sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Dívida para pagar a dívida




Assim como o  idioma , a  organização política e a  religião externa brasileira  foi uma  herança portuguesa . Em 1824 , o Império contraiu um  empréstimo de  3,7  milhões de  libras esterlinas , em grande parte  para  saldar  dívidas de  Portugal , de  forma que este  reconhecesse  nossa Inde-pendência  . Cinco anos depois , um novo financiamento veio da Inglaterra , desta vez para pagar  as  parcelas do empréstimo anterior .Como os  bancos que  emprestavam eram os  credores da dí- vida mais antiga , uma  boa parte dos recursos ficava lá mesmo . A  Guerra do Paraguai  ( 1864-1870 ) representou  um forte aumento  nas  despesas do Império , implicando um  endividamento maior  com os bancos ingleses .

Nem todas as  dívidas brasileiras nasceram de contas  alheias ou  guerras . O  endividamento  externo da pre- feitura de São Paulo , por exemplo , começou em 1913 , com um empréstimo de 750  mil libras tomado junto à  Inglaterra para a  construção do  Viaduto de  Santa Ifigênia  .

Empréstimos externos foram usados também na  industrialização do país  –  alguns deles  arrancados a  duras penas .Em 10 de junho de 1940 , diante da  reticência  norte-americana em  conceder um  em préstimo de até US$  20  milhões para a  construção da  Companhia  Siderúrgica  Nacional , o presidente Getúlio Vargas  fez  um discurso atacando duramente o  liberalismo . A  fala , inter-pretada  como um flerte  com o  nazi fascismo , rendeu  elogios de  Benito  Mussolini  e preocupou o  governo de  Whashington .A estratégia deu certo pouco mais de  três  meses depois , o Export  –  Import Parte Bank  ( Eximbank ) dos  EUA  anunciou  a  liberação dos  US$ 20 milhões  pretendidos . 

Parte dos muitos empréstimos externos  contratados  pelo governo e por  empresas do  Brasil ao  longo dos  anos  60 e  70 teve  como  destino  obras de  infraestrutura , como  usinas  hidrelétricas e  nucleares , aero-portos e estradas  .A prática  continua  hoje . O Programa  de  despoluição da  Baía de  Guanabara , iniciado em 1994  , previa um  financiamento de  US$ 350 milhões do Banco (BID ) e de US$ 237 milhões do Banco Japonês para a  Cooperação Internacional  ( JBIC ) > 

Fonte  - Revista  Nossa  História  pág 51                                                                                            Outubro de  2005 



 


Devo , não  nego ...

A  dívida  externa  assombra a  economia  brasileira  desde 1860 , estimulada  por  osciações  na  balança comercial e por  empréstimos  arriscados , levando dois governos à  moratória 

Em telex enviado aos  bancos comerciais estrangeiros , em  20 de  fevereiro de 1987 , o governo brasileiro, então pelo presidente José Sarney , comunicou qua a partir daquela data estavam  suspensos os pagamentos referentes aos  juros da  dívida externa privada de médioe e  longo porazo, por período indeterminado . Não foi a primeira vez que o  Brasil  adotou esse procedimento drástico - a  moratória . Em novembro de 1937 , Getúlio Vargas tomou a  mesma providência . Anteriormente ,em 1898 , 1914 , 1931 e 1934 , embora  não se  tenha  declarado moratória , chegou-se  muito perto dela . Por que , em todos esses momentos , nossa dívida externa se  transformou num  fardo insustentável  para  o país ? 

" Hi, hip, hurra " ! Campos Sales ,presidente que seria responsável pela primeira rene-gociação da  dívida externa  brasileira  na República , chega ao  Rio de Janeiro  ovacionado em 1898 , com seus  " projetos financeiros " .

Ela começou a  crescer a partir da  década de 1860 , e muito mais velozmente na de  1880 . Essa  mudança de ritmo , no final  do século XIX  foi ditada  sobretudo pelo  financiamento das  oscilações dos preços do café .  Com a queda dos  seus  preços , as exportações caíra , invibializando a  continuidade do pagamento dos encargos da dívida externa   No final de  1898 , Joaquim Murtinho , ministro da Fazenda do  governo  Campos  Salles ( 1898 - !902 ) , negociou  com os  credores um  refinanciamento da  dívida externa  ( fun ding loan ) em  troca de  medidas  de saneamento financeiro e  fiscal . Mas  novos  problemas iriam surgir .  Em 1913 , uma crise mundial provocou  forte baixa  dos preços dos  produtos  agrícolas , inclusive do café , que prosseguiu até 1915 .

A dívida voltaria a aumentar mais  rapidamente a partir de 1926 .O governo Washin-gton Luiz ( 1926 - 1930 ) decidiu então aderir novamente ao  padrão - ouro , que implicaria a manuntenção de uma taxa de  câmbio fixa. Com a redução dos  superàvitscomerciais , surgia a  necessidade de contrair novos empréstimos para manter  constante o valor da  moeda  nacional . Entretanto , o fantasma  de  1913  voltaria a  assombrar a economia brasileira ,agora com uma  intensidade redobrada .A dívida externa , no período 1926 - 1930 , cresceu a uma  velocidade jamais atingida nas  décadas anteriores .A recessão mundial iniciada em  1929  provocou uma der- rubada nos preços de produtos primários , levando nossas exportações , de um pico de US$ 497 milhões em  1925 , para US$ 179 milhões , em 1932 .

Como não havia ainda , naquela ocasião , instituições voltadas para a  solução de dificuldades de balanço de pagamentos , o  jeito  foi  seguir  negociando com o principal credor , isto é , os  Estados  Unidos . Com o  agravamento da situação política internacional  , devido aos sinais  cada vez mais  claros de que haveria  um  conflito armado na  Europa , e  a posição ambígua de  Vargas frente ao  fortalecimento do movimento inte-gralista ( de inspiração fascista ) , os Estados Unidos não desejavam aumentar a  tensão nas  relações polí-ticas com o Brasil . Percebendo essa oportunidade, Vargas  declarou a  moratória . Tal atitude forçou uma  renegociação  mais  favorável , ao menos para os  anos seguintes .Concluída  em 1943 , resultou numa for-    te redução da  dívida . Como ,nesse momento , as exportações cresciam  velozmente e já haviam retomado os  níveis anteriores à  crise de 1929 , a relação dívida / exportações continuou a  cair rapidamente . 

Entre  e 1952 o  Brasil não recebeu um só  centavo de  empréstimos  novos , o que  constituiu  uma outra  causa para a redução da relação entre dívida e  exportações . Mas ,em 1951 , ainda com a taxa de câmbio fixa , o controle sobre as  importações adotado em  1947  foi relaxado , causando um  salto  nos  valores importados e  um déficit no  balanço de  pagamentos , que se prolonnngou  até  1952 . Essa situação  foi sanada , em parte , a desvalorização cambial adotada em  1953 - que reduziu as  importações - e em parte com a  retomada de empréstimos internacionais , principalmente junto ao Eximbank , dos  Estados Uniidos,    e ao  Banco Mundial . 

Esses  empréstimos  faziam parte de um  programa mais amplo , desenvolvido  pela  Comissão  Mista do  Brasil  -  Estados Unidos . Ele visava  identificar obstáculos  ao  desenvolvimento econômico brasileiro e financiar importações de máquinas e equipa-mentos . Entretanto , com a  vitória  nas eleições do general  Eisenhower , que  assumiu a Presidência dos  Estados Unidos em  1953 , esses projetos ficaram  tempora-riamente adiados , já que sua  política  externa deu  menos  prioridade à  América Latina . Ainda  assim ,    entre 1954 e 1960 , a dívida externa brasileira cresceu a um  ritmo extremamente veloz , para fazer face      aos elevados déficits em  conta corrente. 

A relação dívida / exportações ,  que havia  caído para  0,3 em  1951 , subiu então para 2,9 em  1962 , principalmente em razão de  investimentos iniciados durante o  governo  JK . 

A  primeira metade da década de  1960 foi marcada por fortes convulsões políticas :a  renúncia de  Jânio Quadros em  1961 , a  experiência parlamentarista entre  1961 e 1963 , e o  golpe civil - militar , em 1964 . Nesse cenário ,a credibilidade e a capacidade do país de contrair  novas dívidas foram severamente afetadas . A  partir de 1969 ,começou um período de crescimento exponencial da dívida externa , que  só se encerraria em  1987 . Diversos fatores tornaram isso possível : a  estabilidade  política , que , até 1985 , ao custo de um  regime autoritário ;  a  manutenção de um  ambiente  favorável ao  capital  estrangeiro , sem riscos de  inter-rupção ou  suspensão de  remessas de divisas ,ao contrário do que já havia ocorrido , no passado ; e final-mente um cenário internacional favorável ,até 1973 , que permitiu um  forte aumento das exportações , aliado  a uma  grande liquidez internacional . Em consequência , entre1969 e 1975 , apesar do aumento da  dívida externa , a relação dívida / exportações permaneceu relativamente estável . 

A dívida não teria crescido nesse período , no entanto , se não houvesse uma  desicão , por parte do governo ou de  empresários privados , de contrair emprétimos em  valores cada  vez  mais  elevados . Os  anos 1968- 1973 ( governos Costa e Silva e Médici ) são  conhecidos como o período  do  "  milagre econômico " . O crescimento , de 11%  anuais em média ( contra os 3% dos últimos dez anos ) , foi o mais rápido da  história do país . Por outro  lado acarretou , em parte , uma  elevação dos  gastos com serviços e rendas ao exterior , como fretes e  viagens internacionais , juros , lucros e dividendos . Além disso , houve a decisão , por parte do governo federal , de aproveitar o  cenário internacional favorável e aumentar as reservas internacionais até  um  patamar tal que a relação entre as reservas e as importações ficasse próxima a níveis - aceitos  internacional - mente ..

O resultado foi o aumento da  dívida-externa ,de cerca de  US$ 4 bilhões , em 1968 , para  US$  20  bilhões , em  1974 . Esse aumento  decorreu , em  parte , em razão de captação de  empréstimos  internacionais por empresas estatais  -  Eletrobrás , Furnas , CSN , Usiminas  e outras -  para a  realização de  novos  investi - mentos . Mas a principal razão foi o aumento de  empréstimos em  moeda tomados por bancos comeciais no exterior e repassados a  empresas privadas domesticamente .

Parece claro , entretanto , que , à medida que a  dívida crescia , os gastos com  juros e amortização aumen-tavam . essas saídas de divisas  acarretavam , por sua vez ,  necessidade de  novos empréstimos . Durante certo tempo ,enquanto  o  crescimento da  dívida aompanhava o crescimento das  exportações , essa dinâ-mica funcionou a contento .Contudo , a partir de 1974/75 , a relação entre a  dívida e as  exportações voltou  a crescer de  forma  explosiva . Na sequência da  guerra  envolvendo os  países árabes e  Israel , a  OPEP      ( Organização dos  Países Exportadores de Petróleo ) decidira triplicar os  preços  do  petróleo em  1973 , seguido pelo segundo , em 1979 , aumentaram  fortemente as   importações  e o déficit comercial . Como  o  governo Geisel encarou , ao menos inicialmente , a  elevação dos preços do  petróleo como um  fenômeno transitório , foi tomada a  decisão de , ao invés de restringir o  crescimento econômico e as  importações , fiunaciar o aumento do déficit externo . Com isso , a dívida externa saltou dos  US$ 20 bilhões , em 1974 , para  US$ 64 bilhões , em 1980 .

No caminho , uma outra mudança do cenário  internacional  iria atingir  mortalmente a estratégia de continu-idade do  endividamento externo . Em 1979 , o  Banco Central dos  Estados Unidos elevou dramaticamente  a  taxa de juros ,com o propósito de debelar a inflação  naquele país .Os países endividados , que já estavam enfrentando as  consequências do  segundo choque do  petróleo , se  viram obrigados a  contrair em - valores cada  vez mais altos , apenas para fazer face aos  crescentes , compromissos da  dívida externa .

O  maior  endividamento significava que  os  países  devedores , especialmente os  maiores , como o  Brasil , México e Argentina , passavam a representar  riscos  cada vez  maiores  para  os  bancos  internacionais , o que contribuiu  para  elevar ainda mais as  taxas de  juros cobrados nos  novos empréstimos .Em  1982 , o México declarou moratória de  sua dívida externa , precipitando uma das  maiores crises  enfrentadas pelos  países em  desenvolvimento , no  século  XX .

Nesse momento , a concessão , aos países em  desenvolvimento , dos chamados em- voluntários , assim chamados porque eram  negociados voluntariamente nos  mercados  financeiros  , foi paralisada . Foi subs- tituída  por operações compulsórias , coordenadas por comitês dos  principais bancos credores pelo  Fundo Monetário Internacional . Entre 1982 e 1987 , o governo brasileiro negociou os compromissos referentes à  dívida  externa para o ano em  curso .Ocorre que , em 1986 , devido ao aumento do consumo provocado pelo Plano Cruzado o superávit comercial caiu fortemente . A relação dívida externa  / exportações  atingiu  cinco vezes , praticamente o mesmo nível observado em  1932 . A encontrada pelo governo  Sarney ( 1985 - 1990 )  foi  decretar , em fevereiro de  1987 , a referente aos  da dívida privada  ( suspensa em janeiro de 1988 ) , com o de  forçar um  rescalonamento da  em  condições  mais  vantajosas . 

A  renegociação durou de 1998 a 1992  e foi concluída com um  acordo que englobou toda a dívida externa privada , com a emissão de  novos  títulos da  dívida com  prazos bastante  longos , no  âmbito do chamado  Plano Brady ( nome do ex-secretário do Tesouro dos  Estados Unidos ) , que visou estabelecer critérios para a reestruturação da  dívida externa de todos os  países em  desenvolvimento . Após a  conclusão do acordo o  Brasil  pôde , finalmente obter  empréstimos e  financiamentos , de  forma  voluntária, no mercado  financeiro internacional . Com isso , a dívida externa  saltou de  US$ 145  bilhões em 1993 para  US$ 242  bilhões em  1998 .Mas uma  nova crise iria se abater sobre os países emergentes . Em 1997 , os países do Sudeste asiá- tico experimentaram uma  crise de  balanço de pagamentos que se espalhou  rapidamente , afetando todos os demais países emergentes , chegando ,  no ano seguinte , até a  Rússia . Ao mesmo tempo , parte por causa da abertura comercial realizada na  primeira metade da década de  1990 , parte  pela valorização do  real regis-trada a  partir de  1994 , as importações brasileiras aumentaram fortemente entre 1990 e 1998 ,transformando os  megas super-ávits comerciais da  década de 1980 em  grandes déficits , a partir de 1995 .

No início de  1998 , o  furacão especulativo atingiu o  Brasil , que insistia em  manter a  taxa  câmbio fixa com relação ao dólar .Os  fluxos externos de capitais começam a escassear a partir de maio , sendo cobertos pela  queima de  reservas internacionais . Finalmente , ainda naquele ano , foi  montado um pacote internacional de  salvamento do  Brasil e , no  início de 1999 , a  taxa de câmbio passou a  flutuar . 

Desde então a  situação , tanto externa quanto interna , alterou-se  substancialmente . As condiçoes para a obtenção de  empréstimos internacionais melhoraram bastante com a redução das taxas de juros nos prin-cipais mercados financeiros internacionais ,que chegaram aos  menores níveis em décadas , apesar de uma  elevação no primeiro trimestre de 2005 . o  Brasil passou a  contar também com outras  fontes externas de  financiamento , especialmente entre  1996 e 2001 . Em terceiro , a  dívida externa , após atingir  um máximo no  final de 2003 , passou  a declinar , na  medida em que muitas empresas têm  preferido não  renovar os  empréstimos externos .Finalmente , as  exportações têm aumentado velozmentew nos  últimos anos .Dessa forma , a relação  dívida/exportações vem  declinando sistematicamente desde 1999 para  atingir o nível de  2,3 vezes , o  mesmo obtido em  1970 . 

A conclusão é de que ,após representar um enorme problema para a economia brasileira desde o  final do  século XIX , tendo sido  causa de  diversos  estrangulamentos do processo de  crescimento econômico ,a  dívida externa vem reduzindo seu  tamanho e tudo indica que , ao  menos até onde a  vista alcança , deixou  daqui  para a frente ,  mantê-la , como hoje , em  níveis  sustentáveis ,  isto é , cujos  gastos  com  juros e amortizações não  representem  valores que excedam  nossa capacidade de pagamento .

Fonte  -  Revista  NOSSA  HISTÓRIA  -  págs  45 até a  50                                                              Outubro de  2005  - Marcelo  José  Braga  Nonnenberg 






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