80 anos de História
De todos os ligados à cultura negra , desde a vinda dos escravos para o Brasil ,do Quilombo de Palmares ao que História denomina “ Abolição “ , das lutas , do suor e do sangue derramado , o negro manteve viva a sua raiz africana , tanto na religiosidade quanto na veia artística ,manifestada em 369 anos do Brasil .
Embora centro gerador musical ,o Rio não tinha ,na época do Império a capacidade de difundir essa cultura .Somente ao seu término,as manifestações dos negros se fizeram maiores através das festas populares , uma delas , profana : o Carnaval , com afoxés ,troças e cordões introduzidos pelos baianos . Após a “ Abolição “, os negros foram em massa para a Capital Federal , que crescia com um novo porto e uma indústria em de-senvolvimento . Ocupando os morros vizinhos ao Porto e mais ao Largo próximo à Estação Ferroviária D. Pedro II , criaram fortemente a sua cultura , reflexo das tradições por eles trazidas da Bahia , das Minas , de São Paulo ,de Pernambuco e do interior do Rio , através dos batuques manifestados em sua criatividade mu- sical .
Batuque – No século passado ,o local conhecido hoje como Morro da Providência foi o primeiro lugar habi-tado pelos negros oriundos de Monte Santo , no interior da Bahia e de uma localidade chamada Serra da fa-vela .Mais adiante , na zona portuária , estabeleceu-se outro núcleo de ne-gros nos morros de Santo Cristo , Gamboa e Saúde , que ali viviam e nas cercanias trabalhavam . Encontravam-se baianas , quituteiras , agua-deiros , verdureiros amas de leite , domésticas , lavadeiras e outros Com toda essa atividade , ainda promo-viam batuques , mas como estes não obtinham simpatia das autoridades que os proibiam por força da Lei , estes negros participantes fugiam para outros locais e lá se divertiam , cantando .
O batuque era uma dança com sapateado e palmas , ao som de cantigas como a chula portuguesa , acom-panhada de tambor ou o samba baiano . Durante a dança , ouvia-se o desafio dos cantadores.
Algumas cantigas causavam brigas , às vezes , por causa da bebida , vez por outra por causa dos versos provocadores . Problemas como esses , no entanto , estimulavam a proibição dessas reuniões pela polícia .
Bambas – Havia locais menos agitados , onde os negros reuniam-se , como nas casas das tias baianas , dentre as quais se destacava a de Hilária Baptista de Almeida , a mãe de terreiro mais famosa da época . Festeira e quituteira de mão cheia , promoveu por onde morou sessões de Candomblé , que contavam com a presença de políticos , artistas e boêmios .
Tia Bebiana Germano , Tia Perciliana ( mãe do compositor João da Baiana ) , Tia Amélia ( Nãe de Donga ) e outras também ficaram famosas na época .Nessas reuniões foram criados muitos gru -pos musicais , par-cerias e composições clássicas . Pelo Telefone , de Donga e Mauro de Almeida , originou-se na casa de Tia Ciata .
Outros bambas criaram nesse ambiente muito dos sucessos : Lau de Ouro ,Caninha , Sinhô ,João da Baiana , Amor , Mano Elói , Pixinguinha , Paivinha , Heitor dos Prazeres . Ali , o maxixe , calango , as toadas , mo-dinhas e lundus , junto às influências urbanas , deram alicerce para o futuro do samba .
Outro destacado personagem ligado ao samba e ao carnaval , o baiano Hilário Jovino Ferreiro , O Lalu de Ouro ,dividiu com Tia Ciata a criação das festas promovidas pela colônia baiana no Rio.Lalu fundou um dos ranchos mais famoso , o Dois de Ouro , que fugiu à tradição .
A saída dos ranchos sempre foi no Dia de Reis , mas Lalu inovou deixando de desfilar em um dia sagrado para fazê-lo em outro profano , sendo seguido por todos os outros nos festejos de Momo .Também intro-duziu em seu rancho o gaboso personagem Mestre Sala . Ele próprio vestiu -se de nobre , desfilou fazendo coreografias em passos de valsa e , sapateado , fazia reverências ao pú-blico que o saudava .Lalu tornou-se uma das figuras mais populares do carnaval , seja como diri-gente , compositor ou destaque . Era mestre de muitos na capoeira .
A cidade fervilhava com o movimento dos negros baianos , que eram muitos . “ Seu Miguel Pequeno , um velho baiano foi responsável pela chegada de muitos outros na cidade . Sua casa , no Rio , era uma espécie de embaixada da Bahia , onde recebia a todos . Era ligado por laços de amizade aos ranchos e foi pivô de um fuxico histórico ,envolvendo dois membros ligados ao samba:
Tia Ciata e Lalu de Ouro .
Tia Amélia se envolveu com Lalu e com ele fugiu . Parceiro de Seu Miguel na fundação de um rancho que se chamaria Rosa Branca , fizera seu parceiro desgostoso . Este passou toda documentação Oficial de Registro na Polícia para Tia Ciata , acabando daí a amizade entre Lalu e Tia Ciata .
Ranchos - Foliões históricos – Luís de França , Cleto Ribeiro da Silva , Calixto Ferreira , Matinho Quitoca , João Alabá , Dudu, João Gordo , Felícia , João Ratão , Noela , Amélia ,Marcolino ,João Gâncio – fundaram um afoxé ,depois o rancho Reis de Ouro , seguindo-se Caçadores da Montanha e Rosa Branca .Todos eram moradores do Morro da Gamboa , Conceição e proximidades .
Entre negros , mulatos , caboclos e brancos , a cultura musical carioca cresceu . Do samba tínhamos Donga, Caninha ,Ismael Silva , João da Baiana Heitor dos Prazeres ,Sinhô . Do choro : Pixinguinha, Ernesto Nazaré , Patápio Silva e Benedito Lacerda . Da modinha : Chiquinha Gonzaga e uma infinidade de outros artistas .
Todo o processo de maturação por qual passou o samba é como o da bebida destilada .Da África aos Salões do lundú – canção aos sambas rurais da Bahia , dançando meio chegado à chula nas casas das velhas .Tias , que como filtros peneiravam e serviram depois generosos goles de maxixe e choro , desenvolvendo o samba batido na palma da mão , ao toque do prato com a faca e com o pandeiro nos terreiros .
A Praça Onze , com os blocos e as escolas de samba se tornaria o centro de toda a musicalidade negra .Pró-ximo dali , através dos trilhos da Central do brasil ,o samba correu em direção ao subúrbio e parou onde exis-tisse um morro .Enquanto isso , as gravações elétricas e o rádio ajudavam a difundir a cultura dos negros para todo o Brasil .Compositores e intérpretes urbanos gravaram samba , alcançando grande sucesso . Caso de Almirante , Carmem Miranda , Araci de Almeida e Noel . Mas o samba de raiz continuava sendo criado nos morros e dentro das Escolas de Samba . Deixa Falar foi a primeira escola do Rio . Formada no Estácio , reduto dos maiores bambas .
Ainda hoje , alguns compositores de tradição perpetuam suas raízes através dos desfiles de escolas de samba, ora compondo , ora como compositores da Velha Guarda .
Revista BLACK - págs 66 , 67 e 68 - Música Junho de 97 - Por Everson Cardoso
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe seu comentário sobre a postagem.