sexta-feira, 3 de dezembro de 2021





 O  sambista  que  tem  o  dom  de  fazer  a  festa

ENCONTROS  DE  DOMINGO   Marquinhos de  Oswaldo  Cruz 

Idealizador do  Trem do Samba e da Feira das  Yabás , o cantor e compositor , íntimo de bambas como  Monarco , foi um dos responsáveis em 2003 pela retomada das  tradicionais feijoadas da  Portela , em Madureira 

Entre uma gaiatice com  Tia Surica , um dedo de prosa com  Tantinho da Mangueira e a troca de dicas sobre o  melhor linho para a beca com  Monarco, Marquinhos de Oswaldo Cruz se move com desenvoltura em meio à  realeza dos bambas . É familiaridade que vem desde a infância do menino nascido e criado na  Zona Norte , onde esbarrava com a  história do samba em todo canto. Mas que se tornou mais íntima depois de o  cantor e o compositor virar o  artífice de eventos que deram novo impulso ao  subúrbio da Central.

Aos 55 anos , pode-se pôr na conta dele a  participação decisiva para a recriação das feijoadas da Portela. E também festas como versão contemporânea do  trem do Samba e a Feira das Yabás – que desde a última sexta-feira celebram, pelas ruas de  Oswaldo Cruz ,o Dia Nacional do Samba e o centenário do gênero.Mas apesar de parecer um caminho até natural , tornar-se o  sambista e  agitador cultural que ele é hoje não foi tão simples. Os pais tentaram desanimá-lo da ideia .E, um dia ,ouviu da  boca de um baluarte  Manacéa , cliente da loja de material de construção em que  Marquinhos era caixa , que  samba não dava mesmo camisa.

- Nas primeiras rodas em que toquei, não podia nem voltar para casa depois, porque minha mãe não aceitava. Quantas vezes dormi no ônibus ? Ia e voltava no ônibus 261 ( Madureira -Praça Qinze ) várias vezes , até o dia seguinte – conta Marquinhos.

A formação do artista foi realmente lenta. Mas não tinha outro jeito: fazia tempo que o  samba o  seduzia . Se a  Portela nasceu em  Oswaldo Cruz e se mudou para  Madureira, Marquinhos fez o contrário. Até 12 anos , ele viveu no bairro do Mercadão . Jogava bola num campinho ao lado da  estação de trem de Magno, em Madureira . Em tempos de chumbo, sua imaginação de garoto via cinzentos os trens que desciam abarrotados para a cidade. Só se coloriam,diz ele,quando se aproximava carnaval, e o povo à  tristeza batucando . 

Foi no meio dos  anos 70 que a família construiu  uma casa na esquina  das ruas  Carolins Machado e Átila da Silveira,em Oswaldo crua .Era o endereço onde,anos atrás subiam as  lonas do  circo em que  Paulo da Portela fez seu  último show . Marquinhos,então,cresceria cercado por  essa aura , e dela não conseguiria mais escapar.

PESQUISA  SOBRE CANTORES 

Por lá , toda festa acaba em samba , improvisado no  balde ou na latinha. Ele estava no meio da  grande Madureira ,de blocos e escolas que brilhavam na Avenida .A convivência era com Monarco Jair do Cavaquinho, Casquinha , Tia Doca...E logo o  jovem compositor encontrou os que considera seu pais no  samba : Manacéa – o mesmo que um dia lhe dera um banho de água fria – e Argemiro , outro  portelense ilustre que também comprava na loja em que Marquinhos trabalhava.

Pego pela música , ele participava de  rodas de  partido-alto, enquanto mergulhava em pesquisas sobre os cantores mais velhos. Mas foi só adulto que Marcos Sampaio de Alcântara se transformou em  Marquinhos de Oswaldo Cruz.E, no início dos anos 90 , passou a liderar movimentos pela  valorização do bairro que carrega no nome.

- Oswaldo Cruz é como um Louvre , só que de  bens culturais e imateriais. Mas, por causa da globalização , pequenos lugares com suas culturas vão morrendo. Era o que não podia acontecer com o bairro – diz ele.

Foi justamente para chamar a atenção dos moradores para a  história do lugar que ele teve a ideia , em 1991, de criar o  Pagode do Trem – em que mais tarde se transfor -maria no  trem do Samba . A ideia era sair da  Central até Oswaldo Cruz cantando  sambas de raiz. Ele não sabia , mas revivia uma  tradição de  Paulo Portela nos anos 20. E o evento acabou se transformando numa das principais  comemorações do  Dia Nacional do samba.

- Na primeira edição, juntamos tudo que tínhamos no bairro , do samba ao afoxé. Desde então,já passaram pelo trem todos os grandes nomes: Dona Ivone Lara, Xangô da Mangueira, Luiz Carlos da Vila , Renatinho Partideiro, Walter Alfaiate...vangloria-se  Marquinhos. 

O  SUBÚRBIO  COMO  INSPIRAÇÃO 

No  enredo que se desenvolveu desde então, os bairros do subúrbio sempre foram temática para ele. Uma de suas composições de maior sucesso ( “ Uma geografia popular “, em parceria com  Edinho e Arlindo Cruz ) era um passeio de trem, de  Deodoro à Central .

Ainda com essas cercanias do  Rio como  inspiração , em 2003 ele colocaria  em prática outra ideia que movimentaria o subúrbio e levaria  gente de todas partes a Madureira a retomada das feijoadas da  Portela. A escola andava cabisbaixa e mal das pernas. Argemiro tinha acabado de morrer . O velório tinha sido na quadra .E,desses desalentos, surgiu a força para tentarfazer a azul e branca se reerguer.Logo encontrou o apoio de  Tia Surica e da velha guarda . De cara, a quadra  da Rua Clara Nunes lotou, com mais de 300 pessoas vestidas com as cores da escola.

Virou tradição nos fins de semana cariocas,assim como já se tornou a Feira das Yabás,levada desde 2008 para as imediações da Praça Paulo da Portela, em Oswaldo Cruz . Também tem samba e gastronomia popular. Só que,em vez de da feijoada, toda varie-dade de comidas  brasileiras deorigem africana, para quem quiser chegar e experimentar.

- O  samba tem esse segredo. Mais do que festa, é uma celebração aberta. Como nas casas de santo e nas casas das tias , não impoirtam as origens e as características das pessoas que vêm.Não se trata de tolerância , mas de respeito ÁS DIFERENÇAS . é ISSO QUE EU TRAGO PARA AS FESTAS QUE FAÇO - DIZ MARQUINHOS.


Fonte - Jornal  O GLOBO - pág 30 -  Rio

Domingo , 04/12/2016 - RAFAEL  GALDO


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