a difícil época histórica em que ela trabalhou . Difícil ,sobretudo, porque a música brasileira ainda estava em formação , não assumira as suas influências negras, ou, como colocou Mário de Andrade , " as características raciais ainda lutavam muito com os elementos de importação (...). A gente surpreende nas suas obras de ( Chiquinha ) os elementos dessa luta como nenhum ouitro compositor nacional . Parece que a sua fragilidade feminina captou com maior aceitação e tembém maior agudeza o sentido dos muitos caminhos em que se extraviava a nossa música de então ".
Edinha Diniz dá aos seus leitores uma síntese bem feita deste conflito; não romantiza em nehum momento a sua biografada, embora confesse que sentiu muita simpatia por ela; e, como escritora, oferece aos seus leitores um texto fluente e agradável.É verdade que existem nele alguns pequenos sernões, como a utilização excessiva de palavras do jargão acadêmico, como "valorar ". Mas, enfim, na onda de biografias ( muitas delas femininas ) que,invade atualmente as livrarias, Chiquinha Gonzaga,uma História de Vida , cumpre uma função importantíssima . O( livro resgata, para a nossa música , um dos seus nomes mais importantes ; e , para as mulheres ,um exemplo de coragem e independência que merece ser conhecido.
Fonte - Jornal Shopping News - City News - DCI - pág 3-B São Paulo , 20 a 21 de outubro de 1991 - Jornal da Semana
Chiquinha Gonzaga - Uma História de Vida - de Edinha Diniz , como prefácio de Muniz Sodré . Reedição da Editora Rosa dos Ventos , com 352 páginas
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