O sambista que tem o dom de fazer a festa
ENCONTROS DE DOMINGO Marquinhos de Oswaldo Cruz
Idealizador do Trem do Samba e da Feira das Yabás , o cantor e compositor , íntimo de bambas como Monarco , foi um dos responsáveis em 2003 pela retomada das tradicionais feijoadas da Portela , em Madureira
Entre uma gaiatice com Tia Surica , um dedo de prosa com Tantinho da Mangueira e a troca de dicas sobre o melhor linho para a beca com Monarco, Marquinhos de Oswaldo Cruz se move com desenvoltura em meio à realeza dos bambas . É familiaridade que vem desde a infância do menino nascido e criado na Zona Norte , onde esbarrava com a história do samba em todo canto. Mas que se tornou mais íntima depois de o cantor e o compositor virar o artífice de eventos que deram novo impulso ao subúrbio da Central.
Aos 55 anos , pode-se pôr na conta dele a participação decisiva para a recriação das feijoadas da Portela. E também festas como versão contemporânea do trem do Samba e a Feira das Yabás – que desde a última sexta-feira celebram, pelas ruas de Oswaldo Cruz ,o Dia Nacional do Samba e o centenário do gênero.Mas apesar de parecer um caminho até natural , tornar-se o sambista e agitador cultural que ele é hoje não foi tão simples. Os pais tentaram desanimá-lo da ideia .E, um dia ,ouviu da boca de um baluarte Manacéa , cliente da loja de material de construção em que Marquinhos era caixa , que samba não dava mesmo camisa.
- Nas primeiras rodas em que toquei, não podia nem voltar para casa depois, porque minha mãe não aceitava. Quantas vezes dormi no ônibus ? Ia e voltava no ônibus 261 ( Madureira -Praça Qinze ) várias vezes , até o dia seguinte – conta Marquinhos.
A formação do artista foi realmente lenta. Mas não tinha outro jeito: fazia tempo que o samba o seduzia . Se a Portela nasceu em Oswaldo Cruz e se mudou para Madureira, Marquinhos fez o contrário. Até 12 anos , ele viveu no bairro do Mercadão . Jogava bola num campinho ao lado da estação de trem de Magno, em Madureira . Em tempos de chumbo, sua imaginação de garoto via cinzentos os trens que desciam abarrotados para a cidade. Só se coloriam,diz ele,quando se aproximava carnaval, e o povo à tristeza batucando .
Foi no meio dos anos 70 que a família construiu uma casa na esquina das ruas Carolins Machado e Átila da Silveira,em Oswaldo crua .Era o endereço onde,anos atrás subiam as lonas do circo em que Paulo da Portela fez seu último show . Marquinhos,então,cresceria cercado por essa aura , e dela não conseguiria mais escapar.
PESQUISA SOBRE CANTORES
Por lá , toda festa acaba em samba , improvisado no balde ou na latinha. Ele estava no meio da grande Madureira ,de blocos e escolas que brilhavam na Avenida .A convivência era com Monarco Jair do Cavaquinho, Casquinha , Tia Doca...E logo o jovem compositor encontrou os que considera seu pais no samba : Manacéa – o mesmo que um dia lhe dera um banho de água fria – e Argemiro , outro portelense ilustre que também comprava na loja em que Marquinhos trabalhava.
Pego pela música , ele participava de rodas de partido-alto, enquanto mergulhava em pesquisas sobre os cantores mais velhos. Mas foi só adulto que Marcos Sampaio de Alcântara se transformou em Marquinhos de Oswaldo Cruz.E, no início dos anos 90 , passou a liderar movimentos pela valorização do bairro que carrega no nome.
- Oswaldo Cruz é como um Louvre , só que de bens culturais e imateriais. Mas, por causa da globalização , pequenos lugares com suas culturas vão morrendo. Era o que não podia acontecer com o bairro – diz ele.
Foi justamente para chamar a atenção dos moradores para a história do lugar que ele teve a ideia , em 1991, de criar o Pagode do Trem – em que mais tarde se transfor -maria no trem do Samba . A ideia era sair da Central até Oswaldo Cruz cantando sambas de raiz. Ele não sabia , mas revivia uma tradição de Paulo Portela nos anos 20. E o evento acabou se transformando numa das principais comemorações do Dia Nacional do samba.
- Na primeira edição, juntamos tudo que tínhamos no bairro , do samba ao afoxé. Desde então,já passaram pelo trem todos os grandes nomes: Dona Ivone Lara, Xangô da Mangueira, Luiz Carlos da Vila , Renatinho Partideiro, Walter Alfaiate...vangloria-se Marquinhos.
O SUBÚRBIO COMO INSPIRAÇÃO
No enredo que se desenvolveu desde então, os bairros do subúrbio sempre foram temática para ele. Uma de suas composições de maior sucesso ( “ Uma geografia popular “, em parceria com Edinho e Arlindo Cruz ) era um passeio de trem, de Deodoro à Central .
Ainda com essas cercanias do Rio como inspiração , em 2003 ele colocaria em prática outra ideia que movimentaria o subúrbio e levaria gente de todas partes a Madureira a retomada das feijoadas da Portela. A escola andava cabisbaixa e mal das pernas. Argemiro tinha acabado de morrer . O velório tinha sido na quadra .E,desses desalentos, surgiu a força para tentarfazer a azul e branca se reerguer.Logo encontrou o apoio de Tia Surica e da velha guarda . De cara, a quadra da Rua Clara Nunes lotou, com mais de 300 pessoas vestidas com as cores da escola.
Virou tradição nos fins de semana cariocas,assim como já se tornou a Feira das Yabás,levada desde 2008 para as imediações da Praça Paulo da Portela, em Oswaldo Cruz . Também tem samba e gastronomia popular. Só que,em vez de da feijoada, toda varie-dade de comidas brasileiras deorigem africana, para quem quiser chegar e experimentar.
- O samba tem esse segredo. Mais do que festa, é uma celebração aberta. Como nas casas de santo e nas casas das tias , não impoirtam as origens e as características das pessoas que vêm.Não se trata de tolerância , mas de respeito ÁS DIFERENÇAS . é ISSO QUE EU TRAGO PARA AS FESTAS QUE FAÇO - DIZ MARQUINHOS.
Fonte - Jornal O GLOBO - pág 30 - Rio
Domingo , 04/12/2016 - RAFAEL GALDO
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe seu comentário sobre a postagem.