terça-feira, 30 de agosto de 2016

O homem cujo pé era uma bola


O neurocientista  Miguel Nicolelis desenvolve uma 
Teoria para explicar a genialidade de Pelé em campo 

A partir do fim dos anos 60, seguindo os conselhos do mais fanático palmeirense que eu conheci, o inesquecível Tio Dema, o futebol passou a ocupar uma parte essencial da minha vida. Ao longo dessas décadas dedicadas à profissão de torcedor fissurado,  muitos momentos também inesquecíveis, passados nas arquibancadas de estádios pelo mundo afora ou à frente de uma TV ( ou computador, nos últimos anos  ), marcaram também minha carreira de cientista.

Quando, no ano 2000 , o editor da revista científica inglesa Nature pediu que eu iniciasse um artigo com alguma descrição que instigasse a imaginação dos leitores sobre as maravilhas que o cérebro humano é capaz de realizar, não hesitei um milissegundo. No primeiro parágrafo daquele que se tornou um dos meus artigos mais citados na literatura neurocientífica, narrei, em muitos detalhes, a jogada que originou o primeiro gol da seleção brasileira contra a Itália na final da Copa do Mundo de 1970, no México.

Numa outra ocasião, durante a abertura de uma palestra no Instituto Max Planck, na cidade alemã de Tübingen, três dias depois da vitória da seleção carinho na Copa do Mundo se 2002, na Coréia do Sul e no Japão, simplesmente não pude me conter mais uma vez. Contrariando o apelo aflito do meu filho mais velho, presente na platéia, não tive dúvida em abrir minha aula, num auditório lotado de neurocientistas alemãs sisudos, com uma imagem mostrando o esforço em vão do goleiro alemão Oliver Kahn, tentando se esticar todo para impedir mais um gol do fulminante ataque brasileiro. O título do slide era: I Kahn t get it !  Para minha total surpresa, assim que a imagem foi projetada, toda a platéia germânica veio abaixo  - no bom sentido  - e muitos desses colegas, até hoje  , se lembram daquela provocação com bom humor.

Entre todas as histórias e emoções desfrutadas nessa minha carreira paralela de torcedor profissional  , poucas se comparam ao privilégio de poder testemunhar, sempre ao lado do Tio Dema  , em tardes passadas nas arquibancadas do antigo Parque Antártica ou no charmoso Estádio Municipal do Pacaembu, os embates épicos entre as várias Academias palmeirenses e o Santos de Pelé, disparado o melhor jogador de futebol de todos os tempos  , pelo menos deste lado da Via Láctea

Embora todos os clássicos do então glamouroso Campeonato Paulista fossem eventos esperados com grande antecipação  , nada se comparava  , ao menos para mim, à expectativa de estar presente num jogo em que o Rei do Futebol desfilaria pelo gramado, perseguido por todos os cantos pelo infatigável Dudu, tentando  , a cada momento  , superar em elegância e eficiência o também extra-terrestre Ademir  “ Divino “ da Guia.

Apesar de ser palmeirense até a última célula do corpo e torcer em cada jogo desesperadamente pela vitória do esquadrão alviverde, havia algo muito especial em visualizar aquela libertação de ferocidade e destreza motora que o furacão cinemático chamado Pelé realizava ao longo de um prélio. Enquanto antes da partida ele parecia uma pessoa comum, dando entrevistas no gramado, bastava que o apito inicial soasse para que todos no estádio entendessem instantaneamente por que aquele homem fora apelidado com o nome de um vulcão do Caribe.

Erupção de dribles  , arrancadas e gingas  

Anos depois, provavelmente devido à incomparável popularidade adquirida pelo número 10 santista em todo o sistema solar, o mesmo nome  , Pelé  , seria dado ao acidente geográfico mais exuberante da lua de Júpiter chamada Io. Nos campos de Io, Pelé até hoje pode ser claramente identificado como uma erupção vulcânica continua, de alta velocidade  , que espalha lava e fumaça  , sem cessar  , por mais de 3000 quilômetros ao seu redor, definindo o ponto mais atraente daquele satélite. Sem tirar nem pôr, esse era o efeito Pelé terrestre. Uma erupção contínua de movimentos, de dribles arrancadas, gingas  e, sobretudo, de chutes mortais, com cada uma ou ambas as pernas; no chão ou no ar, de pé ou de cabeça para baixo,  bem no meio de uma de suas bicicletas que desafiavam a gravidade e faziam todo um estádio ficar sem ar.

O desejo de marcar gols era tão obsessivo e compulsivo nesse vulcão brasileiro que tudo que as leis da física permitem  Pelé realizou para chegar ao objetivo; até tabelar com as pernas dos adversários. Revendo filmes daqueles tempos, é assombroso confirmar as inúmeras vezes que Pelé, não tendo alternativa, em vez de desistir de passar a bola  , achava uma forma de recrutar seus marcadores para que esses, involuntariamente, o ajudassem a abrir um caminho rumo ao gol. Não é exagero especular que   , se houvesse um prêmio de melhor jogador do mundo naquela época  , Pelé o teria ganho  , ininterruptamente  , de 1958 a 1973. E não me venham com Messi ou Maradona. Como Pelé não houve, não há  jamais existirá. 
Quem viveu e viu sabe  . Ponto final  .

E todos os malabarismos e desafios à lógica que eu presenciei Pelé fazer em campo, a característica que mais me marcou foi verificar  , jogo após jogo  , como a bola parecia , sem hesitação  , grudar em seus pés  , e  , dali para a frente  , se recusar a se separar daquele que a tratava como ninguém mais era capaz. Curiosamente, anos depois, um dia eu deparei com uma gravação realizada pela rádio inglesa BBC durante um amistoso  Brasil x Inglaterra, disputado no Maracanã, 30 de maio de 1964. Durante aquele verdadeiro massacre futebolístico ( 5x1 ) imposto pelos então bicampeões mundiais aos futuros campeões do mundo, o lance do primeiro gol brasileiro desnorteou o locutor da BBC  a ponto de levá-lo a dizer que Pelé realmente não devia ser deste universo. Nesse lance, depois de driblar vários ingleses. Pelé tenta o chute ao gol  . Caprichosamente, a bola bate num defensor e retorna. Para onde  ?  Ora, para o mesmo pé de Pelé, que  , imediatamente, para o desespero do locutor britânico, coloca Rinaldo  ( então ponta-esquerda do Palmeiras ) na cara do gol. Mais tarde, Pelé daria outro passe de gênio para o ícone alviverde Julinho Botelho marcasse mais um gol para o Brasil. Segundo o locutor da BBC, todas essas jogadas fenomenais refletiam o fato inegável de que “ a bola não larga do pé de Pelé simplesmente porque ela faz parte dele  ! “

Objetos como extensão do corpo

Meio século depois daquele jogo histórico, em todas as minhas palestras pelo mundo afora, é esse exemplo que uso para descrever como nosso cérebro de primata assimila todas as ferramentas que cada um de nós utiliza no cotidiano  - nossos carros, nossos telefones, nossas roupas, raquetes  , bolas   etc  . – como uma verdadeira extensão do nosso corpo biológico. Levado ao limite da sua capacidade de assimilação  , nosso cérebro permite que alguns de nós atinjamos graus impressionantes de proficiência no manuseio de ferramentas artificiais e objetos inanimados. Muito provavelmente é dessa voracidade cerebral em assimilar tudo ao seu redor que emergem os exímios violonistas,  pianistas e também craques de futebol  , esses heróis populares que nos permitem manter por toda uma vida  , ainda que tenuamente, laços quase imemoriais com nossa infância e juventude.

É por isso que, ao terminar minhas palestras  , sempre gosto de frisar que  , se um dia alguém tivesse o privilégio de mapear o cérebro desse vulcão de duas pernas chamado Pelé, esse alguém encontraria  , na região do lobo parietal  , não apenas a representação  de um pé  - mas  , sim  , a imagem de uma verdadeira fusão desse com aquela que foi sua mais fiel e amada companheira  : a bola  !

Fonte   -     EDIÇÃO  ESPECIAL      -   ABRIL  NA  COPA
Págs  13 ,14 e 15                     Miguel  Nicolelis 

De  62  a  70  :  a Taça  Jules Rimet  fica  com  o  Brasil  

Em 1962  , no Chile  , o Brasil não teve muita dificuldade para manter o título mundial  , A equipe soube superar a ausência de Pelé, que se contundiu na segunda partida  . Garrincha foi o jogador decisivo para a conquista.
Quatro anos depois  , na Inglaterra  , a desorganização prejudicou a seleção brasileira  , eliminada por Portugal ainda na primeira fase  . A taça foi para os donos da casa  . Os inventores do futebol   eram  , enfim  , campeões do mundo.
O tri tinha apenas sido adiado. No México  , Pelé  , Gérson e companhia conquistaram para o Brasil a Taça Jules Rimet - de posse definitiva para o primeiro país que vencesse três Copas.


1962    País  sede   :    Chile         Campeão  -  BRASIL 

Depois de perder Pelé na segunda partida,  o Brasil contou com Amarildo e   Garrincha para chegar ao  bi.

Titulares                                        Posição
Gilmar                                           Goleiro
Djalma Santos                              Zagueiro 
Nilton Santos                               Zagueiro 
Mauro                                           Zagueiro 
Zózimo                                          Zagueiro
Zito                                                Meio - campo
Didi                                                Meio  - campo
Zagalo                                           Atacante 
Amarildo                                    Atacante 

Reservas 
Zagueiros       -        Altair  , Bellini  Jurandir  , Jair  Marinho 
Meio  - campo  -       Mengálvio, Zequinha 
Atacantes         -        Coutinho   , Pelé  , Pepe 
Técnico             -         AIMORÉ  MOREIRA 

QUARTAS DE  FINAL                               SEMIFINAIS                                 FINAIS 
10/6  Chile 2x0  URSS                                  13/6                                          17/6
10/6  Iugoslávia 1x0 Alemanha                  Brasil     4                                 Brasil                      3 
10/6  Brasil  3x1 Inglaterra                          Chile      2                                 Tchecoslováquia   1
10/6 Tchecoslováquia 1x 0 Hungria          13/6                                           Decisão do 3° lugar 
                                                                        
                                                                      13/6                                             16/6
                                                                      Tchecoslováquia  3                   Chile 1x0 Ioguslávia
                                                                       Iugoslávia 1


A  SELEÇÃO  DA COPA 
Seis brasileiros foram escalados entre os 11 melhores do Mundial   .
A Tchecoslováquia , vice – campeã  , entra com dois jogadores  .


1966
País     sede:    Inglaterra 
Campeão            Inglaterra  

A  SELEÇÃO  DA  COPA 
O time ideal escolhido pelas jornalistas a Copa de 66 era uma mescla das 
Seleções inglesa ( com quatro jogadores ) e alemã ( três jogadores) 

O BRASIL  EM  1966
A seleção brasileira não soube mesclar os veteranos do bi com a nova geração  .
O time foi desclassificado na primeira fase  .

Titulares                                 Posição                       Reservas          Posição
Gilmar                                      Goleiro                      Brito                  Zagueiro    
Djalma  Santos                        Zagueiro                   Edu                    Atacante 
Paulo Henrique                      Zagueiro                    Fidelis               Zagueiro
Bellini                                       Zagueiro                    Gérson             Meio  -   campo 
Denílson                                  Zagueiro                    Manga              Goleiro 
Altair                                        Meio  -  campo         Orlando            Zagueiro
Alcindo                                     Atacante                    Paraná             Atacante
Garrincha                                 Atacante                    Rildo                Zagueiro
Pelé                                           Atacante                    Silva                 Atacante 
Jairzinho                                  Atacante                     Tostão             Atacante 
                                                                                        Zito                  Meio  - campo 
Técnico  : Vicente  FEOLA 

1970 
País  sede    :    México
Campeão    :     BRASIL

O  tri  consagrou  Pelé e garantiu a

Taça  Jules  Rimet 

Titulares                                Posição                  Reservas                     Posição
Félix                                       Goleiro                   Ado                              Goleiro
Carlos Alberto                      Lateral                    Baldochi                      Zagueiro
Brito                                       Zagueiro                Dario                            Atacante 
Piazza                                     Zagueiro                Edu                              Atacante 
Everaldo                                Lateral                    Fontana                       Zagueiro
Clodoaldo                             Meio - campo         Joel                              Zagueiro
Gérson                                   Meio - campo        Leão                            Goleiro
Pelé                                        Meio – campo        Marco Antônio         Lateral
Jairzinho                                Atacante                 Paulo César               Atacante 
Tostão                                    Atacante                 Roberto                     Atacante 
Rivelino                                  Meio – campo        Zé Maria                   Lateral 
Técnico    :  ZAGALO    

A   SELEÇÃO DA  COPA 
O Time formado pelos 11 melhores da Copa era totalmente dominado pelos brasileiros.
Eleitos em seis posições  . O goleiro alemão Sepp Maier ganhou uma disputa acirrada com o inglês Gordon Banks

QUARTAS – DE -FINAL                            SEMIFINAIS                                         FINAIS  
14/6  Itália  4x1  México                           Itália  4x3  Alemanha Oc                   Brasil 4x1 Itália
14/6 Uruguai 1x0 URSS                            Brasil  3x1  Uruguai                            Decisão do 3° LUGAR 
14/6  Alemanha Oc  3x2                                                                      20/6 Alemanha Oc 1x0 Uruguai 
14 /6 Brasil 4x2 Peru 

Fonte: Folha de São Paulo - Esportes - Poster da Copa
Domino, 17/04/94    

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