Como pensam , agem ,trabalham os escritores ? A partir deste número ATUALIDADES Shogun irá publicar periódicamente entrevistas com autores brasileiros estrangeiros que se destacaram na literatura universal .Começamos com uma famosa entrevista de Ernen Hemingway ,Prêmio Nobel de Literatura , herói mitológico de muitos que se dedicaram à carreira das letras . A entrevista foi concedida por Hemingway ao jornal Le Figaro , poucos dias de sua morte , ocorrida há duas dé - cadas atrás .Mesmo assim , ainda é depoimento vivo de um dos nomes mais marcantes de nosso século .
ENTREVISTADOR : Quantas vezes reescreve o que faz ?
HEMINGWAY : Isso depende . Reesco final de Farewell to Arms , a última página do livro , trinta vezes , antes de sentir -me satisfeito .
ENTREVISTADOR : Havia algum problema teórico ? Que foi que fez o senhor empacar ?
HEMINGWAY : Não conseguir as palavras exatas .
ENTREVISTADOR : É acaso a reeleitura que desperta de novo o " sumo " ?
HEMINGWAY : A reeleitura nos coloca no ponto em que a coisa tem de prosseguir ,sabendo-se que é tão boa quanto mais longe se vá . Há sempre " sumo " em algum lugar .
ENTREVISTADOR : Mas há ocasiões em que a inspiração não surge ?
HEMINGWAY : Naturalmente . Mas se a gente se deteve , sabendo o que aconteceria a seguir , pode-se continuar . Enquanto se pode começar , a coisa está sempre bem . O " sumo " surgirá .
ENTREVISTADOR : Thorton Wilder refere-se a expedientes mnemônicos que fazem com que o escritor prossiga em seu trabalho diário . Disse que o senhor lhe contou , certa vez , que fazia pontas em vinte lápis .
HEMINGWAY : Não creio que eu jamais haja possuído vinte lápis de uma só vez . Gastar-se sete lápis número 2 constitui um bom trabalho .
ENTREVISTADOR : Quais os lugares que lhe parecerem mais favoráveis para trabalhar ? O hotel Ambos Mundos deve ter sido um deles ,a julgar pelo número de livros que o senhor lá escreveu .Ou o ambiente exerce pouca influência em seu trabalho ?
HEMINGWAY : O hotel Ambos Mundos , em Havana , era um bom lugar para se trabalhar esplêndido - ou era .Mas tenho trabalhado bem em toda a parte . Quero dizer : tenho conseguido trabalhar tão bem quanto me é possível sob condições diversas . O telefone e as visitas são os des- truidores do trabalho .
ENTREVISTADOR : É a estabilidade emocional necessária para se escrever bem ? O senhor me disse ,certa vez , que só conseguia escrever bem quando estava apaixonado . Poderia expor isso um pouco mais ?
HEMINGWAY : Que pergunta ! Mas foi bom fazê-la . Pode-se escrever em qualquer ocasião em que as pessoas nos deixam a sós e não nos interrompem . Ou , então , pode-se fazê-lo se fôr im- placável a respeito . Mas a gente escreve melhor , por certo , quando está apaixonado . Se o senhor não se incomoda , eu preferiria não falar nisso .
ENTREVISTADOR : E que diz a respeito da segurança financeira ? Acaso pode ela prejudicar a boa literatura ?
HEMINGWAY : Se ela chega cedo demais , e se ama a vida tanto quanto o próprio trabalho é necessário muita individualidade moral para se resistir às tentações. Uma vez que escrever se tornou nosso maior prazer , somente a morte poderá deter nosso trabalho . A segurança financeira ,então , constitui uma grande ajuda , pois evita que nos preocupemos . A preocupação destrói a capacidade de escrever .A má saúde e um mal , na medida em que produz preocupação ,pois ataca nosso sub-consciente e destrói nosssas reservas .
ENTREVISTADOR : Pode lembrar-se do momento exato em que resolveu tornar-se escritor ?
HEMINGWAY : Não ; sempre desejei ser escritor .
ENTREVISTADOR : São agradáveis essas horas em que o senhor está a escrever .
HEMINGWAY : Muito .
ENTREVISTADOR :Poderia dizer a respeito ? Quando é que trabalha ? Segue um plano rigoroso ?
HEMINGWAY : Quando estou trabalhando num livro ou num conto , escrevo todas as manhãs tão cedo quanto possível , logo que alvorece . Não ninguém para perturbar- nos , é fresco ou frio , e a gente se entrega ao trabalho e vai-se aquecendo à medida que escreve .Leio o que escrevo e ,como sempre para quando sei o que irá acontecer
a seguir , parto do ponto em que ainda disponho de " sumo " e sei o que acontecerá em seguida , então paro e procuro viver até o dia seguinte , quando me entrego de
novo à coisa Começa-se a trabalhar , digamos , às seis horas da manhã , e talvez se
prossiga até o meio-dia , ou interrompa o trabalho antes .Quando se para , fica-se como que vazio ; ao mesmo tempo , porém , jamais se está vazio , mas reabastecendo-se , como quando se faz amor com alguém a quem se ama .Nada pode ferir-nos , nada pode acontecer , nada significa coisa al - guma até o dia seguinte , quando se recomeça . A espera até o dia seguinte é que é difícil de su - portar .
ENTREVISTADOR : Consegue o senhor afastar da mente quaisquer planos que tenha , quando está longe da máquina de escrever ?
HEMINGWAY : Certamente .Mas requer disciplina fazê-lo , e tal disciplina é adquirida .Tem de ser /
ENTREVISTADOR : Costuma , acaso , reescrever alguma coisa , ao ler seu trabalho até o ponto em que deixou na véspera ? Ou isso ocorre quando o trabalho já está terminado ?
HEMINGWAY : Sempre reescrevo , todo dia , até o ponto em que parei . Quando o trabalho está terminado , a gente , naturalmente , torna a lê-lo . Tem-se outra oportunidade de corrigir e rees - crever , quando outra pessoa datilografa o que escreveu , e a gente o vê em letra de forma . A última oportunidade está nas provas tipográficas . A gente sente-se grato e essas diferente oportu- nidades .
Fonte - Revista SHOGUN - pág 1 - ATUALIDADES
Abril / Maio - 1983 - n° 3 - distribuição interna
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe seu comentário sobre a postagem.