Assim como o idioma , a organização política e a religião externa brasileira foi uma herança portuguesa . Em 1824 , o Império contraiu um empréstimo de 3,7 milhões de libras esterlinas , em grande parte para saldar dívidas de Portugal , de forma que este reconhecesse nossa Inde-pendência . Cinco anos depois , um novo financiamento veio da Inglaterra , desta vez para pagar as parcelas do empréstimo anterior .Como os bancos que emprestavam eram os credores da dí- vida mais antiga , uma boa parte dos recursos ficava lá mesmo . A Guerra do Paraguai ( 1864-1870 ) representou um forte aumento nas despesas do Império , implicando um endividamento maior com os bancos ingleses .
Nem todas as dívidas brasileiras nasceram de contas alheias ou guerras . O endividamento externo da pre- feitura de São Paulo , por exemplo , começou em 1913 , com um empréstimo de 750 mil libras tomado junto à Inglaterra para a construção do Viaduto de Santa Ifigênia .
Empréstimos externos foram usados também na industrialização do país – alguns deles arrancados a duras penas .Em 10 de junho de 1940 , diante da reticência norte-americana em conceder um em préstimo de até US$ 20 milhões para a construção da Companhia Siderúrgica Nacional , o presidente Getúlio Vargas fez um discurso atacando duramente o liberalismo . A fala , inter-pretada como um flerte com o nazi fascismo , rendeu elogios de Benito Mussolini e preocupou o governo de Whashington .A estratégia deu certo pouco mais de três meses depois , o Export – Import Parte Bank ( Eximbank ) dos EUA anunciou a liberação dos US$ 20 milhões pretendidos .
Parte dos muitos empréstimos externos contratados pelo governo e por empresas do Brasil ao longo dos anos 60 e 70 teve como destino obras de infraestrutura , como usinas hidrelétricas e nucleares , aero-portos e estradas .A prática continua hoje . O Programa de despoluição da Baía de Guanabara , iniciado em 1994 , previa um financiamento de US$ 350 milhões do Banco (BID ) e de US$ 237 milhões do Banco Japonês para a Cooperação Internacional ( JBIC ) >
Fonte - Revista Nossa História pág 51 Outubro de 2005
Devo , não nego ...
A dívida externa assombra a economia brasileira desde 1860 , estimulada por osciações na balança comercial e por empréstimos arriscados , levando dois governos à moratória
Em telex enviado aos bancos comerciais estrangeiros , em 20 de fevereiro de 1987 , o governo brasileiro, então pelo presidente José Sarney , comunicou qua a partir daquela data estavam suspensos os pagamentos referentes aos juros da dívida externa privada de médioe e longo porazo, por período indeterminado . Não foi a primeira vez que o Brasil adotou esse procedimento drástico - a moratória . Em novembro de 1937 , Getúlio Vargas tomou a mesma providência . Anteriormente ,em 1898 , 1914 , 1931 e 1934 , embora não se tenha declarado moratória , chegou-se muito perto dela . Por que , em todos esses momentos , nossa dívida externa se transformou num fardo insustentável para o país ?
" Hi, hip, hurra " ! Campos Sales ,presidente que seria responsável pela primeira rene-gociação da dívida externa brasileira na República , chega ao Rio de Janeiro ovacionado em 1898 , com seus " projetos financeiros " .
Ela começou a crescer a partir da década de 1860 , e muito mais velozmente na de 1880 . Essa mudança de ritmo , no final do século XIX foi ditada sobretudo pelo financiamento das oscilações dos preços do café . Com a queda dos seus preços , as exportações caíra , invibializando a continuidade do pagamento dos encargos da dívida externa No final de 1898 , Joaquim Murtinho , ministro da Fazenda do governo Campos Salles ( 1898 - !902 ) , negociou com os credores um refinanciamento da dívida externa ( fun ding loan ) em troca de medidas de saneamento financeiro e fiscal . Mas novos problemas iriam surgir . Em 1913 , uma crise mundial provocou forte baixa dos preços dos produtos agrícolas , inclusive do café , que prosseguiu até 1915 .
A dívida voltaria a aumentar mais rapidamente a partir de 1926 .O governo Washin-gton Luiz ( 1926 - 1930 ) decidiu então aderir novamente ao padrão - ouro , que implicaria a manuntenção de uma taxa de câmbio fixa. Com a redução dos superàvitscomerciais , surgia a necessidade de contrair novos empréstimos para manter constante o valor da moeda nacional . Entretanto , o fantasma de 1913 voltaria a assombrar a economia brasileira ,agora com uma intensidade redobrada .A dívida externa , no período 1926 - 1930 , cresceu a uma velocidade jamais atingida nas décadas anteriores .A recessão mundial iniciada em 1929 provocou uma der- rubada nos preços de produtos primários , levando nossas exportações , de um pico de US$ 497 milhões em 1925 , para US$ 179 milhões , em 1932 .
Como não havia ainda , naquela ocasião , instituições voltadas para a solução de dificuldades de balanço de pagamentos , o jeito foi seguir negociando com o principal credor , isto é , os Estados Unidos . Com o agravamento da situação política internacional , devido aos sinais cada vez mais claros de que haveria um conflito armado na Europa , e a posição ambígua de Vargas frente ao fortalecimento do movimento inte-gralista ( de inspiração fascista ) , os Estados Unidos não desejavam aumentar a tensão nas relações polí-ticas com o Brasil . Percebendo essa oportunidade, Vargas declarou a moratória . Tal atitude forçou uma renegociação mais favorável , ao menos para os anos seguintes .Concluída em 1943 , resultou numa for- te redução da dívida . Como ,nesse momento , as exportações cresciam velozmente e já haviam retomado os níveis anteriores à crise de 1929 , a relação dívida / exportações continuou a cair rapidamente .
Entre e 1952 o Brasil não recebeu um só centavo de empréstimos novos , o que constituiu uma outra causa para a redução da relação entre dívida e exportações . Mas ,em 1951 , ainda com a taxa de câmbio fixa , o controle sobre as importações adotado em 1947 foi relaxado , causando um salto nos valores importados e um déficit no balanço de pagamentos , que se prolonnngou até 1952 . Essa situação foi sanada , em parte , a desvalorização cambial adotada em 1953 - que reduziu as importações - e em parte com a retomada de empréstimos internacionais , principalmente junto ao Eximbank , dos Estados Uniidos, e ao Banco Mundial .
Esses empréstimos faziam parte de um programa mais amplo , desenvolvido pela Comissão Mista do Brasil - Estados Unidos . Ele visava identificar obstáculos ao desenvolvimento econômico brasileiro e financiar importações de máquinas e equipa-mentos . Entretanto , com a vitória nas eleições do general Eisenhower , que assumiu a Presidência dos Estados Unidos em 1953 , esses projetos ficaram tempora-riamente adiados , já que sua política externa deu menos prioridade à América Latina . Ainda assim , entre 1954 e 1960 , a dívida externa brasileira cresceu a um ritmo extremamente veloz , para fazer face aos elevados déficits em conta corrente.
A relação dívida / exportações , que havia caído para 0,3 em 1951 , subiu então para 2,9 em 1962 , principalmente em razão de investimentos iniciados durante o governo JK .
A primeira metade da década de 1960 foi marcada por fortes convulsões políticas :a renúncia de Jânio Quadros em 1961 , a experiência parlamentarista entre 1961 e 1963 , e o golpe civil - militar , em 1964 . Nesse cenário ,a credibilidade e a capacidade do país de contrair novas dívidas foram severamente afetadas . A partir de 1969 ,começou um período de crescimento exponencial da dívida externa , que só se encerraria em 1987 . Diversos fatores tornaram isso possível : a estabilidade política , que , até 1985 , ao custo de um regime autoritário ; a manutenção de um ambiente favorável ao capital estrangeiro , sem riscos de inter-rupção ou suspensão de remessas de divisas ,ao contrário do que já havia ocorrido , no passado ; e final-mente um cenário internacional favorável ,até 1973 , que permitiu um forte aumento das exportações , aliado a uma grande liquidez internacional . Em consequência , entre1969 e 1975 , apesar do aumento da dívida externa , a relação dívida / exportações permaneceu relativamente estável .
A dívida não teria crescido nesse período , no entanto , se não houvesse uma desicão , por parte do governo ou de empresários privados , de contrair emprétimos em valores cada vez mais elevados . Os anos 1968- 1973 ( governos Costa e Silva e Médici ) são conhecidos como o período do " milagre econômico " . O crescimento , de 11% anuais em média ( contra os 3% dos últimos dez anos ) , foi o mais rápido da história do país . Por outro lado acarretou , em parte , uma elevação dos gastos com serviços e rendas ao exterior , como fretes e viagens internacionais , juros , lucros e dividendos . Além disso , houve a decisão , por parte do governo federal , de aproveitar o cenário internacional favorável e aumentar as reservas internacionais até um patamar tal que a relação entre as reservas e as importações ficasse próxima a níveis - aceitos internacional - mente ..
O resultado foi o aumento da dívida-externa ,de cerca de US$ 4 bilhões , em 1968 , para US$ 20 bilhões , em 1974 . Esse aumento decorreu , em parte , em razão de captação de empréstimos internacionais por empresas estatais - Eletrobrás , Furnas , CSN , Usiminas e outras - para a realização de novos investi - mentos . Mas a principal razão foi o aumento de empréstimos em moeda tomados por bancos comeciais no exterior e repassados a empresas privadas domesticamente .
Parece claro , entretanto , que , à medida que a dívida crescia , os gastos com juros e amortização aumen-tavam . essas saídas de divisas acarretavam , por sua vez , necessidade de novos empréstimos . Durante certo tempo ,enquanto o crescimento da dívida aompanhava o crescimento das exportações , essa dinâ-mica funcionou a contento .Contudo , a partir de 1974/75 , a relação entre a dívida e as exportações voltou a crescer de forma explosiva . Na sequência da guerra envolvendo os países árabes e Israel , a OPEP ( Organização dos Países Exportadores de Petróleo ) decidira triplicar os preços do petróleo em 1973 , seguido pelo segundo , em 1979 , aumentaram fortemente as importações e o déficit comercial . Como o governo Geisel encarou , ao menos inicialmente , a elevação dos preços do petróleo como um fenômeno transitório , foi tomada a decisão de , ao invés de restringir o crescimento econômico e as importações , fiunaciar o aumento do déficit externo . Com isso , a dívida externa saltou dos US$ 20 bilhões , em 1974 , para US$ 64 bilhões , em 1980 .
No caminho , uma outra mudança do cenário internacional iria atingir mortalmente a estratégia de continu-idade do endividamento externo . Em 1979 , o Banco Central dos Estados Unidos elevou dramaticamente a taxa de juros ,com o propósito de debelar a inflação naquele país .Os países endividados , que já estavam enfrentando as consequências do segundo choque do petróleo , se viram obrigados a contrair em - valores cada vez mais altos , apenas para fazer face aos crescentes , compromissos da dívida externa .
O maior endividamento significava que os países devedores , especialmente os maiores , como o Brasil , México e Argentina , passavam a representar riscos cada vez maiores para os bancos internacionais , o que contribuiu para elevar ainda mais as taxas de juros cobrados nos novos empréstimos .Em 1982 , o México declarou moratória de sua dívida externa , precipitando uma das maiores crises enfrentadas pelos países em desenvolvimento , no século XX .
Nesse momento , a concessão , aos países em desenvolvimento , dos chamados em- voluntários , assim chamados porque eram negociados voluntariamente nos mercados financeiros , foi paralisada . Foi subs- tituída por operações compulsórias , coordenadas por comitês dos principais bancos credores pelo Fundo Monetário Internacional . Entre 1982 e 1987 , o governo brasileiro negociou os compromissos referentes à dívida externa para o ano em curso .Ocorre que , em 1986 , devido ao aumento do consumo provocado pelo Plano Cruzado o superávit comercial caiu fortemente . A relação dívida externa / exportações atingiu cinco vezes , praticamente o mesmo nível observado em 1932 . A encontrada pelo governo Sarney ( 1985 - 1990 ) foi decretar , em fevereiro de 1987 , a referente aos da dívida privada ( suspensa em janeiro de 1988 ) , com o de forçar um rescalonamento da em condições mais vantajosas .
A renegociação durou de 1998 a 1992 e foi concluída com um acordo que englobou toda a dívida externa privada , com a emissão de novos títulos da dívida com prazos bastante longos , no âmbito do chamado Plano Brady ( nome do ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos ) , que visou estabelecer critérios para a reestruturação da dívida externa de todos os países em desenvolvimento . Após a conclusão do acordo o Brasil pôde , finalmente obter empréstimos e financiamentos , de forma voluntária, no mercado financeiro internacional . Com isso , a dívida externa saltou de US$ 145 bilhões em 1993 para US$ 242 bilhões em 1998 .Mas uma nova crise iria se abater sobre os países emergentes . Em 1997 , os países do Sudeste asiá- tico experimentaram uma crise de balanço de pagamentos que se espalhou rapidamente , afetando todos os demais países emergentes , chegando , no ano seguinte , até a Rússia . Ao mesmo tempo , parte por causa da abertura comercial realizada na primeira metade da década de 1990 , parte pela valorização do real regis-trada a partir de 1994 , as importações brasileiras aumentaram fortemente entre 1990 e 1998 ,transformando os megas super-ávits comerciais da década de 1980 em grandes déficits , a partir de 1995 .
No início de 1998 , o furacão especulativo atingiu o Brasil , que insistia em manter a taxa câmbio fixa com relação ao dólar .Os fluxos externos de capitais começam a escassear a partir de maio , sendo cobertos pela queima de reservas internacionais . Finalmente , ainda naquele ano , foi montado um pacote internacional de salvamento do Brasil e , no início de 1999 , a taxa de câmbio passou a flutuar .
Desde então a situação , tanto externa quanto interna , alterou-se substancialmente . As condiçoes para a obtenção de empréstimos internacionais melhoraram bastante com a redução das taxas de juros nos prin-cipais mercados financeiros internacionais ,que chegaram aos menores níveis em décadas , apesar de uma elevação no primeiro trimestre de 2005 . o Brasil passou a contar também com outras fontes externas de financiamento , especialmente entre 1996 e 2001 . Em terceiro , a dívida externa , após atingir um máximo no final de 2003 , passou a declinar , na medida em que muitas empresas têm preferido não renovar os empréstimos externos .Finalmente , as exportações têm aumentado velozmentew nos últimos anos .Dessa forma , a relação dívida/exportações vem declinando sistematicamente desde 1999 para atingir o nível de 2,3 vezes , o mesmo obtido em 1970 .
A conclusão é de que ,após representar um enorme problema para a economia brasileira desde o final do século XIX , tendo sido causa de diversos estrangulamentos do processo de crescimento econômico ,a dívida externa vem reduzindo seu tamanho e tudo indica que , ao menos até onde a vista alcança , deixou daqui para a frente , mantê-la , como hoje , em níveis sustentáveis , isto é , cujos gastos com juros e amortizações não representem valores que excedam nossa capacidade de pagamento .
Fonte - Revista NOSSA HISTÓRIA - págs 45 até a 50 Outubro de 2005 - Marcelo José Braga Nonnenberg