terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

A CONSOLIDAÇÃO DAS ESCOLAS DE SAMBA

Acadêmicos do Salgueiro: Pamplona conquistou quatro campeonatos no Grupo 1 pela escola

As transformações sociais e culturais das décadas de 40 a 70

A crescente industrialização que se desencadeou na década de 40 determinou, nas grandes metrópoles brasileiras, um crescimento demográfico desenfreado: no Rio de Janeiro, expandem-se as favelas e subúrbios, berço das escolas de samba. Era o panorama ideal para entrar em cena outra força social: o banqueiro do “jogo do bicho “. O jogo é bastante simples e popular e não necessita qualquer nível de escolarização dos participantes: basta escolher um animal e apostar nele. No Rio de Janeiro foi durante décadas , associado ao tráfico de drogas , mas com a prisão de alguns líderes “ do bicho “ , este elo foi afrouxado.
Proibido em 1946, os “ bicheiros” passaram à clandestinidade e necessitavam encontrar apoio social  ao “ bicho “ e as escolas de samba que haviam criado fornecia a organização que aglutinava força suficiente para que os “ bicheiros “ pudessem negociar com a polícia, com “ autoridades “ e com o próprio governo. E m contra partida, a escola de samba receberia apoio financeiro que necessitasse. O apoio dos bicheiros às agremiações carnavalescas é um fenômeno bastante específico da cidade do Rio de Janeiro, em cuja análise não nos deteremos aqui. Importa compreender que contribuiu para criar os modelo de “super escola “. Este modelo apóia-se , fundamentalmente, na grandiosidade estética do espetáculo, maximização dos aspectos plástico e numérico na composição dos desfilantes, contratação  de profissionais externos à intimidade organizativa da escola e mercantilização do processo do carnaval – desde seus primeiros momentos de elaboração ao desfile na Avenida  - e das inúmeras ramificações dele decorrentes  .
A estrutura das “ super escolascariocas irá influenciar esteticamente as escolas de samba em todo  país.  Mas em cidades onde não existe a variante do “ bicheiro “, continua havendo ou a pressão sobre o Estado para que assuma as responsabilidades sobre o carnaval naqueles moldes, ou a busca de consolidação das relações com grandes comerciantes e industriais, ou ainda alguma empresa que queira assumir a organização de uma escola de samba. Este processo de negociação e captação de recursos é sempre difícil e trabalhoso, demanda tempo e pesados esforços das direções e entidades carnavalescas, como vermos adiante.
Por volta de 1940 , no Rio de Janeiro, as escolas obtêm seu direito de desfilar nas avenidas centrais. Ainda havia exibições das sociedades carnavalescas e ranchos, mas em franca decadência. No princípio desta década, o país sofre os reflexos do clima mundial ante guerra.  Com a suspeita de que o Brasil viria integrar o conflito, esta época representou um período de baixa no ânimo carnavalesco em geral. Mas as escola de samba não ficaram fora do processo de participação social naquele importante momento histórico: lançaram sambas alusivos à guerra e integraram as campanhas lançadas pela União Nacional dos Estudantes e pela Liga de Defesa Nacional. Em 1943, estas entidades ajudaram na promoção do “ carnaval popular “ das escolas de samba, assumindo a coordenação dos desfilantes naquele ano.
As décadas de 40 e 50 são consideradas o coroamento do “ ciclo de formaçãodas escolas de samba quando estas constituem seu esqueleto básico: enredo, samba-enredo, alegorias e fantasias. Na década de 50 , passado  período de maior apreensão gerado pelo clima de guerra, as escolas de samba entram num processo vertiginoso de ascensão, resultado da efervescência política e cultural do país e do apoio do “bicho“. Com o crescimento, e como conseqüência a penetração maior na opinião pública, atraem a atenção d outros setores, ampliando seu leque social e diversificando os interesses que até então tinham estado em gênese. Os sambistas “do morro“ já haviam  “descido para o asfalto “ para espetáculos comerciais e começam a penetrar nos ambientes de rádio e disco. Por outro lado, a competição colocava sempre mais e mais necessidades: mais patrocínio, mais originalidade , mais riqueza. A sociedade brasileira já não é a mesma das primeiras décadas: levas de imigrantes europeus haviam modificado a feição cultural do país. Com a ação disseminadora de informações promovidas pela televisão, são criadas novas exigências estéticas e culturais. Novos anseios, novas culturas alteram o caleidoscópio cultural, oferecendo panoramas diferenciados de aspirações.
Em 1959 , a Escola de Samba do Salgueiro detona um processo que se tornaria irreversível nos períodos subsequentes traz para seu quadro artistas e intelectuais universitários, que chegam portando valores estéticos diferenciados e que em meio a oposições e conflitos, vão sendo incorporados aos tradicionais. A influência é imediata: mesmo as escolas conservadoras começam a rever seus valores estéticos, reelaborados pelo contato com as novas informações. Além dos valores estéticos, as bases territoriais também principiam a ampliar-se: das sedes dos morros, as escolas de samba começam a instalar-se em áreas mais centrais visando atingir um segmento que até a década de 40 havia assistido ao espetáculo somente das arquibancadas: a classe média. A capital do país muda para o interior, mas as escolas de samba crescem cada vez mais. Este é um processo que gerará inúmeras polêmicas entre os estudiosos e entre os próprios sambistas, configurando-se mesmo como um divisor de águas denominados por setores como o “branqueamento das escolas de samba“. Ao lado da entrada de novos setores sociais, a escola de samba cresce em importância política. É notório o caso do impasse diplomático Brasil-Paraguai , quando em meio à Operação Pan-americana lançada pelo governo Juscelino Kubitschek, a Império Serrano em seu samba-enredo chamou o presidente paraguaio Solano Lopez de ditador. O Itamarati interveio e as escolas de samba prestam solidariedade à Império Serrano, mas a pressão foi tão grande que esta teve que ceder e a “ Confraternização Brasil-Paraguai“ do enredo tornou-se  “Confraternização Latino-Americana“.
A propósito deste período, Octavio Ianni assinala que o populismo no Brasil assumiu diversas facetas: o getulismo , o trabalhismo , o populismo de esquerda etc.
Esta migração de outros setores sociais para as escolas de samba, principalmente de alguns quadros profissionais relacionados às artes plásticas, e a freqüência da classe média nos ensaios é o resultado do momento histórico que se vivia na década de 50 e início da década de 60: participação de trabalhadores urbanos  e industriais em campanhas eleitorais, em movimentos nacionalistas, em lutas anti imperialistas, pelas reformas de base, pelo fortalecimento da denominada “ cultura nacional e popular“ etc., ou seja , um momento forte de efervescência cultural e politica. Como afirma Octavio Ianni "o populismo sempre foi, malgrado as distorções político-ideológicas que lhes são inerentes, um mecanismo de politização das massas". Natural, portanto, que, resultado dessa efervescência, alguns grupos de classe média se interessassem pelo que consideravam um “autêntico reduto de cultura popular“ – a escola de samba. Havia também um grupo que, abertos os canais de participação, havia “aderido ao mundo do samba“ com entusiasmo e convicção buscando um ambiente social onde pudesse reconhecer-se como integrante de uma comunidade. Ao lado deste grupo que frequentava principalmente as quadras de ensaio, havia outros grupos que, oriundos das camadas médias e altas, desejavam poder usufruir as glórias de participar de um evento em evidência na mídia e na opinião pública, como é o desfile das escolas de samba; outro grupo ainda, também oriundos das camadas  médias, que via nos luxuosos desfiles uma oportunidade de aplicar seus conhecimentos artísticos com remuneração adequada, que serão consubstanciados nos “carnavalescos“ surgidos em finais da década de 50  nas escolas cariocas, e motivo de grandes polêmicas. Rodrigues aponta que  , a partir deste momento , operou-se uma transformação radical na estrutura das escolas de samba : a coreografia passa a ser mais marcada, os figurinos mais leves e modernos e as evoluções resultam de num verdadeiro show ambulante. Estas mudanças são fruto de um trabalho de artistas de cultura erudita  que aí encontram campo fértil para o desenvolvimento de suas concepções de arte. A autora relata detalhadamente os choques ocorridos com a admissão do artista plástico Pamplona na condução artística do Salgueiro. O carnavalesco propunha uma ala de “guerreiros africanos“, desgostando alguns participantes que acreditavam que o tema não cabia para o carnaval. 
Pamplona teria também interferido nas fantasias das baianas, na bateria, na formação total do desfile e até na maneira de dançar o samba. Este exemplo parece indicar a distância de representações do mundo do sambista em relação ao universo daqueles que vieram de outras origens sociais,  o que traz complicadores à organização do carnaval. Neste caso, ou gesta-se um processo democrático de negociação de opiniões, ou impõem-se o autoritarismo dos "profissionais" carnavalescos, o que dependerá do grau de exercício democrático e participativo em cada escola.

Fonte: O Samba Conquista Passagem - págs 64 à 69 
Ed. Vozes, 2001 - Rio de Janeiro
Cristiana Tramonte

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