Os comunicadores negros
Nós lemos suas matérias . Vemos suas reportagens . Ouvimos suas vozes no rádio . Mas raras vezes nos tocamos que aqueles que escrevem , fotografam e falam sobre o carnaval carioca são negros , como os passistas mestre- salas , e foliões quase sempre dos nossos carnavais .E também pocas vezes temos ideias das pressões , brigas , enciumadas , discriminações e arrogâncias que repórteres negros têm que enfrentar nas redações .Geralmente , verdade seja dita , o repórter negro para se afirmar em sua profissão , tem de mostrar mais competência e garra que um branco oriundo da classe média . Assim se entende porque na sociedade negra não se conhece seus ídolos jornalísticos , aqueles que tocam nas pretinhas ( hoje branqui- nhas ) no jargão jornalístico , como são chamadas as teclas da máquina de escrever. E passa ao largo que muitos empresários e profissionais negros preferem ser entrevistados por repórteres que enfrentam barras racistas como eles .
Entre estes profissionais destacamos Wanda Ferreira , secretária de Estado , diretora do SEDEPRON ,que realiza , sem aplausos ou propagandas , um importante trabalho com presidiários do DESIPE , de recupe-ração e ressociliação E , nesta linha , mesmo em nível mais alto ,o trabalho do Instituto Palmares de Direitos Humanos ( IPDH ) com um programa de Orientação para empresários negros , e outros que não querem aparecer , mas colaboram, para a luta do negro no estilo “ bloco do eu sozinho “ , como o geógrafo Milton Santos .
Por falar em bloco , sem perder o assunto que é Carnaval , a maior festa popular do Brasil , o jornal MOVIMENTAÇÃO busca agora desvelar o fascinante mundo dos repórteres que uma vez estão em suas redações honrando sua categoria profissional , e em seguida , quando chega o Carnaval , estão nas quadras , na Liga Independente das escolas de Samba , nas rádios, no Bar A Paulistinha , assistindo a apresentação dos enredos , todo ano patrocinado pelo famoso Zé Petrus , no Petisco da Vila ,ouvindo os bambas de Vila Isabel, nos subúrbios entrevistando os heróis da velha guarda,enfim ,em todos os lugares onde houver samba .
1 – Jornalista , pesquisador , apresentador de televisão , escritor ,radialista , ator , empresário , fundador do balé brasiliana , diretor de cinema , teatro e TV .
Esse é Haroldo Costa .Quando se fala em carnaval não se deve deixar de falar nesse excelente profissional, em vários níveis , de atuação comprovada , que nas suas viagens pelo exterior não perde a oportunidade de aprender e mostrar o que sabe .Com passagem pelos bancos universitários da Sorbone ( Paris ) trouxe muito dessa trajetória internacional para nossa gente .
Haroldo dá sua contribuição ao negro e à imprensa e no carnaval de TV , teatro , e principalmente seus livros . Entre eles destacamos : “ É hoje “ , “ Fala Crioulo “ , “ Salgueiro “ , “ Academia do Samba “ ,etc .Atualizou o livro na forma , que vai se chamar Samba .
Falar de Haroldo Costa é uma empresa hérculea .Cinco laudas é pouco para uma apresentação de Haroldo . Mas Falar do todo ,da experiência que ele carrega , é quase temerário ,neste pouco espaço . Poeta de Orfeu da Conceição , na antológica peça de Vinícius , de 1958 , até o Juca da Kananga do Japão , último papel de ator ( está fazendo falta o salgueirense Haroldo Costa é o apresentador perpétuo do carnaval da MANCHETE na televisão . No Carnaval foi também jurado da premiação do Estandarte de Ouro . Haroldo Costa : um mestre do carnaval brasileiro .
2 – Um jornalista . Autor de vários livros sobre música popular brasileira . Trabalhou em todos os grandes jornais do Rio .Crítico de música , participou de vários juris . Foi respeitado por todos por sua serenidade e coerência ,no seu trabalho .Tipo sestroso , bem carioca e bonito por dentro com sua gravata borboleta. Fez parte da história do Rio .Atravessou todos os cafés e bares do Rio nos anos gloriosos , e era conhecido de vista por todos aqueles que frequentam e amam o centro do Rio , coração da alma carioca , menino pobre que se tornou um dos maiores conhecedores da cultura popular do Rio .
Personagem infatigável das bibliotecas e arquivos , sempre buscando esmiuçar eventos que muitas vezes presenciou com os próprios olhos . O maior cronista carnavalesco de todos os tempos .
Infelizmente nos deixou para voltar da companhia das almas tão boas como Pixinguinha, Cartola, Heitor dos Prazeres , João da Baiana , Caninha , Donga , Nélson Cavaquinho … Hoje podemos dizer que João Efegê realizou o sonho de sua vida . Ele é o maior cronista carnavalesco de todos os tempos . Evo é !!!
3 – Ney Braz Lopes .Um dos que dispensam apresentação , se falando em cultura e carnaval .Filho de Irajá , herdeiro da baixa classe média urbana . Ney Lopes escapou do destino medíocre do funcionalismo burocrá-tico para mergulhar na alma milenar de seu povo . Tão falado e tão mal conhecido . De advogado passou a redator de publicidade , não esquecendo a música ,uma das paixões .Do jingle ao samba- canção foi um pulo . Caminhando nessa vereda por 30 anos .Ney pegou o atalho da música , chegando após sambas consagrados , ao mundos livros . A vernissagem foi em 81 , com SAMBA , MAIORIDADE , seguindo -se ISLAMISMO E NEGRITUDE ( em parceria com João batista Vales ) um artigo da coletânea PAGODE E SAMBA:GUERRI-LHEIRO DO RIO , NOTAS MUSICAIS CARIOCAS ,um livro de contos chamado CASOS CRIOULOS , e finalmente em 1988 BANTOS , MALÊS E IDENTIDADE NEGRA .
Está na forma um DICIONÁRIO ETMOLÓGICO AFRO – BRASILEIRO , com um apanhado de todas as palavras brasileiras de origem africana . Um trabalho de fôlego que já está fazendo 15 anos . De pesquisa .
Nos bancos das escolas de samba o aluno Ney aprendeu e ensinou. Vislumbrava fascinado o Irajá ,a Portela dos tempos idos . Frequentou a academia do Salgueiro nos anos 60 , ( saiu pela primeira vez ) . Na década de 70 já pertencia a ala dos compositores . Numa trajetória incomum , já era da Velha Guarda nos anos 80 . O Velha Guarda mais novo no samba . Na avalanche da Vila Isabel em 88 , foi tragado pela emoção e contribuiu com enredos gloriosos desse seu novo bairro, com LUIZ PEIXOTO E TOME POLCA de 1991, e em 92 A VILA PÕE O OVO E VÊ AS CLARAS .
Ele também é um repórter de carnaval . Escreve todo ano no O Dia , comentando a perfomance das escolas na avenida . Na mesma folha foi colunista de carnaval , revezando com Roberto Moura , numa dupla que marcou época. Escreve , e escreve muito sobre o carnaval . Comentador da TVE. Perdeu a memória dos atigos que escreveu sobre cultura popular para os mais diversos jornais .
Dono da invejável marca de 180 sambas gravados pelas cantoras e cantores do mais alto time da MPB. Avisa que este ano será campeão do 1º grupo com a sua Vila Isabel , botando o bloco ( ou a escola ) na rua com todo o povão e toda a garra . Esperem e confiem .
Sabedor das mazelas dos donos do poder ( para quem , conforme acidamente comenta “ o negro é ecologia : só vive bem no crime e no samba “ ) . Ney Lopes sabe das dificuldades de ser negro, pobre , morar longe , e querer vencer na grande Imprensa .
Se coloca numa posição sui generis , como um negro consciente da história e cultura de seu povo , e que comanda uma escola de samba na rua .
Para o MOVIMENTAÇÃO , Ney Lopes parabeniza pela iniciativa de uma imprensa alternativa num país sem alternativa , e recomenda o slogan : “ Muito movimento e muita ação “ .
Ney Lopes , além disso tudo , é atualmente Superintendente de Promoção Humana e Sócio cultural da SEDEPRON ( Secretaria Extraordinária de Defesa das Populações Negras ) . Mais uma faceta de um brasileiro em busca de suas raízes .
Fonte - Jornal MOVIMENTAÇÃO - ESPECIAL – Veículo de Comunicação do Movimento Jovem - A IMPRENSA E A HISTÓRIA - Milton Cobrinha Data - ANO I - N º 5 - MAIO / JUNHO - 1992
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