sexta-feira, 17 de dezembro de 2021




 

A  abre  alas   da música  popular


Bela,talentosa e  inteligent ,Chiquinha Gonzaga – a autora de  “Abre- Alas “ - superou todos os  preconceitos contra  a mulher que existiam no  seu tempo e construiu uma brilhante carreira musica l.O livro da pesquisadora  Edinha Diniz, lançado , reconstitui a  trajetória pioneira

1866 - O  Brasil Imperial está em plena guerra contra o Paraguai. Sua capital, o Rio de Janeiro , ainda é uma cidade acanhada, de costumes atrasados , onde a maioria das mulheres mal tem permissão de sair à rua , exceto ir à igreja ou às festas religiosas . Neste ambiente quase feudal, uma jovem de dezenove anos , uma “ sinhazinha “ bem criada e bem casada , pertencente à família do Duque de Caxias ,acaba de tomar uma decisão muito importante : vai separar-se do marido , Jacinto Ribeiro do Amaral . O casamento não deu certo, e ela sofre com a opressão do marido, que não aceita suas atitudes independentes e tem ciúme da sua  dedicação ao  piano .Chegou a propor que ela escolhesse entre o casamento ou a música. A resposta da moça – Francisca Edwiges Gonzaga do Amaral – não poderia ser mais categórica : 

- Pois , senhor meu marido, eu não entendo a vida sem harmonia “

Acabava ali um casamento , e começava a nascer uma das mais  importantes figuras da  música brasileira : a  maestrina  Chiquinha Gonzaga , autora de uma obra onde soube concretizar, como ninguém , a ligação entre o  código erudito e a  Música Popular Brasileira que começava a nascer . Conhecida até hoje pelo “Abre- Alas “ - um dos  hinos do carnaval - , a sinhazinha que trocou o marido e família pela música é personagem principal do livro  Chiquinha Gonzaga- Uma História de Vida, de Edinha Diniz,que a Editora Rosa dos Tempos está relançando agora( a primeira edição saiu em 1984 ) . E o episódio da sua separação sintetiza muito bem os traços principais da biografada : um apego ferrenho à música e uma sede de liberdade que desafiou todas as convenções da sua época.


                                                Direitos  autorais

Abolicionista , republicana , e feminista na prática ( embora este adjetivo nem fosse conhecido naquele tempo), Chiquinha Gonzaga sofreu horrores com os preconceitos de que foi vítima.Foi separada de três dos seus quatro filhos,lutou durante vários anos contra a  fama de mulher “ligeira” e seu pai não a perdoou nem no  leito de morte . Nada disso a impediu de construir  uma  obra extensíssima .No começo,eram polcas, tangos e maxixes que a tornaram um“ best -seller “da época; as  músicas de Chiquinha Gonzaga eram vendidas aos milhares . Depois, já no final do século ,ela começou uma bem-sucedida carreira de  maestrina   ( título do qual tinha o maior orgulho ), musi  -cando peças de teatro de revista . A maioria destes trabalhos foi sucesso de público e da crítica sempre pioneira , Chiquinha foi também a primeira pessoa a compor uma música especialmente para  o carnaval- a famosa  marcha-rancho “ Abre Alas “.O sucesso , entretanto , não garantiu a tranquilidade desta incansável batalhadora . Muito pelo contrário,ela começou a perceber que seus editores estavam ganhando dinheiro à sua custa , vendendo músicas suas até no  exterior , sem que ela visse um centavo dos lucros. Isso em contar os plágios e “  adaptações “ de seu trabalho que corriam pelo País...Já existia uma lei para proteger os direitos dos autores , mas ela não era cum - prida. Chiquinha, mais uma vez, foi à luta, tornando-se uma das mais principais desti-nada a fundadoras  da SBAT ( Sociedade Brasileira dos Autores Teatrais ) , entidade destinada a proteger os direitos dos compositores. 

A autora do livro , Edinha Diniz começo a tomar contato com a obra da compositora em 1977, quando fez a pesquiusa para um documentário sobre ela.A partir daí 3+ela tomou contato com seu material inédito sobre o seu objeto de pesquisa  - o acervo

da "Coleção Chiquinha Gonzaga ", composto de pesados e envelhecidos pacotes que estavam guardados na SBA .Eram basicamente recortes de jornais,fotografias,corres-pondência , libretosde peças teatrais e músicas , inúmeras  partituras e composições

impressas ,manuscritas,editadas e inéditas.Até onde se sabe ,este material não chegou a  ser consultado pelos  biógrafos anteriores da  maestrina muito preocupados em resgatar o  valor da compositora , mas também em  ocultar ou minimizar dados que depusessem contra a  imagem da mulher .

                                                 Exemplo  Feminino

 É por isso que passavam em em branco fatos como o  aparecimento do seu  " filho" João Batista Gonzaga - na verdade , João Batista Fernandes Lage , com o qual ela passou a viver a partir de 1902 . Ninguém sabia de onde, de qual ligação teria surgido esse rebento ,de cuja existência até ali nem os mais próoximos amigos da  maestrina suspeitavam . Ele tinha 16 anos na época ; ela  52 . Viveram juntos até a morte de  Chiquinha , num relacionamento  carinhoso e inseparável ; um amor que teve de  ser

ocultado dos olhos do público , mas que nem por isso deixou de adoçar os últimos 

anos da existência de  Chiquinha ( ela morreu com 87 anos, em 1935).


Além de oferecer um retrato de corpo inteiro da mulher  Chiquinha Gonzaga, Edinha Diniz situa muito bem - sem nunca cair em didatismos aborrecidos - a difícil época histórica em que ela trabalhou . Difícil ,sobretudo, porque a  música brasileira ainda estava em formação , não assumira as suas influências  negras, ou, como colocou  Mário de Andrade , " as características  raciais ainda lutavam muito com os elementos de importação (...). A gente surpreende nas suas obras de ( Chiquinha ) os elementos dessa luta como nenhum ouitro  compositor nacional . Parece que a sua  fragilidade feminina captou com  maior aceitação e tembém maior agudeza o sentido dos muitos caminhos em que se extraviava a nossa  música de então ". 


Edinha Diniz dá aos seus leitores uma síntese bem feita deste conflito; não romantiza em nehum momento a sua biografada, embora confesse que sentiu muita simpatia por ela; e, como escritora, oferece aos seus leitores um texto fluente e agradável.É verdade que existem nele alguns  pequenos sernões, como a utilização excessiva de palavras do jargão acadêmico, como "valorar ". Mas, enfim, na  onda de biografias ( muitas delas femininas ) que,invade atualmente as livrarias, Chiquinha Gonzaga,uma  História de Vida , cumpre uma função importantíssima . O( livro resgata, para a  nossa música , um dos seus nomes mais importantes ; e , para  as mulheres ,um exemplo de  coragem e  independência que merece ser conhecido.

Fonte - Jornal  Shopping  News - City News   - DCI - pág 3-B São Paulo  , 20 a 21 de outubro de  1991 -  Jornal da Semana 

Chiquinha Gonzaga  - Uma  História  de  Vida  - de  Edinha Diniz , como prefácio de  Muniz Sodré . Reedição da Editora Rosa dos Ventos , com 352 páginas 










                                                 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário sobre a postagem.