Angélico Frei Betto entre diabólicas tentações dos sete pecados capitais

 

Contos  do  ex - assessor  de  Lula  fazem  refletir   sobre  demônios  da  vida  e  do poder 

Como dizia  Drummond  , "  a literatura  é  um  fator  de entendimento entre os  homens ".                    Frei  Beto , com amis de 50 títulos editados no  Brasil e no exterior , certamente é  desta                          linha . Autor de obras de teologia , filosofia , entre  outras áreas ,neste seu livro de contos ,                      o  religioso dominicano oferece uma ficção cuja tônica é a questão do  bem e do  mal , dos                      anjos e dos demônios com quem cruzamos diariamente .

O demônio , figura que povo o imaginário de  diferentes culturas e  religiões , nesse  livro                        se apresenta sob variadas formas . São contos curtos que percorrem uma linha de  realismo                    fantástico para levar o leitor a  refletir sobre  o egoísmo , a ganância ,a sedução , a luxúria :                    os demônios que nos habitam . 

O  misantropo  que convive  com as baratas 

Já no primeiro conto ,narrado em primeira pessoa . , " O  hóspede " ,o autor arrebata o leitor                    com uma  história que se inicia com a frase  " Morar sozinho é o  meu consolo " , sobre  um                    misantropo em cuja casa ,as baratas , apesar de execráveis ,passam a ter uma  presença física                importante .A vizinha dos fundos vive exaltando o  valor  terapêutico do  trabalho voluntário,                  o velho vizinho Procópio era  generoso com as  crianças , contrapondo-se  ao  estilo  egoísta                    do  protagonista .À medida que o conto evolui , o autor analisa analisa fraquezas  e  virtudes                    da condição humana . " Como todos sabem , a  solidão é um estado  de insegurança , refúgio                    de si em face  dos  olhos do outro " , escreve .

As  histórias transitam em um  campo limítrofe entre o  sonho e a  realidade , a  sanidade e a                  alucinação . São  habitadas por  mitos gregos , personagens  bíblicos e até  monstros peludos,                  que mergulham  o  leitor  em  um  universo indefinido  de  estranhamento . Nessa  tradição  ,        Goethe , Dostoiesvski , Dante , Guimarães  rosa , Thomas  Mann são escritores que  também                  pensaram através da  literatura  a  dicotomia  entre  o bem e o  mal , o  céu  e o  inferno . Em                  " Treze  contos  diabólicos e um  angélico  " há personagens como  o  doutor  Fausto , chefe                    de  uma  repartição , e o outro  como  Lucífaro . 

No conto  " O  retorno " , o  personagem  Firimula , figura  nefasta  que provocava  roubos e                  atos insanos , tira férias e deixa  sua cidade . Volta tempos depois ao bar que costumava  que                vai ao bar que costumava frequentar  " Deus  criou o lar , o  diabo o bar " . Firimula  - como                    o marido que vai ao bar e , sob  o  efeito da  bebida , volta para  casa como se estivesse incor-                porado pelo demo - representa a desordem . Quando parte ,  a cidade se confronta  com uma                  paz  estranha . Como enfim , estabelecer  a ordem sem que exista  a  iminência  do  caos ? 

Também  nesse  conto , o  autor  examina  o  diabólico  que  há  no  homem , capaz  de  atos e      criações  terríveis , que  podem  ser  mais  assustadores  que  as  maquinações  dos  próprios                    demônios  desencarnados . O diabo  observa :  " Nos  últimos tempos , vocês  humanos foram      capazes de inventar coisas piores ( que  as  diabruras ) , como a degradação do  meio ambiente,              a  energia nuclear , a  competitividade como  condição de  prosperidade " . 

Em sua literatura , o autor não deixa de  ser ,também , o teólogo  e o  " político " que é . As aspas      não  são  à toa . A  passagem  pelo governo  Lula não  o caracteriza  , como  um  " político "  no              sentido dos que assumem cargos de poder somente pela ambição do poder . No entanto , as suas  mudanças pelos movimentos socais e seus contatos com o altão escalão do governo ,que conheceu        intimamente enriqueceram-no com uma experiência que não deixa de estar presente em sua litera  -      tura . Frei  Beto é homem marcado pela  preocupação  com  os  problemas  sociais e seus  escritos          literários  não o desmentem .

Autor  de  um  sarcasmo  delicado 

No conto " O  telespectador " , através do personagem  Viriato , o autor faz uma crítica ferrenha ao  universo atual da  sociedade contaminada  pela imagem da  TV .

A escrita de  Frei Beto é  perpassada  por  um  sarcasmo  delicado . Envolve   o leitor em clima que  beira  a  ingenuidade  para  logo  lhe dar  uma rasteira , mostrando o lado  diabólico  de  seus perso-nagens . Demonstra , assim , sua  habilidade  em  construir  os  contos .

Quem conhece a trajetória  de  Frei Beto saberá identificar a sua  preocupação em querer  despertar o  ser humano  para  um mundo mais  digno .Este livro é mais um testemunho de  suas nobres intenções,    no qual , através de uma  narrativa povoada de  seres e  situações  estranhas , oferece-nos  uma  nova      versão dos  pecados  capitais .

Fonte  -  Jornal  -  O  GLOBO   - pág  5  - PROSA  &  VERSO                                                                Data   -   Sábado , 26  de  Março  de  2005 - Lilian  Fontes