quinta-feira, 30 de abril de 2015

A democratização do ensino



A  democratização do ensino 
Henri Wallon colocou a Psicologia a serviço de uma educação que inclui toda criança, e não apenas as que alcançam bons resultados 

Os homens e as mulheres do século XX vivenciaram mudanças profundas nas crenças e atitudes sobre a educação de crianças e jovens. Pais e educadores confrontam um universo de exigências fragmentadas e contraditórias, num mundo em que está difícil saber que perfil de adulto terá sucesso.
Dentre os estudiosos que buscaram configurar uma nova educação, o francês Henri Wallon desenvolveu atividade interessante para consolidar a ideia de que a educação é uma base das bases de uma nação democrática.
Sua biografia e produção científica se esclarecem mutuamente.  Ao mesmo tempo que busca elucidar os processos envolvidos no desenvolvimento da pessoa, atua como docente, como médico, no laboratório de Psicobiologia em que atende as crianças com distúrbios mentais, participa de debates, escreve artigos  para professores, procurando colocar os conhecimentos da Psicologia escolar a serviço de uma educação que inclua todas crianças, e não apenas aquelas que, sozinhas, alcançam bons resultados.

TRAJETÓRIA  DE  UM  HUMANISTA
Uma breve incursão pela biografia  de Wallon  aponta a estreita relação entre sua atividade como homem da ciência e como cidadão comprometido com seu tempo. Psicólogo, médico, pedagogo, militante envolvido em causas de justiça, professor, deputado, foi um humanista que uniu pensamento e ação. 
A produção científica para ele, está relacionada com a realidade social em que se desenvolve e, por isso, não cabe a ideia da ciência neutra nem do cientista distante dos desafios do mundo. 
A Psicologia escolar como fator de democratização do ensino é uma das suas maiores preocupações. Não se trata de oferecer bolsas a alunos mais aptos, oriundos dos meios populares. Mas de proporcionar, a cada indivíduo, condições para seu desenvolvimento pleno.
Henri Wallon  nasceu em Paris , em 1879, e viveu na cidade até sua morte em 1962. Filho e neto de professores universitários, defensores das tradições republicanas e democráticas, Wallon forma-se aos 23 anos em Filosofia e, pouco mais tarde, inicia os estudos em Medicina, que conclui tendo já no centro de suas preocupações o desenvolvimento da criança.
Na Primeira Guerra Mundial  atua como médico no front. Até 1931, trabalha como médico de instituições psiquiátricas, no atendimento a crianças com deficiências neurológicas e distúrbios comportamentais. A investigação do funcionamento do sistema nervoso, o trabalho como psiquiatra dos feridos de guerra, as observações sobre comportamentos de soldados com lesões cerebrais forneceram o material de seus primeiros grandes temas.
Dessas experiências, Wallon conclui que a enfermidade mental e os transtornos orgânicos não resultam de uma relação de causa/efeito predeterminados e imutáveis. Nas reações mais elementares da criança, é possível perceber a ação do meio como o elemento que faz surgir ou amenizar reações. 
A constatação de que o desenvolvimento humano não pode ser explicado apenas por processos biológicos transforma-se, ao longo de sua vida, em convicção que vai perpassar toda sua obra.
O material de seus estudos é publicado na tese de doutorado, em 1925, sob o título  de “L'enfant turbulent“ ( A criança turbulenta, na tradução literal para o português ) . Ainda naquele ano, funda o Laboratório de Psicobiologia da Criança, que dirige por 25 anos e se torna um lugar de pesquisa  e atendimento a crianças consideradas anormais. 
Encarregado de um curso  na Sorbonne, o material das aulas foi publicado no livro  "As Origens do Caráter da Criança"  ( 1934 ), trabalho em que analisa os prelúdios do sentimento de personalidade e as origens do desenvolvimento da vida psíquica nos três primeiros anos da vida da criança.
Concilia a atividade docente a colaborações com a Sociedade Francesa de Pedagogia e o Grupo Francês de Educação Nova, além de participar de grupos de intelectuais antifascistas, apoiando o Exército Republicano Espanhol na guerra contra a ditadura franquista. 
Em 1940 engaja-se na Resistência e participa, com Georges Politzer, Jacques Solomon e Paul Langevin, da criação do jornal Universidade Livre que continua circulando. Procurado pela Gestapo, deixa sua casa, mas continua a frequentar o laboratório.
Em 1948, cria a revista Enfance. Em 1951, assume a presidência da sociedade Médico –Psicológica, encarregada de ajudar as crianças  com dificuldade de adaptação. Em 1953, perde sua esposa e, em 1954, sofre outro golpe, um acidente que o deixa paralisado. Mesmo assim, continua trabalhando, em prol da criança, até sua morte com 83 anos. 

DESENVOLVIMENTO  Humano 
Henri Wallon insere-se na tradição dos teóricos que defendem uma concepção de homem constituído em dupla determinação: a biológica, que recebemos como herança, e social, resultado das pressões do meio.
A formação humana acontece num movimento constante de vir a ser. Cada etapa da vida constitui-se em um momento de equilíbrio e se define por um conjunto de características e necessidades biológicas, psicológicas e sociais, imbricadas de tal forma, que se realiza, simultaneamente, a formação da personalidade e o conhecimento do mundo objetivo. As características de cada fase têm como base o que foi gestado na fase anterior do desenvolvimento e o que oferece no presente, num processo de atualização. 
O processo de desenvolvimento é dinâmico e decorre das possibilidades do meio, das atividades , das escolhas que faz.
A teoria pressupõe o desenvolvimento intelectual inserido numa cultura mais humanizada: considera a pessoa como um todo, em que a afetividade, movimento e inteligência se integram.
Na obra "As Origens do Caráter na Criança", de 1934, Wallon  discorre sobre três aspectos complementares no desenvolvimento: a emoção, como forma de expressão de comunicação, a consciência do próprio corpo e de si mesmo.
As emoções têm papel preponderante no desenvolvimento, visto que são manifestações de necessidades, desejos e intenções  que mobilizam o outro. Inicialmente, nos bebês, como atividade expressiva que modula plasticamente o corpo e permite ao adulto interpretar a postura como sinal de situações  de bem–estar ou de mal–estar. A partir da emergência da função simbólica na criança, com a representação, a emoção se configura como afetividade. Um bom professor observador identifica no aluno os momentos de tensão, desconforto, medo e outras expressões que minimizam e mesmo impedem suas aprendizagens. O aluno não habita a escola. Ele é parte de um grupo, o de sua sala de aula  e, nesse grupo, assume um lugar, que pode ser o líder ou de fraco, por exemplo.
O professor precisa estar atento em como os grupos interagem, como se dão as relações no interior dos grupos e o quanto elas possibilitam a experimentação de diferentes papéis. 
A emoção é altamente contagiosas e, para que haja aprendizagem, é necessário que se reduza a temperatura emocional. Isso pode significar dar oportunidade ao aluno para se expressar de variadas formas  (escrevendo, falando), se movimentar e intercalar momentos de alta e baixa concentração, em que o aluno possa conversar  com os colegas, levantar–se, sair da sala.
Também o movimento, na teoria walloniana, tem papel central no desenvolvimento e aprendizagem. Organizar os espaços escolares  para que atendam às necessidades motoras dos alunos é condição para a aprendizagem. Apesar das mudanças, a escola ainda valoriza o silêncio e a imobilidade.
Na obra "Do Ato ao Pensamento", de  1942, Wallon analisa a passagem da inteligência prática à inteligência discursiva, utilizando o método genético comparativo. Ele compara o desenvolvimento da criança com: o animal, o primeiro, os enfermos e o adulto. Mais tarde, em 1945, na obra "As Origens do Pensamento na Criança" discorre a respeito do desenvolvimento do pensamento, até a constituição do pensamento formal, na adolescência. 
A criança pensa e dá respostas de acordo com seu nível de funcionamento mental, diferente em cada fase. Por exemplo, a atenção exigida para realizar determinada atividade varia em termos de tempo de concentração, de acordo com a idade; o erro significa a expressão de uma forma de operar com determinada situação, e não falha ou uma confusão mental; as reações de indisciplina podem ser geradas por desconfortos diante de situações que os alunos ainda não conseguem identificar ou controlar. 
Levando em conta as necessidades afetivas, motoras e cognitivas, a escola deve se apresentar como “uma oficina de relações“, em que as necessidades da criança, sejam compreendidas  , satisfeitas e encaminhadas. 

PRÁTICA PEDAGÓGICA 
Considerar o meio humano como condição de humanização remete à escola como um espaço social privilegiado  de formação. A educação escolar, sistemática intencional deve dirigir–se primeiramente à personalidade inteira da pessoa, e, ainda, que priorize o trabalho com o conhecimento, a ação pedagógica influi de forma abrangente em todas as suas dimensões.
A escola precisa ser um ambiente onde o sujeito aprenda a vida social e democrática  , não só pela resposta ordenada das lições dos livros, mas também pelas experiências da vida cotidiana , por meio de pesquisas, análise , reflexão de sua condição e a do outro, perceber quais são os conflitos e quais os consensos possíveis.
Dada a importância que tem na regulação da vida da criança  , a escola tem condições de ser um contraponto em caso de situações familiares traumáticas, de contribuir para a superação de sentimentos que limitam a atividade intelectual, como o medo , a angústia , a vergonha. Para isso  , entretanto  , é necessário repensar o modelo de escola que temos, assentado em etapas rígidas definidas por avaliação exclusiva de resultados no campo de cognição.
É necessário incorporar a noção de educação enquanto necessidade do processo de desenvolvimento, o que inclui uma educação ética, que incorpore, nas ações cotidianas, outros valores, como a solidariedade, a coragem de assumir frente ao outro o que se considera correto, o que implica necessariamente, como ensina Wallon, experiências cotidianas que levem em conta a necessidade de afirmação e de limitação do “eu“ perante o outro. 

Fonte – CARTA  FUNDAMENTAL  págs 52 ,53,54,55

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