Com café , restaurante , teatro e até rinque de patinação , o Pavilhão era o local da moda no Rio na virada do século
SITUADO NA PRAIA DO BOTAFOGO , às margens da Baía da Guanabara e de costas para a entrada do Túnel do pasmado , no Rio de Janeiro , o moderno Centro Empresarial Mourisco domina a área com sua fachada totalmente espelhada . O prédio , assim como várias lojas do bairro e algum condomínio vizinho , é chamado de “ Mourisco “ em referência ao pavilhão que existia ali . Do antigo edifício só restou o nome . Sua imponência e sua originalidade arquitetônica foram apreciadas por me -nos de um século entre 1907 e 1952 .
Mas o que fazia um pavilhão árabe na beira do mar , numa das áreas mais chiques da cidade naquela época ? No início do século XX , o prefeito Francisco Pereira Passos deu a um plano modernizador da capital do país . Entre outros problemas ,era preciso melhorar a comunicação entre o Centro e os bairros situados na Zona Sul , para onde a cidade se expandia .Para isso foi construída a A Avenida Beira Mar , no grande areal que ia do fim da Avenida Chile ( atual Cinelândia ) até a Praia de Botafogo . Ianugurada em 1906 , tinha mais de cinco quilômetros de extensão e 25 metros de largura – espaço de sobra para os primeiros automóveis que começavam a circular na cidade .Marcando o fim da bela avenida , foi erguido o Pavilhão Mourisco .
De formas orientais ,exuberantes e caprichosas , a arquitetura muçulmana ( ou “ mourisca “ ) vinha influ-enciando havia séculos as construções europeias , via Península Ibérica . No tempo de Pereira Passos , triunfava no brasil a arquitetura historicista , uma revisão dos estilos do passado atualizados para a so-ciedade moderna . Elementos do período colonial e da tradição luso - brasileira eram deliberadamente rejeitados e destruídos .Em seu lugar , ganhou peso o desejo de europeizar-se , imitando os mais diversos estilos . Daí o surgimento dos estilos “ neo “ : neorromântico , neoárabe , neonormando , neogótico , neo-egípcio . Era o tempo do ecletismo , das releituras , enfim , da quebra definitiva com a velha tradição .
O Pavilhão Mourisco seguiu essa tendência . O prédio neomourisco foi concebido pelo arquiteto Alfredo Burnier ,então chefe da seção de Arquitetura da Diretoria Geral de Obras e Viação ,para servir de café e restaurante .O trabalho de construção ficou a cargo do Major Thomé de Moura e a instalação elétrica ( uma grande sensação na época foi feita pela Companhia Brasileira de Eletricidade .A parte decorativa foi realizada pelo artista italiano Orestes Sercelli , radicado no Brasil desde 1896 . Sercelli e seu filho Bruno seriam autores também , entre outras obras , da decoração da Igreja Matriz de São Paulo nas primeiras décadas do século XX.
O prédio era de planta retangular e tinha em cada extremo uma terra hexagonal que se erguia sobre esbeltas colunas de inspiração árabe , lembrando o Pátio dos Leões da Alhambra de Granda , na Espanha .Cada torre tinha uma cúpula dourada em forma de bulbo .No corpo central despontava uma torre maior ,que ,as- sim como as outras , acabava com elementos de metal coroados com a meia-lua . As cúpulas eram cobertas de cerâmicas com reflexo metálico , o que produzia um efeito brilhante sob a luz do sol .Lembravam outras cúpulas produzidas pela arquitetura islâmica como a da mesquita Al Askari ,em samarra ( Iraque ) ,erguida em 1905 – talvez inspiração para o projeto darioca . Sobre o corpo central de alvenaria surgia uma ar - mação metálica , com terraços sustentados por colunas de ferro fundido.
As cerâmicas e os azulejos artísticos que revestiam e decoravam toda a parte eterna eram importados de Valência , na Espanha . A cidade espanhola foi , tradicionalmente , um dos principais centros produtores de cerâmica . Dali surgiu a chamada " cerâmica de Manises " ( século XIV ) , caracterizada pelo esmalte com reflexos metálicos e muito usada por muçul-manos andaluzes . As cerâmicas do Pavilhão Mourisco provavelmente foram feitas pela fábrica La Cerâmica Ceramo , fundada em 1855 , que produzia e vendia para a América do Sul peças muito parecidas com aquelas cúpulas e fachadas .
Em cada lado das torres havia portas verticais que terminavam em arco de ferradura , e nos corpos laterais , os três acessos tinham forma de ferradura apontada . No alto da entrada principal apareciam , escritas em árabe , as palavras " Café Cantante " .
O teatrinho infantil tinha a boca de cena voltada para o Pavilhão . Assim os pais podiam assistir ao espetáculo ( e observar seus filhos ) da varanda
Três grandes terraços destinados ao café ficavam na frente frontal e nas laterais , com duas escadarias de acesso , acompanhadas por postes para a iluminação noturna do exterior . Em to-das as aberturas havia vitrais de cores que provocavam belos efeitos de luz no salão interno . Nele funcionava o restaurante , que contava com quatro torres como salões reservados .Elementos arabescos -com formas de folhas , flo- res , frutos e cintas - de várias cores cobriam paredes , colunas e teto .O interior da cúpula central era sustentado por quatro colunas centrais com apliques de luz elétrica . Do teto pendiam várias luzes de sete lâmpadas .O piso era feito em parque , com peças de madeira paralelas .A cozinha , a copa e o bufê fi -cavam no térreo , sendo os fregueses servidos por meio de um elevador duplo instaladao no meio do sa- lão .
No exterior do Pavilhão encontrava-se o Teatrinho de Guignol , um local aberto para a exibição de títeres e marionetes , cuja boca de cena ficava voltada para o Pavilhão , de modo que os pais podiam assistir ao espetáculo ( e ao observar seus filhos ) da varanda . Também foi construído um rinque de patinação , ao redor do qual foram plantadas árvores , que anos depois ganharam altura .
O Pavilhão ficou rapidamente conhecido como ponto da moda do bairro de Botafogo . Em novembro de 1906 , dois dias antes de terminar seu mandato , o presidente Rodrigues Alves ( 1848 - 1919 ) visitou a obra , quase pronta .O Jornal do Brasil noticiou em detalhes a visita , aproveitando para elogiar a mais nova joia arquitetônica da cidade : " Esse restaurante ainda não está concluído , mas o conjunto de suas lineas é belíssimo efeito ,e a combinação das cores , de ouro e prata , até a matização dos azulejos ,produz no espectador um efeito de um cromo artíistico e bem cuidado " . Inaugurado no início do ano seguinte , o Pavilhão passou a ser muito frequentado , servindo de abrigo para o carioca se refrescar do calor do verão e passar as tardes com a família , depois de passeios pela Avenida Beira- Mar e pelo Jardim da Praia , com suas 735 árvores , 380 plantas e 6.230 arbustos ornamentais . Às quintas - feiras , as damas do bairro encerrravam ali seu passeios em vistosas carruagens puxadas por cavalos .
O Pavilhão não era o único prédio de estilo neomourisco na cidade .Quase simultaneamente ao de Bo- tafogo , foi erguido o palácio do Instituto Oswaldo cruz , em Manguinhos [ ver RHBN nº 25 , outubro de 2007 ] , projetado pelo arquiteto português Luís Moraes Júnior ( 1868 - 1955 ) .Outubro belo exemplo é a Basílica do Imaculado Coração de Maria , no Méier , de autoria do arquiteto espanhol Adolfo Moraes de los Rios ( 1858 - 1928 ) .
Outros prédios ficaram conhecidos como " mouriscos " por erros de idenbtificação , uma vez que a popu-lação não estava habilitada a perceber as diferenças entre estilos arquitetônicos . Foi o caso do " Café Mourisco " , construído em 1905 na esquina da Avenida Rio Brancos com a Rua do Rosário . O nome po-pular dado ao café não conduzia com a obra , assinada pelo mesmo Adolfo Morales de Los Rios . Foi ele quem veio a público esclarecer que se tra-tava , na verdade , de um prédio neopersa .
Nos anos 1920 , o restaurante mourisco de Botafogo já tinha saído de moda . Em 1934 , foi convertido em Biblioteca Infantil do Distrito Federal ,onde mais tarde trabalharia a poeta Cecília Meireles , em ativi-dades que incluíam cinema , música , desenho e jogos . Jovem por dentro mas velho por fora , o Pavilhão não resistiu às mudanças bruscas da modernidade . Depois de servir por um posto abaixo de 1952 , na administração do prefeito João Carlos Vital . Demolido por " exigência do progresso " , daria espaço ao Túnel do Pasmado , que abre caminho entre Botafogo e Copacabana .
O terreno ficou vazio por três décadas , até que nos anos 1990 foi edificado no lugar o Centro Empresarial Mouriso . A obra , concluída em 1998 ,correspondia aos princípios estéticos do pós-modernismo : grandes volumes geométricos , cores contratadas e acabamentos sofisticados e brilhantes , produzidos pelos vidros belgas da fachada , com seu alto poder de reflexão . Com cerca de 54 mil metros quadrados , doze pavi-mentos , dos quais sete andares comerciais , dosi subsolos de estacionamento e até um helioporto , o edi- fício não conseguiu ( nem tentou ) mudar o nome do seu antecessor .
Pelo menos na memória fica o registro de um tempo em que a arquitetura muçulmana ocupou um dos endereços mais nobres do Rio de Janeiro .
Fonte - Revista História - Arquivo D. H. D Data - 2009 - Dossiê Árabe no Brasil
ROSSEND CASANOVA - É PROFESSOR DE HISTÓRIA DA ARTE NA ESCOLA UNIVERSITÁRIA DE TURISMO SANT IGNASI , EM BARCELONA , E CO - AUTOR DE GAUDÍ 202 , MISCELLANY ( EDITORIAL PLANETA , 2002 )